O inferno que é atravessar a selva 'mais perigosa' da América Latina:copa betpix
Agora os que ficaram pelo caminho são os migrantes que tentam cruzar o Dariéncopa betpixbuscacopa betpixuma vida melhor no norte.
Mas não se sabe exatamente quantos morreram. Nem quantos cartéis os utilizam para traficar drogas da América do Sul até o México. Nem quantas pessoas vivem ali.
É uma selva indomável, compacta e quase intransponível. Um dos territórios menos acessíveis da América Latina.
O jornalista americano Jason Motlagh, que a atravessoucopa betpix2016, descreveu a área como o pedaçocopa betpixselva mais perigoso do planeta.
A BBC Mundo passou quatro dias percorrendo o Darién e falando com aqueles que, por motivos diferentes, desafiam a natureza no único ponto do continente onde a rodovia Panamericana desaparece.
Dia 1
A travessia começacopa betpixYaviza, a uns 300 km para o sul da capital panamenha. Ali, o asfalto da rodovia Panamericana desaparece repentinamente, depoiscopa betpixum trajetocopa betpix12.500 quilômetros desde Prudhoe, no Alasca (EUA).
E ali onde termina, só há água e canoas. A regiãocopa betpixDarién, que ocupa 13% do território do Panamá e contém a maior coleçãocopa betpixespéciescopa betpixpássaros no mundo, começa no rio Tuira.
Do outro lado da fronteira e durante os últimos 20 anos, essa selva foi campocopa betpixbatalhas, massacres, torturas e sequestroscopa betpixcivis por partecopa betpixguerrilheiros e comandos paramilitares da Colômbia.
Mas esse lugar é sobretudo um infernocopa betpixumidade e calorcopa betpixonde não se pode ver o céu. Não se vê por onde sai o sol nem onde ele se esconde; é impossível distinguir o norte do sul sem bússola ou GPS. Se não há um guia, pode-se passar dias caminhandocopa betpixcírculos como um cachorro correndo atrás do próprio rabo.
Dia 2
Para sentir o coração do Darién, é preciso acariciar a água.
A água é abundante por aqui. É uma das regiões mais chuvosas do planeta e, desde que saímoscopa betpixYaviza, já vimos provas disso: não paracopa betpixchover. Mas a generosidade das precipitações e os afluentes do rio não garantem a mobilidade.
Um deslocamentocopa betpix30 km é feitocopa betpixseis horas.
Esse conflito entre a natureza e o progresso tem maiscopa betpix50 anos, durante os quais diferentes grupos não chegaram a um acordo sobre se a selva deve ser atravessada ou não pelos 108 kmcopa betpixestrada que faltam entre Yaviza e o porto colombianocopa betpixTurbo, onde a rodovia retoma seu trajeto.
A ideia da rodovia Panamericana foi gestadacopa betpix1929. Em 1937, 13 nações, impulsionadas pelos Estados Unidos, entraramcopa betpixum acordo para construir a rodovia. Cada país se encarregariacopa betpixsua parte, o que na teoria facilitaria as coisas.
Durante 25 anos, tudo correu mais ou menos bem.
O principal inconveniente surgiu no começo dos anos 1960, quando o Panamá e a Colômbia discutiram sobre como traçar a rodovia na selva: alguns propunham uma linha reta que a atravessasse; outros sinalizavam que o melhor era um pequeno desvio pelo norte, traçando uma rota mais próxima ao Caribe.
As discussões se diluíramcopa betpixtrâmites burocráticos e brigas orçamentárias. O trajeto nunca foi construído.
De acordo com a Interpol, o negócio do tráficocopa betpixmigrantes - quecopa betpix2016 alcançou 27 mil pessoas sem autorização, segundo o Senafront, que controla a fronteira- chegou a faturar cercacopa betpixUS$ 3 milhões mensais.
E até o mêscopa betpixjulho, as autoridades panamenhas encontraram cinco toneladascopa betpixcocaína, emcopa betpixmaior parte transportadascopa betpixmochila através da selva.
Depoiscopa betpixseis horas, chegamos a Bocacopa betpixCupe.
Dia 3
No dia seguinte, outra vez a canoa, outras seis horas, mais chuva espessa. Da Bocacopa betpixCupe até Paya, a comunidade indígena onde - saberemos depois - começa a parte mais dura do trajeto, as árvores são mais altas,copa betpixum verde tão verde que parece preto.
Não se entende: chove, mas não há água no rio.
