Feminicídio: como uma cidade mexicana ajudou a batizar a violência contra mulheres:bet um
Para a pesquisadora, a importânciabet umchamar os casosbet umfeminicídio era evidenciar que não se tratavam somentebet umum homicídios simples, masbet umcrimesbet umódio extremo e específico contra mulheres.
A nomenclatura foi cunhadabet um1992 pela pesquisadora feminista sul-africana Diana Russell. Mas, na época, não se popularizou nas demais regiões do mundo.
Em 2003, Lagarde foi eleita deputada federal no México e criou a Comissão Especial do Feminicídio para investigar os crimes contra mulheresbet umCiudad Juárez, tornando o termo "feminicidio" conhecidobet umtodo o país.
Com base nos estudos da comissão, a antropóloga concluiu que, apesar dos assassinatosbet umCiudad Juárez terem características próprias do contexto social local - uma região localizada na fronteira com Estado do Texas onde vivem estrangeiros ilegaisbet ummuitos países e há uma disputa constante por poder entre latifundiários e cartéisbet umdrogas - o feminicídio acontecebet umtodo o México e outros países da América Latina.
Ao concluir que o crime era uma característicabet umcomo a violênciabet umgênero ocorre no México, Lagarde propôs a criação da Lei do Feminicídio no paísbet um2007.
A divulgação dos casosbet umviolênciabet umsérie contra mulheresbet umCiudad Juárez gerou a princípio uma preocupação regional. Meses após a experiência mexicana, Costa Rica, Guatemala e Colômbia criaram suas versões da lei mexicana.
Atualmente, 16 países latinos tipificam o feminicídio: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela. O Brasil foi o último a fazê-lo,bet um9bet ummarçobet um2015.
A legislação latina mais dura é a mexicana, com prisãobet um40 a 60 anos. Já se levadabet umconta apenas a América do Sul, é a colombiana, com penabet um33 a 50 anos.
No Brasil, assim como ocorre com estupro, genocídio e latrocínio, o feminicídio é um crime hediondo, e a pena varia entre 12 e 30 anosbet umprisão.
Dar nome ao problema
Por causa da impunidade das mortes e desaparecimentosbet umCiudad Juárez, há anos sem solução, entidades mexicanas afirmam que é difícil fazer uma estimativa exata do problema na cidade.
As estatísticas anteriores aos anos 2000 são ainda mais difíceisbet umserem levantadas, pois não se usava então o termo para diferenciar o homicídio simples do crimebet umódio contra mulheres.
O Observatório Cidadão Nacional do Feminicídio (OCNF) estima que maisbet um1 mil mulheres foram mortas desde 2008bet umCiudad Juárez. Já a Promotoria Especializadabet umInvestigação e Perseguiçãobet umCrimes Zona Norte diz que,bet um1993 a 2013, cercabet um1.818 mulheres desapareceram.
Os crimesbet umJuárez têm aumentado desde 2008, quando o ex-presidente Felipe Calderón (2006-2012) instaurou uma políticabet umguerra ao narcotráfico.
O mesmo ocorreu no Brasil. Crimes famosos contra a vidabet ummulheres, como o caso da advogada Mércia Nakashima e da estudante Eloá Pimentel, assim como o desaparecimento da modelo Eliza Samudio, foram tratados como assassinatos por terem sido anteriores à Lei do Feminicídio no país.
Assim como no México, as estatísticas brasileiras são elevadas: entre 1980 e 2013, foram assassinadas cercabet umnove mulheres por dia no Brasil, ou 106.093 mulheresbet umtrês décadas. Se considerado o período entre 2003 e 2013, houve um aumentobet um252% nos assassinatosbet ummulheres no paísbet umcomparação com as duas décadas anteriores.
A palavra teria sido usada pela primeira vez no Brasilem 2008, segundo os registros do mecanismobet umbusca do Google, pouco menosbet umum ano após a criação da Lei do Feminicídio no México.
Em marçobet um2015, mêsbet umque foi promulgada a Lei do Feminicídio do Brasil, pela então presidente Dilma Rousseff, a palavra alcançou seu picobet umuso na internet do país, segundo o buscador.
Professora do departamentobet umSociologia da Universidadebet umBrasília (UnB), Lourdes Maria Bandeira explica que a palavra é um neologismo que diferencia os assassinatosbet ummulheres cometidos por homens pelo fato da vítima ser do sexo feminino.
"Trata-se do assassinatobet ummulher no contexto da violência intrafamiliar, pelabet umcondiçãobet umser mulher, cujas motivações mais comuns são o ódio, a misoginia, o desprezo, o sentimentobet umperda da propriedade masculina sobre a mulher (seu corpo ebet ummente),bet umuma sociedade patriarcal e sexista demarcada pelas desigualdadesbet umgênero e raciais", explica Bandeira.
A importânciabet umhaver um nome e uma lei específicos para o assassinatobet ummulheres motivados por seu gênero, segundo a diretora do Instituto Patrícia Galvão, Marisa Sanematsu, é dar visibilidade ao problema e exigir a atenção do poder público.
"Esses assassinatos devem deixarbet umser assunto só para os movimentosbet ummulheres e pesquisas acadêmicas e demandar políticas públicas para enfrentá-lo", explica Sanematsu.
