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Hedy Lamarr, a 'mãe do wi-fi' que fugiu do nazismo para virar inventora e estrelaHollywood:
Mas, aos olhos do nazismo, a família Kiesler era definitivamente judaica, como ficou claro1935, com as LeisNuremberg. Elas definiram os critérioscidadania na Alemanha Nazista e foram um grande passo na consolidação do ódio contra os judeus, estabelecendo que pessoas que tivessem três quartossangue judeu ou que praticassem a religião seriam consideradas judias.
Nos primeiros anos do casamento, Mandlfato se manteve empenhado a proteger a Áustria da expansão do nazismo. Muito se deveu ao fatoque umseus principais clientes e aliados era Benito Mussolini, político italiano que liderou o Partido Nacional Fascista e é considerado um dos principais criadores do fascismo. Em 1922, Mussolini se tornou primeiro-ministro da Itália e, a partir1925, estabeleceu uma ditadura totalitária no país.
Como esposaMandl, a principal funçãoHedy era organizar e entreter os convidados nos jantaresnegócios do marido — manter as boas relações era a alma das transações. Em alguns desses eventos, chegou a conheceu pessoalmente o "Duce", como Mussolini gostavaser chamado.
Mas a perspicáciaHedy a fez perceber rapidamente os rumos que a situação estava tomando: não demorou para que Mandl começasse a negociar também com os alemães e,1940, embora inicialmente se opusesse a Hitler, Mussolini oficialmente se aliou à Alemanha, transformando a Itáliauma das principais potências do Eixo.
Fuga para Hollywood
Àquela altura, porém, Hedy já estava do outro lado do oceano,Los Angeles. Em agosto1937, após algumas tentativas frustradas, Hedy havia conseguido fugir do casamento.
"A fuga que conto no livro é a versão dela da história, mas existem outras versões", diz Benedict. "O interessanteescrever sobre Hedy é que ela contou diferentes versões sobre ela mesma."
Foram mesesplanejamento: primeiro, pediu ao marido para ter uma criada àdisposição. Ao contratá-la, escolheu com cuidado uma mulher que se parecesse com ela, ao menos no porte, altura e cor do cabelo. Comprou um carro usado para a criada, sob o pretextoque ela necessitariaum meiolocomoção entre as diferentes residências da família. E, no período, economizou a mesada que recebia do marido.
A noite escolhida para a fuga foi aum jantar importante, assim poderia usar também um conjuntojoias Cartier que custava uma pequena fortuna. Ao longo da refeição, ensaiou um falso mal-estar. Acreditando que ela pudesse estar grávida (ele não sabia que ela usava um dispositivo intrauterino), Mandl ficou contentedeixá-la sair do evento para descansar.
Era também a desculpa perfeita para pedir à criada que a acompanhasseum chá digestivo, que Hedy batizou com um sonífero. Vestida com roupas iguais à da criada, saiucarro sem despertar suspeitas e foi até a França. De lá, atravessou o Canal da Mancha e chegou a Londres, a primeira parada rumo à nova vida.
Com Hitlerascensão e as LeisNuremberg jávigor, o único lugar seguro para uma judia imigrante trabalhar como atriz era do outro lado do Atlântico. Não à toa, a própria criaçãoHollywood é atribuída a esses imigrantes, conforme descreveu Neal Gabler1989 no livro An Empire of Their Own: How the Jews Invented Hollywood (Um império próprio: como os judeus inventaram Hollywood,tradução livre, sem ediçãoportuguês), uma das obras mais completas sobre o assunto.
E Hedy sabia disso: através dos contatossua épocaatuação, acompanhava boatos sobre o êxodo silencioso dos profissionais para os Estados Unidos.
Por meioum desses contatos, foi apresentada a ninguém menos que Louis B. Mayer, chefe do estúdio MGM. Ele fazia as reuniõescaça talentosuma suíte no Hotel Savoy, e Hedy sabia muito bem o que isso significava. Por segurança, levou o amigo à reunião, sob o pretextonecessitartradução.
"Voltei para editar o livro mais ou menos na época do escândalo (atualacusaçõesestupro que recaem contra o produtor) Harvey Weinstein e afins, e simplesmente não conseguia acreditar no quão semelhantes eram as situações que as atrizes atuais enfrentavam com as que Hedy teve que lidar", diz Benedict. "São obstáculos que as mulheres ainda precisam superar."
Na reconstrução do diálogo feita pela autora, Mayer teria dito a Hedy: "Nadajudeus. Os americanos não toleram judeus na tela. Você não é judia, é?" Ao que ela prontamente respondeu "não, não, sr. Mayer", mentira a que se apegou na nova vida.
Mas, se abdicarsua verdadeira origem foi algo relativamente fácil, Hedy não estava tão disposta assim a abrir mão do valor que sabia ter. Quando o chefe do estúdio lhe ofereceu um contrato padrãoUS$ 125 por semana por sete anos, ela saiu da reunião enfurecida. "Eu esperava que o sr. Mayer e eu pudéssemos chegar a um acordo hoje, mas não. Eu vou conseguir muito mais que US$ 125 por semana, você vai ver", teria dito ao amigo que a acompanhou na reunião.
