'Um nazista na família': o escritor que descobriu o passado vergonhoso do avôf12 x1camposf12 x1concentração:f12 x1

Karl Niemann limpando o jardim usando uniforme nazista
Legenda da foto, Karl Niemann, o avô do escritor britânico Derek Niemann, era capitão da SS | Foto: Derek Niemann

Nesse momento, a vidaf12 x1Niemann deu uma guinada.

"Sou um escritor, escrevia sobre a natureza. Escrevia sobre abelhas e borboletas. Não escrevia sobre nazistas", diz.

Mas a descoberta o fez dar início a uma pesquisa que durou anos. Ele explorou arquivos, foi à Alemanha várias vezes e teve conversas difíceis com integrantes da família na tentativaf12 x1reconstruir e contar a verdadeira históriaf12 x1um homem comum no livro A Nazi in the Family: The Hidden Story of an SS Family in Wartime Germany ("Um nazista na família: a história ocultaf12 x1uma família da SSf12 x1temposf12 x1guerra na Alemanha",f12 x1tradução livre), publicadof12 x1inglêsf12 x12015.

Karl e Minna Niemannf12 x11933
Legenda da foto, Karl e Minna Niemann: avô e avóf12 x1Derek que, por maisf12 x150 anos, guardaram como segredo a verdadeira história da família | Foto: Derek Niemann

A verdadef12 x1negativos

Um burocrataf12 x1escritório: assim o paif12 x1Derek, Rudi, descrevia Karl Niemann. Mas, na verdade, ele era um oficial da SS, com patente equivalente àf12 x1um capitão, responsável por organizar a mãof12 x1obra escrava nos camposf12 x1concentraçãof12 x1uma escala colossal.

Karl tinha a fotografia como hobby, e isso ajudou a pesquisaf12 x1Derek e Sarah. O casal descobriu cercaf12 x1500 negativos, um verdadeiro tesouro deixado na casaf12 x1Berlim quando foi abandonada abruptamente no fim da guerra.

Ironicamente, os negativos foram salvos por uma família judia que ficou com a casa como partef12 x1um processof12 x1reparação dos danos daqueles anos sombrios.

As fotos revelavam a intimidade da amorosa famíliaf12 x1Karl, que tinha uma contraditória vida dupla.

Esse homem foi a todos os camposf12 x1concentração, carregou os livros com balanços financeiros e dirigiu uma empresa da SS que fabricava móveis e materiaisf12 x1guerra usando trabalho escravo.

Marcha nazista fotografada por Karl Niemann
Legenda da foto, Depois da guerra, Karl Niemann, que gostavaf12 x1tirar fotos, foi acusadof12 x1crimesf12 x1guerra e contra a humanindade | Foto: Derek Niemann

À noite, ao chegarf12 x1casa, esse mesmo homem cuidava do jardim e ajudava a mulher a cuidar dos quatro filhos. O mais velho, Dieter, morreu nos últimos dias da guerra, quando lutava pela divisão nazistaf12 x1veículos blindadosf12 x1combate (Panzer).

Homens esqueléticos vestindo uniformes listrados chegaram ir à casaf12 x1Karl para fazer trabalhos ocasionais. A mulher dele, Minna, dava comida, ainda que a ordem fosse para que não os alimentasse.

O livrof12 x1contabilidade indicava um certo lamentof12 x1relação aos desafios financeirosf12 x1gerir um negócio que continuou a matar seus trabalhadores e à infeliz necessidadef12 x1comprar caixões para eles.

Foto da família Niemannf12 x11940
Legenda da foto, Quem via o avôf12 x1Derek como paif12 x1família, não imaginava que ele organizava o trabalho escravof12 x1camposf12 x1concentração | Foto: Derek Niemann

"Meu avô tinha uma certa mediocridade fracassada", diz Derek. "Foi demitido do trabalho. Se sentia decepcionado com a vida. Acredito que a ideiaf12 x1usar um uniforme glamouroso ef12 x1ser alguém lhe parecia atrativo."

O escritor diz que o avô se sentia importante. "Chegou ao pontof12 x1que um chofer aparecia e o levava ao trabalho. As pessoas o obedeciam. Era um homemf12 x1poder. Acredito que gostava disso."

Palestra e cheirof12 x1carne

Anualmente, 27f12 x1janeiro é o diaf12 x1se lembrar internacionalmente o Holocausto. Por isso, Derek falou publicamente sobre o avô na semana passada. Diantef12 x1uma plateiaf12 x1judeus, alguns deles sobreviventes dos camposf12 x1concentração, o escritor compartilhou um pedaçof12 x1sua própria história.

