O que detonou o 'Chernobyl mexicano', o maior incidente nuclear das Américas:codigo bonus f12

Embora não tenha comparação com a explosãocodigo bonus f12um reator nuclear, o episódio passou a ser chamadocodigo bonus f12"Chernobyl Mexicano". A contaminação que causou no México provoca comparações com o acidente na União Soviética.

E o que aconteceu foi que milharescodigo bonus f12toneladascodigo bonus f12hastecodigo bonus f12construção foram contaminadas com cobalto-60 e esse material foi comercializadocodigo bonus f1217 dos 32 estados do México.

O outro grande incidentecodigo bonus f12radiação na América Latina foicodigo bonus f121987,codigo bonus f12Goiânia, no Brasil, com césio-137, uma substância altamente radioativa. Foram pelo menos quatro mortes e várias pessoas com doenças crônicas.

No caso do México, cercacodigo bonus f124 mil pessoas tiveram algum graucodigo bonus f12exposição.

Apesar do número elevado, até o momento não há certezacodigo bonus f12quantas vítimas com doençascodigo bonus f12longa duração o incidentecodigo bonus f121984 deixou. Também não houve acompanhamento pelas autoridadescodigo bonus f12saúde das pessoas mais expostas.

"(Houve) uma grande aberração no manuseiocodigo bonus f12material radioativo", diz Gerardo Espinosa, físico da Universidade Nacional Autônoma do México, que participou da investigação acadêmica do caso.

Como mostra a documentação do caso, vários foram os erros que geraram a crisecodigo bonus f12contaminação dessa magnitude.

Compra inutilizada e não relatada

Uma investigação pela Comissão Nacionalcodigo bonus f12Segurança Nuclear e Salvaguardas (CNSNS) publicadacodigo bonus f121985 descreve como a situação começou.

Em 25codigo bonus f12novembrocodigo bonus f121977, o Centro Médico Especializadocodigo bonus f12Ciudad Juárez adquiriu uma unidadecodigo bonus f12tratamento com cobalto-60 fabricada nos Estados Unidos.

Emboracodigo bonus f12importação exigisse licença, o CNSNS afirma que o material "nunca foi notificado" às autoridades e, portanto, não era autorizado.

Ao mesmo tempo, o hospital nunca teve uma equipe treinada para utilizá-lo, por isso o armazenou indefinidamentecodigo bonus f12um espaço da clínica onde "os requisitos mínimos"codigo bonus f12segurança não eram cumpridos, segundo a CNSNS.

"O cobalto é um material radioativo produzidocodigo bonus f12reatores e é usado para aplicaçõescodigo bonus f12física médica, para radioterapia. Hoje os hospitais continuam a usar cobalto-60 para pacientes com câncer", explica Espinosa.

Extraído do hospital como 'sucata'

Seis anos se passaram até que,codigo bonus f12dezembrocodigo bonus f121983, o técnicocodigo bonus f12manutenção Vicente Sotelo Alardín inadvertidamente iniciou o incidente na clínica.

O operário "desmontou a cabeça da unidade e extraiucodigo bonus f12lá um cilindro cujo interior continha cobalto-60. A operação foi feita sem nenhuma ajuda", relata a investigação.

"O objetivo era vender as peças como sucata."

Como o cilindro com a fonte radioativa pesava cercacodigo bonus f12100 kg, Sotelo Alardín pediu ajuda a um amigo, Ricardo Hernández, para transportar o materialcodigo bonus f12uma caminhonete.

Eles viajaram para uma lojacodigo bonus f12sucata chamada Yonke Fénix, no sulcodigo bonus f12Ciudad Juárez, onde venderam o material.

No entanto, a maneira como o dispositivo foi perfurado e transportado fez com que o incidente tivesse consequências ainda mais graves.

"A verdade é que nunca nos disseram que aquela máquina estava contaminada. Muitas coisas ficaram para trás: aparelhoscodigo bonus f12ventilação, berços e tudo mais e, na verdade, não havia nenhuma placa com uma caveira ou coisa parecida", disse Sotelo Alardín à revista Procesocodigo bonus f121984.

