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Eleições EUA: antesTrump e Biden, outros presidentes americanos também tiveram transições conturbadas:
Esta fase inclui desde a seleção do gabinete ealtos funcionários da Casa Branca até a obtençãohabilitaçãosegurança inicial para acessar informações confidenciais. Atrasos podem prejudicar a resposta do novo governo a crises como a pandemiacoronavírus.
As açõesTrump destoam do históricotransições presidenciais nos Estados Unidos.
"Desde 1896, o candidato perdedor sempre enviou um telegrama, deu um telefonema ou fez um discurso concedendo a vitória", diz à BBC News Brasil o professorciência políticas John Vile, da Middle Tennessee State University.
"Mas isso não é exigido por lei, não está na Constituição", ressalta Vile, que é autor do livro Presidential Winners and Losers: Words of Victory and Concession (Vencedores e Perdedores Presidenciais: PalavrasVitória eConcessão,tradução livre).
O próprio Trump, que venceu a eleição2016 apesarnão ter obtido a maioria do voto popular e com margemvantagem menor do que a do atual vitoriosovários Estados, recebeu acesso total para avançar comtransição a partir9novembro daquele ano, o dia seguinte à votação.
Mas a atual transição não é a primeira a ocorrer sem a tranquilidade desejada. Apesara transferênciapoder pacífica ser uma tradição americana, há vários exemplos históricostransições difíceis.
"Nenhuma é perfeita. Sempre há algum tipoatrito", diz à BBC News Brasil o professorciências políticas David Clinton, da Universidade Baylor, no Texas, co-autor do livro Presidential Transitions and American Foreign Policy (Transições Presidenciais e Política Externa Americana).
"Particularmente quando o presidente eleito e o presidentesaída sãopartidos políticos diferentes", salienta Clinton.
John Adams e Thomas Jefferson
Um dos exemplos mais antigosuma transiçãoclimaanimosidade é a transferênciapoder entre o segundo presidente americano, John Adams, e seu vice-presidente, Thomas Jefferson,1801.
Antigos amigos, eles haviam se tornado rivaismeio a diferenças políticas. Adams era do Partido Federalista. Jefferson havia fundado o Partido Democrata-Republicano.
Durante a a eleição1800, fizeram uma campanha marcada por insultosambos os lados, na qual Adams acabou sendo derrotado emtentativareeleição.
A posseJefferson foi a primeira realizadaWashington,uma cerimônia acompanhada por maismil pessoas. Adams, no entanto, não estava presente. Ele havia deixado a cidade para não teracompanhar a posse do rival. Antesdeixar o poder, Adams ainda fez nomeaçõesúltima horajuízes.
"Adams e Jefferson haviam sido grandes amigos durante a Revolução Americana. Mas a eleição foi tão contenciosa que Adams decidiu não ficar para a posse", salienta Vile.
Anos depois, eles retomaram a amizade,uma trocacorrespondência que se estendeu até 4julho1826, o 50º aniversário da Declaração da Independência, quando ambos morreram com apenas horasdiferença.
John Quincy Adams e Andrew Jackson
O filhoJohn Adams, John Quincy Adams, foi o sexto presidente americano,1825 a 1829. Assim como o pai, ele também foi derrotado na campanhareeleição e também não participou da cerimôniaposseseu sucessor, Andrew Jackson,1829.
John Quincy Adams e Jackson haviam disputado a presidência1824. Naquela eleição, o voto do Colégio Eleitoral acabou dividido entre quatro candidatos, nenhum com a maioria necessária.
Coube então à Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados) escolher o novo presidente. ApesarJackson ter o maior númerovotos do Colégio Eleitoral e do voto popular, a Câmara elegeu Adams.
Para os apoiadoresJackson, seu candidato havia perdido a Presidência por causamanobras políticasAdams.
Quatro anos depois,1828, Adams e Jackson voltaram a se enfrentar,uma campanha que até hoje é considerada uma das mais negativas da história americana, marcada por ataques pessoaisambos os lados.
