O massacre que destruiu a 'Wall Street Negra' há quase cem anos e voltou à tona na série 'Watchmen':remo betnacional

Dajour Ashwood, Steven Norfleet and Alexis Louderremo betnacionalcena da série “Watchmen”, da HBO

Crédito, Divulgação/Mark Hill/HBO

Legenda da foto, Dajour Ashwood, Steven Norfleet and Alexis Louderremo betnacionalcena da série “Watchmen”, da HBO
Greenwood antes do massacre

Crédito, Divulgação/Greenwood Cultural Center

Legenda da foto, Greenwood antes do massacre

Uma das atrizes da série, Regina King, chegou a tuitar uma reportagem sobre o tema, depoisremo betnacionalver "tantos tuites (dizendo) que Watchmen era a primeira vez que ouviam sobre a 'Wall Street Negra' e que não tinham ideiaremo betnacionalque a abertura (da série) mostrava o massacreremo betnacionalTulsa, que não foi ensinadoremo betnacionalaulasremo betnacionalhistória nos Estados Unidos".

Prosperidade

A Tulsa do início da décadaremo betnacional1920 era uma cidade modernaremo betnacionalmaisremo betnacional100 mil habitantes. Alguns anos antes, a descobertaremo betnacionalpoçosremo betnacionalpetróleo havia enriquecido muitos moradores brancos e também alguns negros que tinham terras na área.

Lojaremo betnacionalGreenwood, antes do massacre

Crédito, Divulgação/Greenwood Cultural Center

Legenda da foto, Lojaremo betnacionalGreenwood, antes do massacre

Mas esse era um períodoremo betnacionalviolência racial, com linchamentos e rígidas leisremo betnacionalsegregação, que proibiam que negros frequentassem os mesmos ambientes que a população branca. Assim comoremo betnacionalvárias outras cidades americanas, os trilhos da ferrovia marcavam a separação entre a parte negra e a parte branca da cidade.

O distritoremo betnacionalGreenwood ficava ao norte dos trilhos. A partirremo betnacional1905, a área começou a atrair comerciantes e empreendedores negros, dando início ao que ficaria conhecido como a "Wall Street Negra", uma das mais bem-sucedidas comunidades negrasremo betnacionalum país que somente poucas décadas antes havia abolido a escravidão.

Segundo o historiador Scott Ellsworth, autor do livro Death in a Promised Land: The Tulsa Race Riot of 1921 ("Morteremo betnacionaluma terra prometida: o tumulto racialremo betnacionalTulsaremo betnacional1921",remo betnacionaltradução livre), a maioria dos 10 mil residentes negros da cidade viviaremo betnacionalGreenwood.

Moradores tiveram que viverremo betnacionalbarracas após destruição

Crédito, Oklahoma Historical Society

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"Um bairro vibrante que abrigava dois jornais, várias igrejas, uma biblioteca e vários estabelecimentos comerciais que pertenciam a proprietários negros", escreveu Ellsworthremo betnacionalum artigo para a Oklahoma Historical Society (Sociedade Históricaremo betnacionalOklahoma).

Os 40 quarteirões que formavam a chamada "Wall Street Negra" eram pontuados por hotéis, restaurantes, joalherias e cercaremo betnacional200 estabelecimentos comerciaisremo betnacionalpequeno porte, como farmácias, armarinhos, lavanderias, barbearias e salõesremo betnacionalbeleza. Havia até um cinema.

As casas elegantesremo betnacionalGreenwood eram endereçoremo betnacionalmuitos médicos, dentistas, advogados e outros profissionais negrosremo betnacionalrenome. "A. C. Jackson era considerado o melhor cirurgião negro do país. Simon Berry era um piloto negro que tinha seu próprio avião e era proprietárioremo betnacionalum serviçoremo betnacionaltransportes", diz à BBC News Brasil a diretoraremo betnacionalprogramação do centro culturalremo betnacionalGreenwood, Mechelle Brown.

"Era extraordinária a prosperidade que existia na comunidade negraremo betnacionalTulsa na época", afirma Brown.

Tensão racial e ressentimento

Mas Ellsworth observa que Tulsa também tinha problemas, com altas taxasremo betnacionalcriminalidade e casosremo betnacionallinchamento, inclusive oremo betnacionalum jovem branco acusadoremo betnacionalassassinato e morto por uma multidão branca meses antes do massacreremo betnacionalGreenwood.