Segundo o hospital, o trabalhador pegou o dispositivo sem autorização, mas Sotelo Alardín afirmou que o chefecodigo bonus f12manutenção do hospital lhe disse que poderia levá-lo consigo.

Trilhacodigo bonus f12radiação por Ciudad Juárez

O trabalhador perfurou o cilindro que continha 6 mil grânuloscodigo bonus f12cobalto-60 e uma quantidade indefinida deles estava espalhada na caminhonete usada, no pátio da Yonke Fénix, nas gruas e demais veículos comerciais e atécodigo bonus f12ruascodigo bonus f12Ciudad Juárez.

Mas os dois grandes focoscodigo bonus f12radioatividade foram a caminhonete e o ferro-velho.

"Conseguiu-se estabelecer que, até 14codigo bonus f12dezembrocodigo bonus f121983, a sucata contaminada com cobalto-60 já havia sido utilizada pelas fábricascodigo bonus f12produtos siderúrgicos, nas fundições", diz a investigação, que indica que a empresa Aceroscodigo bonus f12Chihuahua SA (Achisa) como principal compradoracodigo bonus f12ferro.

Descoberta por acaso

Em 16codigo bonus f12janeirocodigo bonus f121984, ocorreu a detecção do caminhãocodigo bonus f12carga que passava próximo ao Laboratório Nacionalcodigo bonus f12Los Alamos, no Novo México (Estados Unidos).

Quando as autoridades norte-americanas verificaram as câmeras e viram que era o veículo usado pela Achisa, notificaram o governo do México.

A partir daí, os especialistas foram puxando o fio até encontrar a origem do problema e o riscocodigo bonus f12contaminação que se gerava: "foi comprovada a existênciacodigo bonus f12ampla dispersãocodigo bonus f12material radioativo".

Espinosa explica que esse material radioativo "tem meia-vidacodigo bonus f125 anos" e a partir daí a fonte vai perdendo a intensidade progressivamente.

"Se você tem 100 átomos radioativos,codigo bonus f125 anos você terá 50,codigo bonus f12outros 5 anos nada mais que 25. Eles são considerados como tendo 7 meias-vidas, ou seja, uma vida ativacodigo bonus f12quase 35 anos", entãocodigo bonus f121984 o cobalto-60 do incidente já havia perdido metadecodigo bonus f12seu poder.

A caminhonete estacionada

A investigação constatou inicialmente que havia contaminação não só nas instalações da Yonke Fénix e Achisa, mas também na áreacodigo bonus f12manutenção e na central telefônica do hospitalcodigo bonus f12origem, na caminhonete do hospital a cargocodigo bonus f12Sotelo Alardín e na rua onde fora estacionada, bem comocodigo bonus f12uma maquiladoracodigo bonus f12produtos siderúrgicos chamada Falcóncodigo bonus f12Juárez.

Alémcodigo bonus f12estabelecer "blindagem" ao redor dos locais investigados e proteger as hastes e produtos contaminados, foi essencial rastrear a presença dos grânuloscodigo bonus f12cobalto-60 soltos, com auxíliocodigo bonus f12equipamentos especializados, inclusive um helicóptero com detector que varreu as ruascodigo bonus f12Ciudad Juárez.

A pequena caminhonete Datsun, estacionada durante semanas (devido a uma pane)codigo bonus f12um bairro residencial próximo à fronteira com os Estados Unidos, onde morava Sotelo Alardín, também era uma fontecodigo bonus f12contaminação preocupante: as leituras do nívelcodigo bonus f12radiação chegavam a 1.000 R/h.

"Isso é considerado alto e,codigo bonus f12uma exposiçãocodigo bonus f12uma hora ao corpo inteiro, a pessoa pode morrer. Mas se o motorista e o passageiro estivessem na cabine durante o transporte da fonte, devem ter recebido uma exposiçãocodigo bonus f12aproximadamente 4,7 R/h que pode ter causado vômitos horas depois e vermelhidão na pele durante a semana", diz Epifanio Cruz, da UNAM, à BBC News Mundo.