A mulherJackson, Rachel, que havia sido casada anteriormente, foi acusada pelos adversários do maridobigamia e adultério. Ela entroudepressão e morreudezembro1828, dias após a eleição.
Jackson culpou os adversários pela morte da mulher. "Que Deus todo-poderoso perdoe seus assassinos, como sei que ela os perdoou. Eu nunca poderei", declarou Jackson no funeral.
"Jackson odiava seu antecessor", ressalta Clinton. "Ele achava que os ataques contramulher haviam sido injustos e tinham levado amorte. Se isso é verdade ou não, não sabemos. Mas o importante é que Jackson acreditava que era verdade."
"Adams achava que Jackson era um homem rude do interior e ignorante, que era muito influenciado porcarreira militar e que colocaria instituições americanasrisco", diz Clinton.
MilharesapoiadoresJackson, muitos deles agricultores e trabalhadores comuns vindos do interior do país, desembarcaramWashington para acompanhar a posse,4março1829.
Relatos da época descrevem como, após a cerimônia no Capitólio, uma multidão foi à Casa Branca para festejar e parabenizar o novo presidente, quebrando louças e estragando móveis.
Adams havia deixado a residência na noite anterior, escolhendo não participar da posse do sucessor.
James Buchanan e Abraham Lincoln
A transferênciapoder entre o presidente democrata James Buchanan e seu sucessor republicano, Abraham Lincoln, é considerada uma das piores da história americana.
No período entre a eleiçãoAbraham Lincoln,6novembro1860, eposse,4março1861, sete Estados escravocratas sulistas declararam secessão da União, para formar os Estados Confederados da América.
No intervalo entre a eleição do sucessor esaída da Casa Branca, Buchanan não agiu para impedir que a Confederação ganhasse força. Poucas semanas depois da posse, começava a Guerra Civil americana.
"Eles tinham ideias muito diferentes sobre como lidar com o início da secessão", afirma Clinton.
"Foi um períodogrande tensão, quando muitas pessoas acreditavam que o país estava à beirauma guerra civil. Havia diferençapartidos (entre os dois líderes),políticas. Foi uma transição particularmente difícil."
Lincoln foi reeleitonovembro1864 e assassinadoabril1865, poucas semanas após iniciar seu segundo mandato. Seu vice, Andrew Johnson, assumiu a Presidência. Johnson era extremamente impopular e chegou a sofrer um impeachment, mas foi absolvido no julgamento no Senado.
Seu sucessor, Ulysses Grant, eleitonovembro1868, se recusou a sentar ao ladoJohnson na carruagem que o levaria ao Capitólio para tomar possemarço1869. Johnson decidiu permanecer na Casa Brancavezparticipar da cerimônia.
Hoover e Roosevelt
Nas últimas semanas, alguns comentaristas têm comparado o atual momento com a transferênciapoder entre Herbert Hoover e Franklin Delano Roosevelt,1933.
Assim como Trump, Hoover enfrentou uma crisegrandes proporções durante seu governo. Enquanto Trump viu seu mandato abalado pela pandemiacoronavírus, durante o governoHoover o país mergulhou na Grande Depressão.
Ambos foram criticados pela maneira como responderam às crises. Trump disse muitas vezes que a pandemiacoronavírus estava chegando ao fim. Hoover também afirmou repetidas vezes que a crise econômica acabariabreve. Os dois acabaram fracassandosuas tentativasreeleição.
Em um momentoque os Estados Unidos estavam mergulhados na Grande Depressão, Hoover era extremamente impopular e havia sofrido uma derrota devastadora na eleiçãonovembro1932, quando Roosevelt venceu42 dos então 48 Estados americanos.
Na época, a posse do novo presidente só ocorria4março do ano seguinte, quatro meses depois da eleição. Esse longo períodotransição foi marcado por conflito e desavenças públicas entre Hoover e Roosevelt.
Segundo historiadores e relatos da época, a relação entre os dois líderes era marcada por desconfiança e desprezo mútuo.