Atrás da canoa, calado, está Isaac Pizarro, guia do parque. Ele é pequeno e tem um sorriso permanente que sublinha seus pequenos olhos. É uma das pessoas que mais conhecem o Darién, mas é, sobretudo, um homem que sabecopa betpixpássaros.
Pizarro distingue os pássaros à distância, só pela forma como voam.
"Não está chovendo na cabeceira, por isso a água não chega", explica.
Seu diagnóstico revela uma anomalia que, para os ambientalistas e as comunidade indígenas da região, antecipa o que poderia ocorrer se uma rodovia atravesasse uma área tão ricacopa betpixbiodiversidade.
Por isso o empenhocopa betpixmuitoscopa betpixproteger o Darién. Em 1972, o primeiro passo: o Panamá criou a zona especial florestal Alto Darién, garantindo o controle daquela que se tornaria a maior reserva natural da América Central.
Depois, quando esse esforço se tornou inútil para evitar a invasãocopa betpixmadeireiras ilegais, a Unesco declarou a regiãocopa betpix1981 Patrimônio Ambiental da Humanidade. E incluiu a área que fica dentro do território colombiano.
Os habitantes da selva refutam duas conclusões enganosas que tiramos com olhos inexperientes no início da viagem: uma, que o Darién é interminável. E dois, que depoiscopa betpixdécadas resistindo à rodovia, esse lugar do mundo está inalterado.
A selva é essencialmente frágil, dizem.
O discurso ambientalista não teve eco suficiente. As árvores seguem sendo exploradas dos dois lados da fronteira. No Panamá, segundo seu governo, 96% da madeira ilegal comercializada vem do Darién.
Por isso, quando caminhamos por Paya, um povoado indígena com casinhas alinhadas com tetocopa betpixpalha e paredescopa betpixmadeira, grama bem cortada e sem um só rastrocopa betpixlixo no chão, o argumento que se escuta para manter a selva inalterada não se refere tanto à conservação ambiental, mas à sobrevivência.
"Não concordo que abram o Darién. Vamos perder nossa comida."
Entre os que falam, chama a atenção Lorencita Bastidas. Melhor dito, chamam a atenção as corescopa betpixLorencita Bastidas.
Ela caminha comcopa betpixblusa azul com gola bordada, um trabalho têxtilcopa betpixmuitas camadas sobrepostas e temascopa betpixplantas e animais feito pelos indígenas da região.
Com ouro pendurado no nariz e um tecido feitocopa betpixpedrinhas coloridas envolvendo suas pernas até os joelhos, diz, orgulhosa: "Quero que, quando as pessoas me vejam, deem-se contacopa betpixque sou uma mulher cuna".
"Se deixamos entrar todos, vão desaparecer todos meus animais. Vão para longe", afirma, sacudindo a cabeça.
Depois do almoço, o guia Pizarro nos recomenda descansar. No dia seguinte, é preciso madrugar para aproveitar as horascopa betpixluz. O caminho vai ser longo.
Dia 4
Acabamoscopa betpixentrar no matagal e já entendemos por que é tão fácil perder-se por esse terreno: não há formacopa betpixadivinhar o caminho. Há poucos indícios, escassos pontos que servemcopa betpixreferência.
As árvores centenárias parecem arranha-céus. A selva ferve o rosto. Suas dezenascopa betpixplantas espinhosas ferem nossos braços e mãos. Os cadáverescopa betpixárvores caídas nos obrigam a mudar nosso caminho.
Também há vestígioscopa betpixmigrantes: moletons da marca Adidas penduradascopa betpixárvores, garrafascopa betpixenergéticos na lama, soro para hidratação, tênis, roupacopa betpixbebê.
Pizarro nos pede que não toquemoscopa betpixnada, que deixemos tal como está.
"Os que passaram por aqui deixaram as coisas assim para servircopa betpixpista, para que os próximos não se percam no caminho", explica.
"E onde estão?", pergunto.
"Não se deixam ver. Não sabem se somos do Senafront, se somos mochileiros que levam drogas. Nos escutam e se ocultam. Não vão se arriscar", responde.
Perto dali, aponta para o lugar onde foi enterrado um dos migrantes que não resistiu à severidade da caminhada. Não há placa nem cruz, só um leve sinal retangular na terra.
Pizarro conta que era um africano e que seu corpo foi sepultado quando vários migrantes interceptaram uns índios que passavam por ali para pedir não só água e orientação, como também que os ajudassem a cavar a terra e dar um final digno a seu companheiro.
Não há números oficiaiscopa betpixquantas pessoas encontraram a morte no Darién.
