O drama silencioso da mutilação genital feminina na Colômbia:real bet football studio
Eles caminharam dois dias para tentar curá-la no cânion do Garrapatas, no limite dos Estadosreal bet football studioValle del Cauca e Chocó, no oeste colombiano, uma zona remota ereal bet football studiodifícil acesso. Mas não tiveram como salvar a criança.
"A bebezinha morreu assim, jorrando sangue, com hemorragia."
Cura e mutilação
A mulher não pensavareal bet football studiocausar danos à filha. Pelo contrário: acreditava que estava fazendo bem ao bebê, uma "cura" - ou "corte do calo", nomes pelos quais o procedimento, do qual homens não participam, é chamado entre as indígenas.
Na cultura ocidental, a mutilação genital feminina (MGF) é severamente questionada.
Tanto que o Fundoreal bet football studioPopulação das Nações Unidas (UNFPA), organismo da ONU responsável por questões populacionais e que trabalha para erradicar esse tiporeal bet football studioprocedimento, o classifica como "internacionalmente reconhecida como uma violação dos direitos humanos".
Na legislação colombiana, a morte consequentereal bet football studiouma mutilação genital está contemplada na lei do feminicídioreal bet football studio2015.
"Quando nasciam, amarravam as perninhas, compravam uma gilete... as meninas nascem com uma coisinha assim (representa a vulva com a mão e com um dedo o clitóris), então cortavam isso. Hojereal bet football studiodia não pode, dá cadeia", conta Irene Guasiruma, uma anciã da comunidadereal bet football studioWasiruma, no Valle del Cauca.
Ela conta isso sentada na portareal bet football studiouma das casas do vilarejo, rodeado por montanhas onde se cultiva café e abacate e onde vivem cercareal bet football studio40 famílias.
Dona Irene saiu mais cedo para ver os grãosreal bet football studioseu pequeno cafezal e voltou dizendo,real bet football studiotom reflexivo: "Não tenho isso, não tenho nada, tenho limpo. Como se chama isso? (não consegue pronunciar a palavra clitóris e ri, com pudor, ao escutá-la). Isso, isso não tenho".
Em 2007, as mortesreal bet football studioduas meninas no Estadoreal bet football studioRisaralda, no centro do país, chamou a atenção do país para a prática da mutilação genital feminina entre os índios emberá. Desde então, as autoridades e organismos internacionais tentam conscientizar os indígenas da região.
Eles visitaram uma comunidadereal bet football studioque as mulheres não tinham uma palavra para denominar o clitóris. Quando apontaram o local no desenhoreal bet football studioum corpo feminino, disseram: "dor".
E eu pergunto à anciã Irene se ela já praticou a mutilação.
"Não, eu nunca assassinei meninas. Pobrezinhas, como alguém vai cortar isso? Minha mãe gostavareal bet football studiocortar as meninas, mas nunca matou ninguém, cortavareal bet football studioforma perfeita."
Algo peculiar
Um pouco antes dessa conversa, ela estava sentada com maisreal bet football studiouma dezenareal bet football studiocrianças ao seu redor e contando histórias tradicionais, como a da menina que virou sereia.
Os mais idosos cumprem um papel essencial na comunidade emberá, sãoreal bet football studiomemória viva, e referência para os mais jovens, inclusive líderes, conselheiros e governadores, que vêm até eles para pedir conselhos e tomar decisõesreal bet football studioacordo com o que diz o conhecimento tradicional.
No geral, os idosos são médicos tradicionais, e as idosas, como Irene, botânicas.
Durante nossa visita, um médico tradicional do mesmo vilarejo e outro homem jogavam água misturada com diferentes plantas sobre as pessoas que entravamreal bet football studiouma casa - o objetivo era "limpá-los"real bet football studioespíritos negativos.
Era um encontro para falar sobre a mutilação entre os emberá - participaram homens e mulheres dessa ereal bet football studiooutras tribos indígenas, assim como representantes do Estado e da ONU.