O conceitobet umfeminicídio a partir da experiência do México
Apesarbet umhaver diferentes definições sobre o que é este crime segundo o textobet umcada legislação nacional, todos os países latinos consideram o feminicídio um assassinatobet ummulheres causado por violência máxima exercida contra as vítimas por seu gênero.
No México, segundo o OCNF, o termo representa o "assassinato violentobet ummulheres cometido por misoginia, discriminação e ódio contra este gênero,bet umque familiares ou desconhecidos realizam atosbet umextrema violência brutalidade sobre os corpos das vítimas,bet umum contextobet umpermissividade do Estado que, por ação ou omissão, não cumpre combet umresponsabilidade a vida e a segurança das mulheres".
Desde que o termo foi adotado pelas leisbet umvários países latinos, estatísticasbet umórgãos internacionais têm separado os homicídios simples dos casosbet umfeminicídio. A preocupação atual destes órgãos são os paísesbet umque este crime mais ocorre.
Sanematsu explica que,bet umacordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil só fica atrásbet umEl Salvador, Colômbia e Guatemala entre os países com o maior númerobet umfeminicídios na América Latina.
"Mas é preciso dizer também que a qualidade das estatísticas está frequentemente relacionada à importância que os governos dão para o problema", esclarece a diretora. "Em outras palavras, números baixos nem sempre refletem a real dimensão do problemabet umum país".
Para Bandeira, outro problema sobre o tema na região é a existênciabet uminterpretações equivocadas. Segundo a socióloga, os casos mais comuns são quando envolvem assassinosbet umsérie, psicóticos e loucos.
"Estes crimes são consequênciasbet umum sistemabet umexclusão, mas as autoridades apontam somente como causa problemas educacionais, drogas e desagregação e omitem que os agressores são sempre homens e as vítimas, meninas e mulheres", pontua.
A socióloga avalia ainda ser cedo para fazer avaliação dos efeitos ou funcionamento das leisbet umfeminicídio na América Latina, principalmente no Brasil, onde ela está há apenas um anobet umvigor.
Brasil e México: uma tragédiabet umcomum
As diferentes interpretações sobre feminicídio entre países se dão porque esses crimes estão geralmente associados a cada contexto político e social.
Segundo Sanematsu, "nas regiões onde o Estado não está presente ou tem relações promíscuas com o tráfico, como é o casobet umCiudad Juárez, por exemplo, as mulheres ficam ainda mais vulneráveis à violência".
Ela afirma que, toda vez que os ambientes doméstico e familiar reforçam as desigualdadesbet umgênero entre pais, mães e filhos, estes se tornam lugares propícios para o feminicídio.
Por isso,bet umacordo com ela, esta é uma morte característica dos países latinos, marcados por sociedades histórica e culturalmente machistas e patriarcais.
Se no México uma das causas do feminicídio é o tráficobet umdrogas nas fronteiras, no Brasil, segundo dadosbet um2015 do Mapa da Violência, está relacionado com a violência doméstica - e se concentrabet umcidades interioranas com menosbet um100 mil habitantes.
A cidade brasileira que mais mata mulheres por crimesbet umódio relacionados a questõesbet umgênero é Barcelos,bet umapenas 20 mil habitantes, no interior do Amazonas.
Assim como no caso mexicano, a violência extrema também está presente nos assassinatos cometidos por brasileiros.
Bandeira pontua que são comuns casosbet umfeminicídiobet umque brasileiras morrem por "faca, peixeira, canivete, espingarda, revólver, socos, pontapés, garrafabet umvidro, fio elétrico, martelo, pedra, cabobet umvassoura, botas, varabet umpescar, asfixia, veneno, espancamento, empalamento, emboscadas, ataques pelas costas, tiros à queima-roupa, cárcere privado, violência sexual e desfiguração".
"A quantidadebet umfacadas verificadabet umalgumas situações é expressiva - há situaçõesbet umque as vítimas foram atingidas por dezenas delas, o que tende a indicar tanto a intençãobet umprovocar um sofrimento antes da morte quanto o desejobet umexpressar a condiçãobet umpoder ao aniquilar fisicamente a mulher", explica a socióloga.
Por ter fortes relações com a violênciabet umâmbito familiar, a pena por crimesbet umfeminicídio pode ser agravada no Brasil se a vítima estava grávida, se era mãebet umrecém-nascido ou se estava na companhiabet umfilhos e/ou pais no momento do crime.
"Pode-se afirmar que,bet ummodo geral, as mulheres brasileiras estão unidas por uma tragédiabet umcomum: tiveram decepadas mãos, pés, dedos, braços, pernas, seios e orelhas, a pele foi rasgada por facão, o rosto foi desfigurado com soda por namorados e ex-maridos, os cabelos foram arrancados etc.", descreve Bandeira.
Sanematsu explica ainda que, no Brasil, assim como foi preciso criar uma lei específica para buscar conter a violência doméstica - a Lei Maria da Penha - "é importante ter uma lei que não apenas dá nome a esse trágico fenômeno, mas menciona que mulheres são mortas por serem mulheres, que existem motivações e circunstâncias muito específicas que precisam ser dimensionadas por meiobet umestatísticas".