Massacres e pesadelos: guerra desperta emoções ambíguascasa sportsdescendentescasa sportsjudeus ucranianos:casa sports
A história da famíliacasa sportsFelipe, que chegou ao Brasil no início da décadacasa sports30, ilustra os sentimentos conflitantes dos descendentescasa sportsjudeus ucranianoscasa sportsrelação ao atual conflito com a Rússia. Suas raízes estão fincadascasa sportsum palcocasa sportsperseguições, massacres e pobreza.
"Quando eu soube que a guerra havia começado, meu primeiro pensamento foi ocasa sportsnão me importar", diz Ivy Judensnaider,casa sports62 anos. A pesquisadora e professora universitáriacasa sportsSão Paulo, filhacasa sportsFelipe, é quem conta à BBC a história da família.
"Eu conheço a história dos esquadrões da morte da Ucrânia. Sei como a perseguição lá foi cruel", diz Ivy. "Hoje, porém, se você perguntar sobre meu sentimentocasa sportsrelação à guerra, eu torço para o povo ucraniano. Não são as mesmas pessoas daquela época. E, por mais que existam grupos ultranacionalistas lá, eles também existem aqui no Brasil."
A história da famíliacasa sportsIvy, ao menos a documentada, começa com a chegadacasa sportsseu avô Mehil ao Brasil. Ele emigrou deixando a mulher, Etel Judensnaider, e três filhoscasa sportsNovoselytsya, entre eles Felipe. Eram muito pobres. Os filhos e a esposa chegariam ao Brasil cercacasa sportsdois anos depois. Mehil trabalhava revendendo peças e objetoscasa sportssegunda mão e se estabeleceu na capital paulista. Morreucasa sports1973. Felipe trabalhou como tapeceiro e fabricava móveis e cortinas. Faleceucasa sports2011.
Do paicasa sportsMehil, bisavôcasa sportsIvy, resta apenas uma foto amarelada onde ele aparece ao lado da mulher. Foi ele que ficou na Ucrânia e morreucasa sportsuma marcha da morte durante o Holocausto. A família não sabe seu nome e nunca encontrou qualquer documento relacionado ao casal.
"A história que chegou até a família, por meio do relatocasa sportssobreviventes, foi acasa sportsque meu bisavô caiu enquanto fazia a marcha, foi chutado por soldados e caiu numa ribanceira", conta Ivy. "Por isso, o grande medo do meu pai era morrer desse jeito. Para ele, morte era o que tinha acontecido com o avô dele, que foi chutado como um cachorro. O único jeitocasa sportseu acalmá-lo era dizer que não, que ele morreria cercadocasa sportscarinho."
Ivy revela que só não participoucasa sportsum trabalho internacional para recolher depoimentoscasa sportssobreviventes do Holocausto porque estava grávida e não se sentiacasa sportscondições psicológicas para lidar com o assunto.
"Quando lançaram o filme A Listacasa sportsSchindler e criaram uma fundação para resgatar esses depoimentos, escrevi uma cartacasa sportsinglês dizendo que tinha práticacasa sportspesquisas e adoraria ser voluntária nesse trabalho quando ele chegasse ao Brasil", lembra Ivy. "Uma entidade aqui do Brasil respondeu que gostariacasa sportsme conhecer. Mas eu estava grávidacasa sportsgêmeos e decidi que não teria equilíbrio emocional para entrevistar sobreviventes do Holocausto."
Nenhum país europeu ocupado pelos nazistas escapoucasa sportsdeportações, assassinatos e da atuaçãocasa sportscolaboracionistas. Mas o Holocausto foi especialmente cruel no Leste Europeu.
"Os colaboracionistas estonianos, letões, lituanos, ucranianos, e cidadãoscasa sportsorigem étnica alemã tiveram um papel significativo no assassinato dos judeus do leste e sudeste europeu. Muitos deles serviram como guardas nos perímetros dos camposcasa sportsextermínio, e envolveram-se no assassinatocasa sportscentenascasa sportsmilharescasa sportsjudeus por gás tóxico", diz o Museu do Holocausto.
Ainda sobre os colaboracionistas destes países, a enciclopédia afirma que eles "formaram espontaneamente gruposcasa sportsextermínio que posteriormente eram reformulados e reorganizados pelas SS e pela polícia alemã".
São vários os massacrescasa sportsjudeus ocorridos na região que entraram para a história. O livro "Uma Marcha, Uma Vida, Um Legado", da editora Humanitas (ligada à Faculdadecasa sportsFilosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), relata um deles, que aconteceu justamente na Bessarábia. Em 1940, a Romênia, aliada da Alemanha nazista, expulsou cercacasa sports150 mil judeus da região. Em tornocasa sports90 mil deles morreram.
