Genesis II, a igreja acusadavender falsa cura milagrosa para a covid-19:

Crédito, FiscalíaColombia

Legenda da foto, Mark Grenon (de azul, à esquerda) e seu filho Joseph após serem presos na Colômbia

Dois outros filhos do "arcebispo" Grenon, Jonathan e Jordan, também foram presos nos Estados Unidos e estãoprisão preventiva.

Segundo a acusaçãopromotores da Flórida, a família Grenon supostamente vendia dezenasmilharesgarrafasuma "Solução Mineral Milagrosa", ou MMS (na siglainglês), como um remédio contra todos os tiposdoenças, incluindo malária e câncer, e até para o autismo.

O MMS é uma soluçãocloritosódio (NaClO2) e água destilada. A instrução é que ele seja misturado com um "ativador", por exemplo, ácido cítrico, para transformá-lodióxidocloro. O produto é considerado tóxico para o consumo humano, segundo especialistas.

Tanto o cloritosódio quando o dióxidocloro são ingredientes ativosalguns desinfetantes, alémter outros usos industriais, como na fabricaçãopapel.

Nenhuma autoridadesaúde reconhece qualquer possível efeito benéfico dessas substâncias para a saúde. A Food And Drug Administration (FDA), equivalente norte-americana à Anvisa, alertou que o MMS pode causar vômitos, diarreia ou reduzir a pressão arterial a níveis perigosos.

Em meio à crisesaúde causada pela pandemia do coronavírus, os Grenons teriam chegado a faturar US$ 120 mil (em tornoR$ 670 mil) por mês com as vendasMMS, segundo documentos vistos pela BBC.

Os quatro Grenons são acusadosconspiração para cometer fraude nos Estados Unidos, violação da Lei FederalAlimentos, Medicamentos e Cosméticos, enão colaborar com investigações das autoridades.

Crédito, FreetheGrenons.com

Legenda da foto, Na página 'Liberdade para os Grenons', apoiadores da igreja pedem doações para os gastos da família com a Justiça

Até o momento, eles são os únicos réus no caso. O Ministério Público se recusou a explicar se há outras investigaçõesandamento relacionadas ao MMS contra membros da igreja.

A BBC tentou ouvir a versão dos Grenons, mas eles não têm advogado até o momento. Uma pessoa, que disse ser familiar deles, não quis comentar o caso.

"Nossos direitos e liberdades simples estão sob ataque como nunca. Os custos legais estão aumentando e precisamossua ajuda", diz um site criado para apoiar os Grenons.

Vínculos latino-americanos

De acordo com a promotoria colombiana — que não quis se manifestar sobre o caso por ser uma apuração aberta nos Estados Unidos —, os Grenons "também venderam a 'poção' na Colômbia e,Santa Marta, coordenaram os embarques para países africanos".

Em Santa Marta, na Colômbia — onde foram presos —, os Grenons também operavam um "centrorecuperação" focado no MMS,acordo com os documentos que sustentaram o pedidoprisão.

Crédito, Ig2.com.ar

Legenda da foto, Página argentina associada com a Igreja Genesis II divulga o cloritosódio 'para purificar a água'

As relações internacionais da Igreja Genesis II também incluem seguidoresoutros países latino-americanos.

A sede foi, por um tempo, na República Dominicana, onde a igreja organizou seminários com inscrições que custavam U$ 1 mil (cercaR$ 5,6 mil), sem incluir alimentação ou hospedagem.

A Genesis II tem mais200 ministros e dois bispos no Chile. Eyre Pacheco, uma integrante da igreja, disse à BBC News Mundo, o serviçoespanhol da BBC, que alcançou o postoministra2013 e hoje é bispa "encarregada da filial 227 da Gênesis".

Os "médicos" e "ministros" do MMS são treinadosseminários10 dias. Cada estudante recebe um certificadoque obtém a permissão para abrir uma missão ou igreja local, explicou Humble,publicação2011.

No "Livro para recuperar a saúde com o MMS",publicação independente, Humble assegura que a igreja contava,outubro2016, com mais1,7 mil ministrossaúde treinadosmais120 países.

Ainda2016, Humble — que se intitula o "descobridor" da Solução Mineral Milagrosa — foi localizado no México pela redetelevisão ABC.

Em seu site, ele afirma que se retirou da igreja — embora não do "ramo" do MMS —2017, para se concentrar nas pesquisas para escrever livros.

'Não era nada religioso'

"Fui treinada por Jim Humble2013 para usar o MMS. Queria aprender a usá-lo para ajudar meu sobrinho com câncer no cérebro", diz Eyre Pacheco à BBC News Mundo.

"Você vai entender que é uma experiência pessoal, que marca profundamente uma pessoa. Por isso, me comprometi com a causaigreja e ajudei milharespessoas ao longo do caminho", disse.

A BBC News Mundo contatou pessoasdiferentes países que aparecem associadas à Genesis II,reportagens oupáginasredes sociais. Um deles foi Julián Pérez, que aparece na internet como presidenteum centrosaúde naturista na Espanha, do qual disse estar aposentado.