O presidente derrotado considerava seu sucessor "bem intencionado", mas "ignorante", "mal informado" e "com pouca visão". Também achava que Roosevelt era "louco" por não ouvir o que ele tinha a dizer.
"Hoover era mais conservador que a maioria dos republicanos, e Roosevelt era mais liberal que a maioria dos democratas. Então a divisão ideológica era um pouco maior nesse caso", ressalta Vile.
Ao longoquatro meses, Hoover tentou inúmeras vezes fazer com que Roosevelt apoiasse publicamente algumassuas políticas, que iam contra a própria agenda do presidente-eleito, à qual o líder derrotado se opunha.
Roosevelt considerava a insistênciaHoover impertinente. Decepcionado com as recusasRoosevelt, Hoover tornou públicos telegramas trocados com o sucessor.
Os conflitos persistiram até a véspera da posse. No dia da cerimônia, ambos desfilaramcarro aberto pelas ruasWashington, até o Capitólio.
Sentados lado a lado no carro, compartilharam um cobertor para se proteger do frio. Mas o silêncioambos durante o trajeto demonstrou o desgaste das relações.
Esta foi a última posse realizadamarço. Durante o primeiro ano do governoRoosevelt, foi ratificada a 20ª emenda à Constituição americana, determinando que o mandatoum novo presidente começa20janeiro, reduzindo assim o períodotransição.
Personalidade
Há vários outros exemplostransições conturbadas. Mas Vile e Clinton ressaltam que, mesmo nesses casos e nos exemplos citados acima, no fim a trocapoder foi bem-sucedida e pacífica.
Muitos lembram que a transição é sempre mais difícil para um presidente que não está deixando a Casa Branca por vontade própria ou por ter cumprido seus dois mandatos, mas sim por ter sido derrotado nas urnas.
Mas Vile lembra que outros presidentes derrotadoseleições, como Gerald Ford, Jimmy Carter e George H. W. Bush, foram bons perdedores.
"Depende da personalidade do indivíduo envolvido", afirma Vile.
O modelo atual, no qual a equipe do presidente eleito recebe financiamento federal, espaçotrabalho e equipamentoprédios do governo e acesso a briefingsinteligência, serviços do governo e treinamento para os novos funcionários, entre outros preparativos, é relativamente recente.
Até os anos 1960, a trocapoder ocorria sem planejamento prévio e dependia da disposição dos governantes. Na eleição1952, o presidente Harry Truman deu início à tradiçãopermitir que os candidatos tivessem acesso a briefingsinteligência. A lei que estabeleceu pela primeira vez mecanismos formais para o processotransição é1963.
"(O objetivo era) fazer com que as relações pessoais entre as duas pessoas envolvidas fossem menos importantes. Criar um conjuntoexpectativas erecursos que todos pudessem utilizar para facilitar a trocapoder", afirma Clinton.
Até 2008, o trabalho só começava a partir da eleição. Foi somente na PresidênciaGeorge W. Bush que o planejamento começou a ser antecipado, com contatos entre membros do governo e as equipes dos candidatosambos os partidos meses antes da votação.
A trocacomando entre o republicano Bush e o democrata Barack Obama, que assumiu2009, é considerada uma das mais bem-sucedidas da história americana.
"O que mais me incomodarelação ao que o presidente Trump está fazendo agora é que ele parece estar lançando calúnias sobre o processo que o elegeu (há quatro anos) e que reelegeu muitos republicanos (neste ano) tanto na Câmara quanto no Senado", diz Vile.
Mas Vile afirma que as açõesTrump são frutosua decepção com a derrota e diz acreditar que isso vai passar.
"Quer Trump conceda formalmente ou não, todos ao seu redor sabem que ele perdeu tanto o voto popular quanto no Colégio Eleitoral, e (sabem que) teremos uma transição."
Clinton ressalta que o longo período entre eleição e posse permite que haja tempo para que disputas, recontagemvotos e ações legais sejam resolvidas.
"Tenho absoluta certezaque é isso que vai acontecer. E que teremos uma transferênciapoder pacífica20janeiro."
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