Mas as raízes do antissemitismo local são muito anteriores ao Holocausto. A palavra "pogrom", por exemplo, surgiu das grandes revoltas contra os judeus ocorridas na Rússia e na Ucrânia. Aindacasa sportsacordo com o Museu do Holocausto, mais precisamente na cidadecasa sportsOdessa, no litoral ucraniano,casa sports1821.
"É uma palavra russa que significa ´massacre` e efetivamente surgiu na Ucrânia", esclarece Michel Gherman, historiador e professor da UFRJ (Universidade Federal do Riocasa sportsJaneiro). "Esses massacres contra a população judaica eram geralmente produzidos pelo poder central do país, mas por meiocasa sportsintermediários como camponeses e milícias."
O historiador explica que a região fez parte da chamada "zonacasa sportsresidência judaica", que vai da Galícia polonesa ao oeste da Rússia. A partircasa sports1791, diz Gherman, o czar russo proíbe os judeus, com algumas exceções,casa sportsavançar pelo interior das terras russas.
Em uma reportagem sobre a Transnístria (região autônoma da Moldávia vizinha à Ucrânia), o escritor holandês Arnon Grunberg lembra como o historiador americano Timothy Snyder se refere àquela faixa do planeta que vai dos países bálticos ao Mar Negro: "bloodlands", ou "terrascasa sportssangue", já que seus habitantes foram massacrados tanto por Hitler quanto por Stalin.
"Havia uma piada (entre os judeus locais) que dizia que houve uma guerra entre Rússia e Ucrânia e perguntaram ao rabino o que ele desejava. Ele respondeu que gostaria que ambas vencessem. Ou seja, que se destruíssem", conta Gherman.
A menção ao antissemitismo nunca foi explícita na famíliacasa sportsIvy. Outras questões econômicas e sociais também pesaram para que ela deixasse a Bessarábia. "Mas eles (pai e avô) tinham consciência do antissemitismo da região. Era uma questão implícita na história deles. Sabiam que eramcasa sportsum povo que ninguém queria", diz Ivy.
O absoluto distanciamento com a qual sempre trataram a terra natal dá pistas sobre essa relação. Ivy diz que, a não ser pelo samovar (utensíliocasa sportsorigem russa usado para aquecer água e fazer chá),casa sportsfamília nunca teve objetoscasa sportscasa que lembrassem a região. Tampouco memórias afetivas e qualquer menção a amigos, conhecidos ou parentes que lá viviam.
"As pessoas vêm me perguntar se ainda tenho parentes na Ucrânia. Não tenho, porque quem ficou lá morreu", diz a editora Elena Judensnaider,casa sports30 anos. Filhacasa sportsIvy, ela também se viu diantecasa sportsemoções ambíguas com a explosão da guerra. "Por um lado, é o país onde fomos perseguidos. De outro, é o localcasa sportsonde viemos. Escuto as notícias, os nomes das cidades, e reconheço alguma coisa da história da minha família".
A Ucrânia segue como a quarta maior comunidade judaica da Europa, segundo o "World Jewish Congress" (Congresso Mundial Judaico). Tem entre 56 mil e 140 mil integrantes,casa sportsacordo com um censo divulgadocasa sports2016. Mas as estimativas dão contacasa sportsque pelo menos 1,5 milhãocasa sportsjudeus locais morreram durante o Holocausto.
Para Michel Gherman, entretanto, é preciso ser cuidadoso ao abordar o morticínio judaico no Leste Europeu e as dimensões do antissemitismo na região. Ele lembra, por exemplo, que da Ucrânia vieram grandes intelectuais judeus como os escritores Scholem Aleichem e Mendele Moicher Sforim.
"Por mais que que a atuaçãocasa sportscolaboracionistas tenha sido mais fortecasa sportsalguns países, é sempre bom lembrar que foi a Alemanha, um país da Europa Central, que desenvolveu os métodos para o genocídiocasa sportsmassa", diz o historiador. "Tivemos esse fenômeno horrendo da cumplicidade, mas temos que tomar cuidado ao culpar os países que foram invadidos pelos nazistas."
É uma história com muitas sutilezas, dentre as quais Gherman destaca o que ocorreu na Polônia. "Foi o país onde tivemos mais cúmplicescasa sportsassassinos. Ao mesmo tempo, foi onde mais gente ajudou a esconder judeus", explica.
Para o historiador, Polônia e Hungria são, hoje, países muito mais antissemitas que a Ucrânia. Ele conta que já viajou várias vezes para a Polônia e não acredita que o país, diferentemente da Ucrânia, seja capazcasa sportseleger um presidente judeu.
Como Ivy, Gherman também diz que o Brasilcasa sportshoje não é exatamente um exemplo. "Temos o maior crescimentocasa sportsgrupos neonazistas no mundo desde 2018. E a Polônia e a Hungria são fortes aliados do governo Bolsonaro."
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