"Por se tratarcodigo bonus f12uma área densamente povoada, considerou-se urgente levar a caminhonete contaminada para um local que apresentasse as característicascodigo bonus f12não ser povoado oucodigo bonus f12ser muito distante", diz o relatório da CNSNS.

A manobra foi cuidadosamente planejada e executadacodigo bonus f1210 minutos. O veículo foi levado ao parque El Chamizal, ao lado da fronteira com os Estados Unidos.

"Fomos fazer mediçõescodigo bonus f12radiação. Uma mulher sentava-se ao lado do caminhão todos os dias. Ninguém descobriu que havia uma fonte radioativa. E esse foi o problema", lembra Espinosa sobre o trabalho feito pela UNAM.

"Ninguém sabia que havia material radioativo, nem no hospital, nem no traslado, nem na caminhonete", acrescenta.

O material retiradocodigo bonus f12Ciudad Juárez

A degradação natural do cobalto-60 fez com que a fontecodigo bonus f12radiação passassecodigo bonus f123.000 curies (Ci)codigo bonus f121977 para 450 Cicodigo bonus f12fevereirocodigo bonus f121984.

"Com menoscodigo bonus f12500 pode haver efeito, mas não muito. Depende do tempocodigo bonus f12exposição. Por isso os danos à população foram muito baixos", explica Espinosa.

Alémcodigo bonus f12Yonke Fénix e Achisa, a investigação da CNSNS detectou que três empresas que comercializaram materiais ferrosos nas cidadescodigo bonus f12Monterrey, Gómez Palacio e San Luis Potosí registravam contaminação.

Até mesmocodigo bonus f12uma rodovia que liga Ciudad Juárez a Chihuahua, havia vestígioscodigo bonus f12material radioativo. Tudo isso exigia uma tarefa cuidadosacodigo bonus f12detecção e proteçãocodigo bonus f12grânulos e objetos contaminados.

No total, 6.600 toneladascodigo bonus f12hastes e 3.000 bases metálicas para mesas estavam contaminadas.

A haste foi comercializadacodigo bonus f1217 dos 32 Estados do México. De 17.600 prédios inspecionados, 814 tiveram que ser demolidos,codigo bonus f12acordo com o relatório.

"Pediram à UNAM que medisse as hastescodigo bonus f12pilares dos edifícios. O seu nível já não era importante, mas por lei esse material tinhacodigo bonus f12ser detectado. E houve um escândalo governamental porque foi pedida a demolição", lembra Espinosa.

O especialista explica que, embora o nívelcodigo bonus f12exposição não fosse mais arriscado, as normas internacionais exigem que 90% do material contaminado seja protegido e descartado.

4 mil pessoas expostas

A investigação indica que cercacodigo bonus f124 mil pessoas foram "expostas à radiação", das quais 80% receberam doses abaixocodigo bonus f12500 rems. Isso é equivalente ao que uma pessoa pode receber se estiver pertocodigo bonus f12um paciente que recebeu tratamentocodigo bonus f12radiação.

Outros 18% receberam entre 0,5 e 25 rems, enquanto 2% (ou cercacodigo bonus f1280 pessoas) foram expostas a maiscodigo bonus f1225 rems. Ao todo, cinco pessoas foram expostas a doses entre 300 e 700 remscodigo bonus f12um períodocodigo bonus f12dois meses, segundo a CNSNS.

"Para as cinco pessoas expostas a doses entre 300 e 700 rem, foi mais do que suficiente para afetar gônadas, glândulas tireoide e ossos superficiais, por exemplo nas mãos e pés, encurtando a qualidadecodigo bonus f12vida", explica o Cruz.

"O efeito dessas doses pode levar a danos ao material genético hereditário por pelo menos duas gerações, causar esterilidade e faltacodigo bonus f12espermatozoides na pessoa exposta, que podem ser recuperados depoiscodigo bonus f12pelo menos cinco anos", acrescenta.

Pesquisa publicadacodigo bonus f121985 apresenta relatório médico, mas pouco se descreve sobre os problemascodigo bonus f12saúde detectadoscodigo bonus f12pessoas expostas.