Na página, é possível ver o certificado dele"bispo" da Gênesis II, datado2013. Apesar disso, ele disse que nunca teve contato próximo com a congregação e que os líderes da igreja ignoraram os e-mails enviados por ele.

"Estava fazendo um estudo sobre a terapia eletrolítica (...) e me deparei, por acaso, com o resultado do que Jim Humble havia encontrado", relatou Pérez.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Em cidades como Cochabamba, na Bolívia, a população chegou a fazer fila para adquirir o dióxidocloro

"Em algumas minas, os trabalhadores estavam morrendo e ele deu o produto (MMS) para purificar a água deles (...) e descobriu que poderia até curar a malária", disse Pérez à BBC.

Nem a Organização Mundial da Saúde (OMS) ou qualquer agênciamedicamentos reconhece esse tipotratamento como capazcurar qualquer doença.

Segundo Pérez — que disse ter feitotesedoutorado por uma universidade "alternativa" —, a Genesis II foi fundada "não com uma visão religiosa, com conhecimentos morais, mas para ensinar as pessoas a viver com saúde e dignidade".

Segundo os promotores dos Estados Unidos, os Grenons vendem MMS "sob o disfarceIgrejaSaúde e CuraGenesis II, uma entidade que eles supostamente criaramuma tentativaevitar a regulamentação do governo".

O próprio Grenon explicou o raciocíniouma entrevista,fevereiro deste ano, citada nos documentos oficiais.

Crédito, Promotoria da Colômbia

Legenda da foto, Os Grenons operavamum retiro na cidade colombianaSanta Marta, segundo documentos do caso

"Eles não podem nos prender por fazer umnossos sacramentos e eu sabia disso. Por isso, disse para criarmos uma igreja. Poderíamos ter feito um templo. Poderíamos ter feito uma sinagoga. Poderíamos ter feito uma mesquita", disse, na época.

"Então [a criação da Genesis] não foi realmente sobre religião? Foi para,alguma forma, legalizar o uso do MMS?", questionou o entrevistador.

"Isso mesmo. Não foi por motivos religiosos,jeito nenhum", respondeu o "arcebispo" da Gênesis II.

O coronavírus

A gravidade da crise do coronavírus trouxe à tona uma sériesupostas soluções milagrosas, que não são confirmadas pela ciência, entre elas o MMS.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, CDS é um dos nomes comerciais do dióxidocloro, que não tem qualquer comprovação científica para fins médicos

Catherine Hermsen, comissária assistente do EscritórioInvestigações Criminais da FDA, afirmou que "a IgrejaSaúde e Cura Genesis II colocou os consumidoresrisco ativa e deliberadamente."

"Continuamos protegendo a populaçãocondutas criminosas que se aproveitam da pandemiacovid-19", declarou Ariana Fajardo Orshan, advogada da Flórida.

Eyre Pacheco, porém, acredita na inocência dos Grenons e diz que "eles logo serão liberados". "Esta não é uma prisão por crime, porque ninguém foi ferido, mas por 'violar' uma regra imposta sem fundamento. É uma ofensa", declarou.

"O FDA não tem argumentos bem fundamentados para emitir os alertas sobre o MMS (...). Tudo o que eles falam sobre os efeitos colaterais do uso do MMS não tem fundamento", disse a mulher à BBC News Mundo.

As autoridades, no entanto, reforçam a ilegalidade das ações praticadas pela igreja. A batalha legal para conter as vendas do MMS na Genesis II não acontece apenas nos Estados Unidos.

No Peru, a Direção GeralMedicamentos, Insumos e Drogas emitiu um alertanovembro2019 contra os produtos que contêm dióxidocloro ou cloritosódio, entre eles o MMS. A entidade pediu que esses produtos não devem ser consumidos, porque causam "graves danos à saúde",

Na Austrália, uma área do Ministério da Saúde local multou uma empresa que comercializava MMSU$ 150 mil por anunciar ilegalmente a substância e abriu um procedimento para apurar possível publicidade ilegal.

"Acredito que se [o dióxidocloro] for dissolvido, provavelmente o risco será baixo. Mas os consumidores tendem a pensar 'se um pouco é bom, mais deve ser ainda melhor'. E esse é o perigo", disse Keenneth Harvey, especialista australianosaúde pública e estudioso sobre publicidade enganosa.

Há ainda um perigo maior, conhecido como dano indireto. "Se as pessoas pensam que é uma forma eficaztratar uma condição específica, elas podem ignorar outros tratamentos baseadosevidências científicas", assegurou Harvey.

De acordo com o especialista, a crise do coronavírus foi um "alerta"que as autoridades "não podem deixar essas coisas passarem".

"O dano potencial não é tanto as consequências diretas à saúde. Mas as pessoas que o tomam podem pensar: eu sou imune, não precisamosdistanciamento social, nemusar máscaras, porque estou protegido por esse produto mágico".

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