Guerra na Ucrânia: o funeral solitárioum jovem soldado ucraniano:
Dois dias depois damorte, os paisKotenko receberam uma ligação do seu amigoinfância, o soldadoartilharia Vadym Yarovenko, que deu a notícia.
Yarovenko havia passado a noite criando coragem para fazer a ligação - uma noite longa e cansativa no seu beliche do exércitoLviv, quando ele era o único a saber que Kotenko estava morto. Eles se conheceram com apenas 15 anosidade, usando uniformes novos e com o cabelo recém-cortado para o primeiro dia na escola militar. A amizade começou quando eles souberam que eramcidades vizinhas e poderia ter durado décadas a fio.
O paiKotenko era caminhoneiro emãe trabalhavauma fazenda da região. "Entrar no exército significava sair para o mundo", conta Yarovenko. "Acho que essa foi uma das razões para Dmytro ter se alistado."
Os Kotenkos eram uma família pobre formada pelo pai, a mãe e três filhos. Eles tinham uma casa simplesuma pequena cidade no leste da Ucrânia, na fronteira com a Rússia. São exatamente o tipopessoas que o presidente russo Vladimir Putin afirma estar resgatando do jugo da opressão ucraniana.
A anexação da Crimeia pela Rússia2014 e a guerra intensa que se seguiuDonbas, no leste da Ucrânia, foi outra razão para o seu alistamento, segundo Yarovenko. "Sabíamos que algo como isso poderia acontecer e teríamos que sair para defender nossa terra", ele conta.
Quando as pessoas da cidade perguntavam por que eles queriam entrar para o exércitotemposguerra, Kotenko respondia: "se eu não for, quem vai?"
O paiYarovenko também era motoristacaminhão e, na escola militarSumy, os rapazes se uniram por causaseu amor por carros. Yarovenko é filho único e encontrou uma espécieirmãoKotenko.
"Nós não gostávamos da diversão na cidade, bares etc.", relembra Yarovenko. "Nós adorávamos passar o tempo na natureza - pescando, caçando, fazendo piquenique. Nós adorávamos ir para o rio com os amigos."
Eles trabalharam juntosum carro antigo - um carro russo da marca Zhyguli, vermelho - que Kotenko estava consertando no terreno da família. Eles consertavam motocicletas e nelas andavam pelas estradas rurais pertocasa. Um acabou conhecendo a família do outro.
"Os paisDmytro o amavam e ele os amava também", conta Yarovenko, enxugando as lágrimas do rosto. "Dmytro sempre os ajudava com os reparos, ele era bom nisso. Mesmo na escola ou na academia, ele sempre ajudava. Ele era muito bom com os pais. Nunca os ouvi brigando."
Yarovenko queria entraruma unidade da artilharia, mas o sonhoKotenko era ser paraquedista. Depoisdois anos na academia, eles se separaram. Yarovenko foi para a cidadeLviv, no oeste do país, para treinar tiro, enquanto Kotenko foi para Odessa, no sul, para treinar paraquedismo.
"Nós trocávamos mensagens todos os dias", relembra Yarovenko. "Falávamos sobre tudo. Coisas comuns - como vai você? o que está acontecendo por aí? Éramos amigos próximos, nós apenas conversávamos."
Entre julho e outubro2021, eles se encontraram quando Kotenko foi transferido para Lviv. Eles se encontravam nos finssemana e treinavam juntos. Foi uma época feliz.
Em 31dezembro, suas famílias se reuniram para celebrar o ano novo e, cercaum mês depois, Kotenko visitou YarovenkoLviv antessair para o sul do paísuma operação militar.
Eles ficaram até tarde conversando. Ao longo das fronteiras da Ucrânia, as forças russas estavam reunidas, aguardando a ordeminvasão. Mas,Lviv, a vida era normal e, naquela noite, a guerra parecia algo distante.
Na manhã seguinte, Kotenko e Yarovenko se despediram e Kotenko foi para o sul. Eles continuaram trocando mensagens todos os dias. Em 26fevereiro, Kotenko parouresponder e Yarovenko temeu pelo pior. Ele acabou telefonando para o comandante da unidadeKotenko, que contou que seu amigo havia sido morto por um disparo.
"Ainda não tenho os detalhes", relata Yarovenko. "Houve um bombardeio, houve uma explosão, Dmytro morreu."