Nada se informa sobre Vicente Sotelo Aldarín, mas ele mesmo disse à revista Proceso, meses depois, que tinha desconfortos que depois desapareceram: "pensaram que era diabetes".

Após o incidente, pouco se ouviu do trabalhador. Espinosa diz que "o homem estava perdido".

Os trabalhadores da Yonke Fénix "disseram não ter passado por episódioscodigo bonus f12vômitos, cansaço ou náuseas e não tinham marcas visíveis nos pés ou nas mãos", com exceçãocodigo bonus f12alguma pigmentação e algum desconforto temporário, segundo a CNSNS.

Quatro trabalhadores, o filhocodigo bonus f12um deles e um cliente tiveram leucopenia, que é uma diminuição da concentraçãocodigo bonus f12leucócitos no sangue.

Mas depoiscodigo bonus f12alguns meses os funcionários da Achisa "reclamaramcodigo bonus f12fortes dorescodigo bonus f12cabeça, vômitos e diarreia", relatou a Proceso na época.

Ricardo Hernández, que ajudou a mover a unidade, teve "uma queimadura atribuível à radiaçãocodigo bonus f12processocodigo bonus f12cicatrização, sem quaisquer outros sintomas".

"Em nenhum dos casos foram detectados sintomas agudos", segundo a pesquisa da época. Não houve relatoscodigo bonus f12mortes conhecidas.

A BBC Mundo pediu à CNSNS uma atualização sobre as consequências médicas ocorridas, mas a instituição disse que o que estava contido no relatóriocodigo bonus f121985 é o único material disponível: "não temos mais registros daquela época".

Como indicam vários relatos da época, não havia acompanhamentocodigo bonus f12saúde das vítimas, por isso não se sabe ao certo se as pessoas expostas tiveram mais doenças ou câncer, que é uma das consequências da exposição à radiação.

O 'cemitério' radioativo

Encontrar um local para colocar o material radioativo era o problema seguinte a ser resolvido: deveria ser num local longe da população, com pouca chuva, sem contato com fontescodigo bonus f12água e com o menor riscocodigo bonus f12contaminação ao meio ambiente.

"Levaram o material radioativocodigo bonus f12um lugar para outro por quase um anocodigo bonus f12caminhões para ver onde o enterrariam. Foi uma desordem total", lembra Espinosa.

Depoiscodigo bonus f12várias tentativas sem sucessocodigo bonus f12conseguir um terreno, devido à oposiçãocodigo bonus f12moradores e autoridades locais, o governo mexicano realizou uma escavaçãocodigo bonus f12uma área deserta no sulcodigo bonus f12Ciudad Juárez chamada "La Pedrera".

Lá foram levadas as hastes e outros materiais feitos com ferro contaminado, como a caminhonetecodigo bonus f12Sotelo Aldarín. Tudo foi enterrado com concreto para neutralizar seus efeitos nocivos.

No entanto, reportagens da imprensa local e nacional mostram que aquele "cemitério"codigo bonus f12lixo radioativo que deveria ser protegido foi abandonado.

A CNSNS disse à BBC News Mundo que "atualmente calcula-se que a concentraçãocodigo bonus f12atividade apresenta níveis praticamente inócuos, próximos dos níveiscodigo bonus f12dispensação".

"Portanto, pode-se afirmar que a existência do aterro La Piedrera não representa nenhum risco radiológico para a população ou para o meio ambiente", acrescenta.

A mídia local tem denunciado que o local carececodigo bonus f12vigilância e que houve até incursõescodigo bonus f12pessoascodigo bonus f12buscacodigo bonus f12objetos para comercializar.

Para o físico Guillermo Espinosa, é verdade que a meia-vida já ultrapassada ajudou a evitar que fosse um risco hoje: "mas acho que (o local) foi muito mal administrado", pondera.

"A radioatividade é como o fogo: se você manuseia bem, você cozinha bifes excelentes. Se você não manuseia bem, há queimaduras", continua ele.

"A lição a ser aprendida é que qualquer fontecodigo bonus f12radiação deve ser controlada, certificada e sempre deve haver um responsável. O que não aconteceu lá."

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