Historiadores ressaltam que, nessa época,remo betnacionaltodo o país, havia ressentimento por parteremo betnacionalmuitos brancos com o fatoremo betnacionalalguns negros serem bem-sucedidos. Os anos anteriores já haviam registrado dezenasremo betnacionalconflitos raciaisremo betnacionaldiversas cidades americanas, com centenasremo betnacionalnegros mortos.

"Muitos brancos tinham inveja do sucesso dos afro-americanos, faziam comentários do tipo 'como esses negros ousam ter um pianoremo betnacionalcauda emremo betnacionalcasa se eu não tenho um piano na minha?'. Também acreditavam que os afro-americanos estavam roubando seus empregos", diz Mechelle Brown.

Ela ressalta ainda que o grupo supremacista branco Ku Klux Klan tinha muita força nos anos 1920. A primeira Ku Klux Klan operou entre as décadasremo betnacional1860 e 1870, durante o períodoremo betnacionalReconstrução. Em 1915, foi fundada a segunda versão do grupo. "Muitos líderes municipais, policiais, bombeiros eram membros da Ku Klux Klan", afirma Brown.

Segundo Ellsworth, a "explosãoremo betnacionalviolência"remo betnacionalGreenwood foi um entre vários episódios semelhantes ao redor do país. "Ocorreu durante uma eraremo betnacionalprofundas tensões raciais, caracterizada pelo nascimento e rápido crescimento da chamada segunda Ku Klux Klan e pelos esforços determinadosremo betnacionalafro-americanos para resistir aos ataques contra suas comunidades, particularmente na questãoremo betnacionallinchamentos", escreveu o historiador.

Greenwood depois da destruição

Crédito, Divulgação/Oklahoma Historical Society

Legenda da foto, Greenwood depois da destruição

Gritos no elevador

O episódio que provocou o massacreremo betnacionalGreenwood ocorreuremo betnacional30remo betnacionalmaioremo betnacional1921. Naquela tarde, um engraxate negro chamado Dick Rowland,remo betnacional19 anos, pegou o elevador no Drexel Building, prédio onde ficava o único banheiro que os negros tinham permissão para usar no centro da cidade. A ascensorista, uma jovem branca chamada Sarah Page, deu um grito.

Segundo Ellsworth, não se sabe o que causou a reação da moça, mas "a explicação mais comum é que Rowland pisou no péremo betnacionalPage ao entrar no elevador, fazendo com que ela gritasse".

Rowland foi detido e, no dia seguinte, o jornal Tulsa Tribune noticiou que ele havia tentado estuprar Page. "Além disso, segundo testemunhas, o Tribune também publicou um editorial, hoje perdido, intitulado 'Negro será linchado esta noite'", escreveu Ellsworth.

Uma multidãoremo betnacionalbrancos se dirigiu à cadeia, mas o xerife se recusou a entregar o prisioneiro. Ao ficarem sabendo disso, dezenasremo betnacionalhomens negrosremo betnacionalGreenwood, muitos deles veteranos da Primeira Guerra Mundial que estavam armados, também se dirigiram até a cadeia, para ajudar a proteger Rowland. A ajuda foi recusada pelo xerife.

Teatro destruído

Crédito, Divulgação/Greenwood Cultural Center

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"Quando (os negros) estavam indo embora, um homem branco tentou desarmar um veterano negro, e um tiro foi disparado. O tumulto começou", relatou Ellsworth.

Destruição

Frustrados por não terem conseguido linchar Rowland, brancos armados começaram a atacar negros aleatoriamente, atirando contra pessoas e casas. De acordo com Ellsworth, as autoridades pouco fizeram para conter o conflito nessas primeiras horas, concentrando-seremo betnacionalproteger bairros com moradores brancos — que não estavam sob ataque.

Cena da destruição

Crédito, Oklahoma Historical Society

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Quando a madrugadaremo betnacional1ºremo betnacionaljunho chegou, a multidão enfurecida já reunia milhares, e seremo betnacionaldirigiu a Greenwood. Segundo testemunhas, os invasores atearam fogo às casas e lojas. Objetosremo betnacionalvalor foram roubados, e o resto destruído. Pelo menos uma metralhadora e até aviões foram usados nos ataques.