A BBC acompanhou a palestra, que aconteceu no noroestef12 x1Londres e foi organizada pela B'nai B'rith, uma das mais antigas organizações judaicas, que se dedica à defesa dos direitos humanos.

Derek dividiu com os presentes uma lembrança infantil particularmente impactante narrada pelo pai, mesmo sofrendof12 x1demência.

"Ele se lembrou da presença da famíliaf12 x1um quartel da SS (no campof12 x1concentraçãof12 x1Duchau, na Alemanha) e dos pais olhando atravésf12 x1uma janela,f12 x1onde era possível ver um edifício baixo, que tinha uma chaminé."

A mãe então perguntou ao marido se ele sabia o que se fazia naquele prédio.

"Não", respondeu ele.

"Estão queimando judeus. Estão os matando e queimando seus corpos", disse ele.

"Não, não fariam isso", insistiu o pai.

"Sim, estão fazendo isso. Não está sentindo o cheirof12 x1carne?"

Karl Niemann com o filho Dieter
Legenda da foto, Karl levou o filho mais velho para servir na unidade Panzerf12 x11944, mas ele morreu nos últimos diasf12 x1guerra | Foto: Derek Niemann

Durante a pesquisa, Derek perguntou a historiadores sobre a postura do avô, que se recusou a reconhecer os extermíniosf12 x1massa.

"Seria possível que meu avô não soubesse o que estava acontecendo? Seria possível ir aos camposf12 x1concentração todos os dias, ver figuras esqueléticas, ver agressões, gente sendo morta e não saber o que estava acontecendo?", questionou o escritor.

A resposta dos especialistas foi categórica: "É impossível".

'Nenhum arrependimento'

Uma pessoa da plateia perguntou a Derek se o processof12 x1"desnazificação" depois da guerra foi eficiente.

O escritor disse não acreditar que tenha havido algum efeito absoluto.

"Meu avô, assim como os outros oficiais da SS, foi submetido a um intenso exercíciof12 x1lavagem cerebral. Se você analisa os cercaf12 x1300 criminosos nazistas que estavam presosf12 x1Landsberg esperando pela penaf12 x1morte, nenhum deles, nenhum, manifestou remorso pelo que fizeram", respondeu Derek.

"Eles se refugiavam na religião. Encontravam-se com sacerdotes que os absolviam dos pecados, mas não mostravam nenhum arrependimento. Lavaram o cérebro deles", completou.

Festaf12 x1ano novof12 x11938 na casa dos Niemann
Legenda da foto, Para Derek, o uniforme nazista fazia o avô se sentir poderoso | Foto: Derek Niemann

O avô do escritor foi levado a camposf12 x1prisioneiros, onde ficou por três anos depois do final da guerra. Foi acusadof12 x1crimesf12 x1guerra e contra a humanidade, mas acabou sendo condenado por um crimef12 x1menor grau - ser um seguidor nazista -, porque as principais provas contra ele foram enviadas ao Tribunalf12 x1Nuremberg para complementar o processo do superior imediato, que acabou executado.

O relatof12 x1Derek emocionou a plateiaf12 x1judeus. "É impactante escutar que nenhum deles sentiu remorso", disse uma mulher.

"Era como um espelho. Ele estava descrevendo um lado do espelho, o lado alemão. Eu estava olhando a partir do outro lado, porque meu avô estevef12 x1Dachau (como prisioneiro)", disse um homem.

Foto do casamentof12 x1Karl Niemann e a mulher
Legenda da foto, O paif12 x1Derek se lembravaf12 x1diálogos comprometedoresf12 x1Karl e Minna; ela parecia saber dos extermínios, mas ele negava | Foto: Derek Niemann

"A 'banalidade do mal' é uma expressão que todos já escutamos antes. Isso é um exemplo exato disso, não? Um homem comum fazendo coisas extraordinárias, extraordinariamente ruins", observou outro homem.

Na plateia estava também Noemie Lopian, que traduziu um livro que o pai havia escrito - e que ganhou o títulof12 x1Uma Longa Noite - sobre seus quatro anosf12 x1um campof12 x1concentração.

"No fim do dia, somos todos, entre aspas, seres humanos comuns", disse ela. "E todos temos uma opção. Todos temos a capacidadef12 x1fazer o mal."