Quando ele ligou para os paisKotenko, ainda havia conexão telefônica e ele contou rapidamente que seu filho havia morrido.
Mas, quando Yarovenko tentou ligar mais tarde para comunicar os pais sobre o enterro, o bombardeio aéreoSumy estava mais forte e ele não conseguiu conexão. Ele insistiu, mas a linha não funcionava. Por isso, o corpoKotenko foi trazido para Lviv e ali foi enterrado sem eles, já que aquela cidade não estava sofrendo bombardeios.
Yarovenko viajou sozinho dabase para a IgrejaSão Pedro e São PauloLviv e permaneceu sozinhoum lado da nave, sob seu teto abobadado pintado com santos, enquanto a fumaça do incenso sendo queimado flutuava sobre os padres e os fiéis.
Ao ladoonde ele estava, havia quadros montados com fotografias dos mortos pela guerra na Ucrânia. As primeiras fotos foram colocadas pelos capelães2014,homenagem aos soldados mortos que eram membros da igreja. Mas pais enlutadosLviv elocais próximos viram as imagens e quiseram que seus filhos e filhas também fossem colocados ali. E foi assim que, aos poucos, a coleçãoretratos foi crescendo.
"Eles nos trazem fotografias porque sabem que rezamos todos os dias pelos que morreram na guerra", afirma o padre Vsevolod, um dos capelães. "Somos parte da missão desta cidadeenterrar homens e mulheres do exército com honras militares, para que seus atosbravura nunca sejam esquecidos."
Antes da invasão, a igreja realizava funerais para um ou dois soldados por mês, segundo o padre Vsevolod. Agora, são enterrados dois ou três homens por dia.
Os mortos recentes ainda não têm suas fotografias no muralretratos. Kotenko não estava lá. Mas as fotografias serão colocadas, segundo o padre Vsevolod - e, se alguma família não puder ser comunicada e não souber que seu filho foi enterradoLviv, a igreja colocaráfoto para eles.
No dia do funeralKotenko, havia três caixões na igreja. Um dos homens erauma pequena cidade pertoLviv e a igreja estava cheia comfamília e amigos. Em seguida, eles o levaram para casa. Os outros dois caixões seguiram silenciosamente para o cemitério Lychakiv, com um pequeno gruposoldadosuma unidade local, que ajudou a homenagear os mortos.
Kotenko foi enterrado ao ladoKyrylo Moroz,25 anos, um paraquedista daunidade que também não pôde ser levado para casa. Eles foram colocadosum canto no fundo do cemitério, entre os mortos da Primeira e da Segunda Guerra Mundial e da guerra contra as forças apoiadas pela RússiaDonbas.
Kotenko e Moroz foram o quarto e o quinto mortos nesta invasão a serem enterrados no cemitério Lychakiv. Seus túmulos eram muito simples, exceto por um buquêrosas e um ramoáster deixados pela igreja e marcados com a designação daunidade. Os três outros túmulos,soldadosLviv, foram decorados com flores e lanternas.
No dia seguinte, os coveirosLychakiv enterraram mais dois homens. No outro dia, mais três. As cruzesmadeira com seus nomes serão posteriormente substituídas por lápides para marcarmemória para sempre.
"Graças a Deus, ainda não temos combates aquiLviv", disse o jardineiro do cemitério, "para podermos enterrar os soldados que estão defendendo nossa terra".
Yarovenko ainda está tentando falar com os paisKotenko, mas a linha telefônica segue cortada. Provavelmente, eles ainda estão isoladosSumy. A invasão primeiro tirou seu filho e, depois, uma das poucas coisas que poderiam ter reduzido seu pesar - o direitoestar ao seu lado quando ele foi enterrado.
Enquanto o caixãoKotenko era abaixado, Yarovenko ficou ao lado, atrás da guardahonra que disparou os tiros. Foi a experiência mais triste davida.
"Assisti ao meu amigo ser enterrado longecasa", afirma ele. Depois, ele ficousilêncio, olhando para o túmulo. Foi o último enlutado a permanecer ali, sozinho com os coveiros enquanto eles limpavam suas ferramentas.
"Nunca tivemos a chancenos encontrar no front", segundo ele. Tudo o que restou foi a esperançafalar com os paisKotenkobreve e a memória do filho deles, que Yarovenko carregará consigo enquanto aguardavezlutar e levar a memóriaKotenko para a linhacombate.
* Com reportagem adicionalSvitlana Libet.
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