Estamos há duas horas dentro do Darién e nossa roupa e cabelo estão molhados, como se tivéssemos acabadocopa betpixsaircopa betpixuma piscina.
Chegamos à fronteira entre o Panamá, do lado norte, e a Colômbia, no sul.
Começa nesse lugar o que foi o ponto final para que a rodovia Panamericana nunca terminasse, como me avisou José E. Mosquera, um analista político colombiano especialista na questão da rodovia.
"No começo dos anos 70, surgiu na Colômbia um surtocopa betpixfebre aftosa que afetou as vacas. E isso alarmou os Estados Unidos, que tinha sido o principal país a impulsionar a rota", explicou.
Segundo Mosquera, Washington decidiu que a melhor formacopa betpixfrear a expansão do vírus era aproveitando-se do muro natural. Ofereceu à Colômbia a criaçãocopa betpixum espaçocopa betpixconservação ecológica no lugar por onde se pensava que podia passar a Panamericana.
Esse "bloqueiocopa betpixproteção" é o Parque Nacional Los Katíos, que começamos a percorrer. É o Darién colombiano.
Com o recrudescimento da guerra na Colômbia entre os grupos guerrilheiros, paramilitares e o exército, o Panamá encontrou novos argumentos para postergar a rodovia: não só era uma zonacopa betpixconservação e um bloqueio contra a intromissãocopa betpixvírus bovinos, como também uma aduana não oficial para evitar que o conflito vizinho invadisse o país.
Chegamos a oito horascopa betpixtrajeto.
O calor e a extensão da caminhada jogam contra nós. Nosso corpo começa a ceder. Nossos passos são mais lentos e as pausas para descansar, mais frequentes.
Pizarro fica nervoso e repete: temos que chegar antes que anoiteça.
O caminho está totalmente enlameado. A lama vem até nossos joelhos.
O pior temorcopa betpixPizarro se torna realidade. A noite nos alcança e eu compreendocopa betpixaflição. A selva na escuridão é um lugar tenebroso, como uma máscara que não te deixa respirar.
"Não posso mais", diz meu companheiro, desmaiando sobre o leito do Darién, exausto. Pizarro e os homens que nos servemcopa betpixguias acendem suas lanternas e nos rodeiam para evitar que algum animal se aproxime.
Eu também não aguento mais. Foram doze horascopa betpixbatalha contra a natureza áspera, que fere a pele a cada dois metros, dentrocopa betpixuma atmosfera sufocante, o corpo sempre molhado.
Pizarro fala por rádio e nos traz palavrascopa betpixalento: "Estamos a 25 minutos do rio Cacarica, onde nos espera um barco que nos levará à comunidade Juin Phubuur. Vamos".
Quando me levanto e avanço alguns metros, vejo sobre a escuridão da selva as sombrascopa betpixuma cabanacopa betpixpalha, uma mesa rodeada por cadeiras rústicas acomodadas simetricamente uma frente à outra, enquanto uma canoa flutua sobre um rio aprazível.
Vejo o quadro perfeitamente. "Aqui está, chegamos", digo eufórico.
"Não, aí não tem nada", me corrige um guia que está do meu lado cuidandocopa betpixcada passo que dou. "Você está começando a alucinar. Temos que chegar rapidamente."
Joga água no meu pescoço e me obriga a tomar grandes goles que me permitem voltar a concentrar no caminho. Os 25 minutos se tornam uma hora serpenteando pela lama, até que finalmente chegamos ao barco.
Me jogo no meio da embarcação e meu primeiro impulso é fechar os olhos, mas um dos guias sugere que nos mantenhamos acordados até chegarmos a Juin Phubuur. Se a lancha virar, temos que reagir a tempo para sair da água.
"Olha o céu, olha como estão as estrelas", sugere, para me distrair.
As estrelas brilham sobre o fundo violeta do céu do Darién e rodeiam a lua minguante, luminosa sem o filtro da poluição.
Enquanto a canoa avança, penso que o que acabocopa betpixfazer, acompanhado por cinco guias especialistas, água abundante e alimentos suficientes, roupa especializada e um sistemacopa betpixcomunicaçãocopa betpixapoio, os migrantes fazem diariamente a pé. São 108 kmcopa betpixselva.
Nos últimos dez anos, 47 mil pessoas fizeram isso (em 2016, 27 mil). Alguns sem guia, comida ou sapatos adequados, com o objetivo únicocopa betpixfugir da miséria e buscar um futuro melhor - que ainda estará muitos e muitos quilômetros dali.