Sobreviventes relataram ter visto homens, mulheres e crianças mortos a tiros ao tentar escapar das chamas, entre eles A. C. Jackson, o renomado cirurgião negro, que foi alvejado ao sairremo betnacionalsua casa com as mãos para cima e se render a um gruporemo betnacionalhomens brancos. O corporemo betnacionalbombeiros não respondeu aos chamadosremo betnacionalemergência.

"Quando o reforço da guarda nacional chegou a Tulsa, às 9:15 da manhã, a maior parteremo betnacionalGreenwood já havia sido destruída", escreveu Ellsworth. "Quando a violência finalmente chegou a fim, a cidade estava sob lei marcial, milharesremo betnacionalcidadãos haviam sido detidos por guardas armados e a segunda maior comunidade afro-americana do Estado havia sido reduzida a cinzas."

Até hoje não há consenso sobre o númeroremo betnacionalvítimas. Um relatório publicadoremo betnacional2001 por uma comissão que investigou o episódio diz que foi possível confirmar 39 mortos, sendo 26 negros e 13 brancos, mas que as estimativas anteriores,remo betnacionalaté 300 vítimas, podem ser verdadeiras - já que muitos corpos podem ter sido jogadosremo betnacionalvalas comuns e no rio Arkansas, conforme o relatoremo betnacionaltestemunhas.

Cena da destruição

Crédito, Oklahoma Historical Society

Legenda da foto, Cena da destruição

Os sobreviventes do massacre foram detidos e levados a acampamentos. Os moradoresremo betnacionalGreenwood declararam prejuízoremo betnacionalUS$ 1,8 milhãoremo betnacionaldólares na época, mas as seguradoras se recusaram a pagar.

Sarah Page, a ascensorista, retirou a acusação contra Dick Rowland, e ele não foi indiciado. Mas, mesmo assim, as autoridades decidiram que os negros eram os culpados pela violência, classificada como um motim racial. Nenhum dos invasores brancos jamais foi responsabilizado.

Esquecimento e investigação

Segundo Ellsworth, a maior parte da população negraremo betnacionalTulsa ficou desabrigada após o episódio, mas dias depois já começaram a trabalhar na reconstruçãoremo betnacionalsua comunidaderemo betnacionalGreenwood. Muitos se mudaram para barracas nos terrenos onde originalmente ficavam suas casas.

"Eles estavam determinados a ficarremo betnacionalGreenwood", diz Mechelle Brown. "Eremo betnacional1925, a comunidade afro-americana já havia reconstruído Greenwood completamente."

Cenas do conflito

Crédito, Oklahoma Historical Society

Legenda da foto, Cenas do conflito

Mas muitas famílias nunca se recuperaram. Com o tempo, o massacre caiu no esquecimento e o assunto virou tabu.

"Os brancos não queriam falar sobre isso, muito tinham vergonha do que tinha acontecido", observa Brown. "Os negros também não queriam falar sobre isso. Eles diziam que era muito doloroso, e que para seguirremo betnacionalfrente e reconstruir era preciso colocar essa parte da história no passado."

Em 1997, uma comissão estadual formada para investigar o episódio recomendou o pagamentoremo betnacionalreparações aos sobreviventes. Também encontrou evidênciasremo betnacionalvalas comuns e recomendou escavações para confirmarremo betnacionalexistência, mas as autoridades na época decidiram não ir adiante com nenhuma das recomendações.

Guarda nacional com negros detidos após o massacre

Crédito, Oklahoma Historical Society

Legenda da foto, Guarda nacional com negros detidos após o massacre

Agora, às vésperasremo betnacionalcompletar cem anos, o massacre está sendo investigado novamente. No ano passado, o prefeitoremo betnacionalTulsa, o republicano G.T. Bynum, anunciou a reabertura do que chamouremo betnacionaluma "investigaçãoremo betnacionalhomicídio". Cientistas estão usando radaresremo betnacionalpenetração no solo para tentar encontrar as valas comuns. A investigação deve ser concluída até janeiro.

"O país inteiro vai estar olhando para Tulsaremo betnacional2021, na comemoraçãoremo betnacionalcem anos, para ver como a cidade abordou essa história, como mudamos, o que aprendemos", observa Brown.

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