Vendeu a pulseira do conjuntojoias e comprou um bilhete para o navio Normandie, no qual Mayer viajariavolta aos Estados Unidos. Na primeira noite, colocou seu vestido mais bonito, convocou todo o seu podercomandar a atenção como fazia nos palcos, e entrou no salãojantar certificando-se que todos, inclusive o chefe do estúdio, estivessem olhando para ela.
"Você pode escrever um livro inteiro sobre como ela era poderosa, corajosa e forte diante das engrenagens do poder", diz Benedict. "Mayer foi provavelmente o homem mais poderosoHollywood, senão dos EUA. E ela teve a tenacidadeenfrentá-lo desde o início, exigir mais do que ele estava oferecendo, algo extremamente incomum na época."
Funcionou. Chegou a Hollywood com um contratosete anos a US$ 550 semanais, com os ajustes usuais (o máximo jamais oferecido a uma novata) e um novo nome: Hedy Lamarr, mais amigável aos falantes da língua inglesa.
A carreiraHollywood despontou. Em uma rara entrevista na TV1969, ela fala um pouco mais sobrerotinatrabalho da época: houve momentosque chegou a filmar três filmes simultaneamente, correndoum set para o outro.
A situação emterra natal, porém, era cada vez mais crítica e, tendo vistoperto o potencial bélicodestruiçãouma das partes envolvidas, Hedy se preocupava — especialmente porquemãe permanecera na Áustria, agora sem a proteçãoMandl. Até porque nem ele se sentia mais seguro: com ascendência judaica (embora tivesse se convertido ao cristianismo), achou melhor fugir para o Brasil.
A invenção do wi-fi e do GPS
Enquanto enfrentava burocracias legais para levar a mãe aos Estados Unidos, Hedy decidiu tomar para si a missãotornar a ofensiva dos Aliados contra o nazismo mais eficaz. Por causasua experiência como esposaMandl, sabia que,todos os armamentos produzidos, os torpedos eram o que tinham maiores problemas. Alémimprecisos, eram também suscetíveis à interferência do sinal por navios inimigos.
Ao conhecer o compositor George Antheiluma festa, Hedy teria tido um momento "Eureka" (embora existam outras versões para o episódio, esta é uma das mais aceitas): o dueto espontâneo que fizeram no piano,que ele transmitia um sinal e ela seguia, fez Hedy pensar que Antheil era o "transmissorum sinal", como um submarinista ou um marinheiro, e ela, a receptora, ou um torpedo.
Se o marinheiro e o torpedo constantemente pulassemuma frequênciarádio para outra, assim como os dois fizeram ao piano, a comunicação se tornaria praticamente impossívelobstruir.
Durante meses, trabalharam na invenção. Até queoutubro1940, início da Segunda Guerra Mundial, finalmente chegaram ao sistemaalternânciasinalrádio para ser usadotorpedos e despistar radares nazistas. Submeteram a invenção ao Conselho NacionalInventores que, um ano depois, comunicou a decisão, assinada pelo próprio presidente do conselho, Charles Kettering. Ele recomendava que a Marinha dos Estados Unidos considerasse usar o sistemaseus torpedos.
Pouco tempo depois da decisão,7dezembro1941, a basePearl Harbor, no Havaí, foi bombardeada, colocando os Estados Unidos oficialmente na guerra. Os torpedos americanos logo se mostraram um fracasso, justamente por causa da imprecisão, animando os inventores, que ainda esperavam uma resposta da Marinha. Quando ela finalmente chegou, pegou-ossurpresa:vezapostar no sistema desenvolvido, os militares optaram por tentar fazer os torpedos antigos funcionarem.
Os dois chegaram a ir pessoalmente a Washington tentar convencer os oficiais,vão — o preconceito contra uma invençãouma mulher, ainda por cima famosa, falou mais alto.
"Acho que a história dela parece quase um contoadvertência sobre os perigosse subestimar mulheres. Quer dizer, e se a Marinha da época ou os militares tivessem levado seu esforço um pouco mais a sério? É algo para se pensar, quando consideramos as mulheres e suas contribuições, tanto no passado quanto no presente", opina Benedict.
A Marinha só passou a utilizar o sistema1962, na Crise dos Mísseis. Eventualmente, perdeu a exclusividade militar e se tornou a basevárias tecnologias atuais, como o GPS e o wi-fi.
Hedy, porvez, só foi reconhecida oficialmente1997, quando recebeu uma menção honrosa do governo americano por ter aberto novos caminhos da eletrônica.
"Acho que ela ficaria satisfeitaver que teve um papel importante a longo prazo, não só por causa do wi-fi, mas por fazer a sociedade e as mulheres realmente pensarem sobre como o trabalho delas importa e como é necessário levar as mulheres a sério", diz a autora do livro.
"Penso que,muitas maneiras, ela preferiria ter sido valorizada por seu intelecto e suas invenções do que por causa dabeleza."
A partir2014, quando entrou para o hall da fama dos inventores dos EUA, e principalmente nos últimos três anos, Hedy passou a ser mais conhecida pelo públicogeral. Além do livroBenedict, um documentário foi produzido sobrehistória2017 e uma minissérie protagonizada por Gal Gadot (Mulher-Maravilha) deve ser lançada pela Applebreve.
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