Mas algo particular aconteceu nesse evento. Em uma das últimas palestras do dia, uma anciãreal bet football studiooutra tribo, Blanca Lucila Andrade, deixou todos perplexos ao admitir que não somente ela havia sido submetida à mutilação genital, como que também tinha realizado o procedimentoreal bet football studiosuas quatro filhas e netas.
Blanca não é emberá, mas da tribo nasa, do Estado do Cauca. Basicamente, ela acabavareal bet football studioderrubar a teoriareal bet football studioque a prática havia sido erradicada entre os seus. E falava com um espíritoreal bet football studioresistência.
Mulher pequena e forte, elegantereal bet football studioseus trajes e chapéu tradicionais, ela conversou comigo depois da apresentação.
"Agora, quando uma família me diz que quer que eu faça, eu faço; mas se me dizem eu não querem, não faço. É uma coisa rara. Mas nunca sangram quando eu faço", diz ela, que atua como parteira tradicional.
Ela já tinha sido advertidareal bet football studioque se tratareal bet football studioum procedimento nocivo - o que, aliás, a deixou "surpresa".
Mas claramente a prática não acabou nem entre os nasa nem entre os emberá.
Recentemente foram reportados outros dois casosreal bet football studiomeninas emberá que apresentaram infecções generalizadas por causa da mutilação.
Consequências
"As consequências físicas mais frequentes são as infecções localizadas. É uma região (do corpo) coberta e úmida, onde não se fazem curativos", explica Leonardo Quinteros Suárex, do Instituto Nacionalreal bet football studioMedicina Legal da Colômbia.
"Também podem ocorrer sangramentos longos, que provocam perda massivareal bet football studiosangue e podem levar à morte."
As sequelas podem afetar a vida cotidiana das meninas e mulheres e complicar partos.
A maioria dos casos desse tiporeal bet football studiomutilação ocorre na África e no Oriente Médio, onde, até 2008, maisreal bet football studio140 milhõesreal bet football studiomeninas e mulheres haviam sofrido algum procedimento do gênero.
A ONU estima que, a cada ano, 3 milhõesreal bet football studiomeninas correm o riscoreal bet football studioser mutiladas e morrer por consequência dissoreal bet football studiotodo o mundo.
Na América Latina, há registros informais da mutilaçãoreal bet football studiogrupos indígenas - e algunsreal bet football studioascendência africana -real bet football studioBrasil e Equador até o México, ainda que se acredite que na maioria deles a prática tenha sido erradicada ou desaparecido.
Mas não entre os emberá, a segunda maior tribo indígena na Colômbia - são cercareal bet football studio250 mil índios -, uma nação que chega às fronteiras do país com o Equador e o Panamá. A ONU está investigando a possibilidadereal bet football studioexistirem casos também nesses países.
"Dizem que eles fazem com uma tesoura ou uma gilete, ou queimam com uma colher - a esquentam no fogo e vão machucando para chamuscar o clitóris da menina", descreve Laura sobre a prática na comunidade emberá (principalmente entre os emberá Chamí).
Outras pessoas me contaram que o corte pode ser feito com a folha afiadareal bet football studiouma planta, e há parteiras tradicionais que dizem fazer a "cura" simplesmente colocando plantas na região da vagina.
Estimativas apontam que duasreal bet football studiocada três mulheres emberá Chamí sofreram a mutilação. Os dados não são confirmados nem oficiais.
'Como assim, vocês não fazem?'
Em 2007, quando os casosreal bet football studioRisaralda vieram à tona, muitos criticaram os emberá,real bet football studioespecial as parteiras tradicionais, geralmente encarregadasreal bet football studiorealizar a mutilação.
Isso acabou causando muita confusão entre eles, que acreditam que a vida é sagrada. Não conseguiam entender como algo que supunham ser benéfico poderia causar a morte.
"O principal desafio é que essa é uma prática tradicional, e muitas comunidades acreditam que não é maléfica", resume Jorge Parra, representante do Fundoreal bet football studioPopulação das Nações Unidas (UNFPA) na Colômbia.
Para os emberá, é um parâmetroreal bet football studionormalidade. Quando uma funcionária do governo foi falar com as mulheres da comunidade, a primeira pergunta que lhe fizeram foi: "Como assim, vocês não fazem?".
Em 2007, órgãos do Estado e entidades internacionais chegaram a considerar se seria o casoreal bet football studiotirar as meninas que haviam sido submetidas à mutilaçãoreal bet football studiosuas mães e entregá-las a uma entidade encarregadareal bet football studiocuidarreal bet football studiocrianças.
Com isso, surgiu o riscoreal bet football studioa comunidade se fecharreal bet football studiosi mesma, ou seja, o riscoreal bet football studioque uma já prática silenciosa ficasse ainda mais ocultada por medo do escárnio público,real bet football studioperder suas filhas ou até mesmo da prisão.
Por que fazem isso?
Há várias explicações sobre as razõesreal bet football studioos emberá e os nasa praticarem a mutilação feminina, mas fundamentalmente se acredita que a prática poderia eliminar o desejoreal bet football studiouma mulherreal bet football studioestar com outros homens que não sejam o marido.
"Assim, ela se torna uma mulher que será aceita pelo homem que se convertareal bet football studioseu esposo", explica Irene Guasiruma.
"Por isso, anteriormente cortavam essa coisinha, porque se a mulher não tem isso, não tem nadareal bet football studiofogosa, não fica excitada", disse.
Mas ela logo assegura: "Pura mentira, até quando se tem isso cortado também se busca outro marido, se trocareal bet football studiomarido".
Entre os emberá, existe ainda a crençareal bet football studioque o clitóris pode crescer e se converterreal bet football studioum pênis.
Tanto que, para demonstrar que isso não ocorria, uma enfermeira do hospitalreal bet football studioMistrató,real bet football studioRisaralda, reuniu um gruporeal bet football studioparteiras emberá, ficou nua e lhes mostrou o próprio clitóris como prova.
A origem
De acordo com o historiador Victor Zuluaga, há três versões sobre a origem dessa prática.
Por um lado está a ideiareal bet football studioque se tratareal bet football studiouma prática ancestral da comunidade; por outro, que foi introduzida por um gruporeal bet football studiomonjas no início do século 20; e, finalmente, que foi algo que os indígenas adaptaram dos escravos negros muçulmanos que vieramreal bet football studioMali no século 18.
Zuluaga está convencidoreal bet football studioque a última hipótese é a mais provável.
"É uma teoria bastante consistente", diz Esmeralda Ruiz, consultora da UNFPA sobre temasreal bet football studiomutilação.
Os defensores dessa teoria acham que, ao esclarecer que não se tratareal bet football studioum costume ancestral da própria tribo, seria mais fácil abandoná-lo.
"Se as parteiras tradicionais acreditam que é da cultura da tribo elas, não vão abandonar a prática. Mas se entendem que não é originária da cultura delas, vão dizer: 'ah então podemos deixarreal bet football studiofazer, não tem problema'", disse Ruiz.
Masreal bet football studioqual dessas teorias os emberá acreditam?
Depende da zona onde vivem, da idade ereal bet football studioquão arraigada está a convicçãoreal bet football studioque se tratareal bet football studiouma prática tradicional.
Alberto Guasiruma, conselheiro ancião da Organização Regional Indígena do Valle del Cauca, explica que neste momento há uma discussão sobre essa ser uma prática que deve ser abandonada ou mantida.
Ele pede ao governo colombiano que as intervenções sejam feitas com basereal bet football studioreflexões internas da própria comunidade.
"É um tema que requer muita reflexão, porque não é uma decisão fácilreal bet football studiotomar. Creio que não é uma decisão das autoridades, mas da comunidadereal bet football studioseu conjunto. E a última palavra é dos anciões. É um tema muito mais das mulheres,real bet football studiocomo elas se sintam melhor".