O que é a síndromewrc betUlisses, que afeta os migrantes:wrc bet

Ilustraçãowrc betmulher com mão na cabeça, que está abaixada

Crédito, BBC MUNDO

Legenda da foto, Os migrantes podem passar por vários tiposwrc betluto, mas certas condições podem causar a síndromewrc betUlisses

E sempre haverá circunstâncias, na chegada ao seu destino, que reduzirão ou agravarão essa situação. Tudo isso, sem dúvidas, traz repercussões sobre a saúde mental.

A fronteira entre a saúde mental e o transtorno

O psiquiatra espanhol Joseba Achotegui é secretário da Associação Mundialwrc betPsiquiatria e trabalha com temas relacionados à migração. Ele começou a observar certas mudançaswrc bet2002.

"As fronteiras foram fechadas, foram criadas políticas mais rígidas contra a migração, as pessoas deixaramwrc better acesso a documentos e havia uma enorme luta pela sobrevivência", contou ele à BBC News Mundo — o serviçowrc betnotíciaswrc betespanhol da BBC.

Essa nova situação trouxe reflexos na forma como chegavam os pacientes para consultá-lo. "Estavam indefesos, assustados, não conseguiam seguir adiante", segundo ele.

Concretamente, ele observou que muitos migrantes que passam por situações difíceis apresentavam "um quadrowrc betreaçãowrc betestresse muito intenso, crônico e múltiplo". Achotegui deu a esse quadro o nomewrc bet"síndromewrc betUlisses".

O psiquiatra esclarece que não se tratawrc betuma patologia, já que "o estresse e o luto são normais na vida", mas salienta a peculiaridade da síndrome que deixa o migrante, novamente,wrc betuma fronteira — não geográfica, mas psicológica, entre a saúde mental e o transtorno.

Luto migratório x síndromewrc betUlisses

Normalmente associamos a palavra "luto" ao sentimento que surge após a mortewrc betum ente querido. Mas os psicólogos relacionam o termo a qualquer perda sofrida pelo ser humano, como sairwrc betum trabalho, a separaçãowrc betum casal ou mudanças no nosso corpo.

"Cada vez que experimentamos uma perda, precisamos nos acostumar a viver sem o que tínhamos e adaptar-nos à nova situação. Ou seja, é preciso trabalhar o luto", explica a psicóloga espanhola Celia Arroyo, especialistawrc betluto migratório.

Assim, o luto migratório está associado a essa grande mudança na vidawrc betuma pessoa. Mas tem características que o tornam especial, já que é um luto "parcial, recorrente e múltiplo".

Paisagem amplawrc betCaracas, com montanhas ao fundo e dia ensolarado

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, É possível sofrer luto pela língua, pelos costumes... ou pela paisagem

Parcial porque não é uma perda total, como ocorre com a mortewrc betalguém; recorrente porque, comowrc betqualquer viagem, pode ser reaberto com a comunicação com o país ou simplesmente olhando uma fotografia no Instagram; e múltiplo, porque não é só uma coisa que se perde, mas muitas.

Joseba Achotegui reuniu essas perdaswrc betsete categorias.

A mais evidente costuma ser a perda da família e dos entes queridos. Existe também a perdawrc betstatus social - algo que, segundo Arroyo, costuma ocorrer com a condiçãowrc betmigrante, mas se, além disso, "o país for xenófobo, surge uma grande adversidade".

Outro luto para o migrante é o da perda da terra: sentir falta, por exemplo,wrc betuma paisagem montanhosa ou dos dias cheioswrc betsol.

Some-se ainda o luto do idioma, que será mais forte nos casoswrc betmigração para um país onde se fala outra língua. Pode ser uma forte barreira, por exemplo, para trâmites burocráticos ou para mandar um simples correio eletrônico.

Existe também a perda dos códigos culturais. Ela pode representar algo simples como não ter com quem dançar uma música típica ou tomar uma bebida local do paíswrc betorigem.

E, associada a essa perda, encontra-se a perdawrc betcontato com o grupowrc betpertencimento - aqueles com quem podemos falar nos mesmos códigos, que entenderão as nossas gírias e a formawrc betver a vida.

A síndromewrc betUlisses ocorre quando, alémwrc betprecisar passar por estes lutos normais, o migrante enfrenta condições difíceis, segundo explica Achotegui.

Ilustraçãowrc betmulher preocupada, com íconeswrc betcoração partido, cifrão e etc ao lado

Crédito, BBC MUNDO

Legenda da foto, Existem vários fatores que podem estressar um migrante no país que o acolhe

Fatores desencadeantes

"Quando há dificuldades ou a pessoa é rejeitada na sociedade que a acolhe, esta síndrome pode acontecer", explica Guillermo Fauce, professorwrc betpsicologia da Universidade Complutensewrc betMadri, na Espanha, e presidente da organização Psicologia sem Fronteiras.

Chegar a um país novo com um trabalho estável é muito diferentewrc betnão ter nenhuma segurança; da mesma forma que ter ou não garantiawrc betteto e comida, ou entrar com visto ou com status legal a definir. Ter ou não certas condições acrescenta pontos e estresse.

"A rejeição que pode causar mais impactos é não ter documentos ou não poder ter acesso a determinados recursos", afirma Fauce.

Já Achotegui explica que esta situação faz com que os migrantes não consigam seguir adiante, gerando tensão e problemaswrc betsobrevivência - outro fator desencadeante da síndrome.

Pode-se acrescentar ao panorama não ter pessoas ao nosso redor para oferecer apoio, não apenas material (onde morar, comer e dormir), mas também emocional. "Muitos migrantes sofrem situaçõeswrc betsolidão, eles estão isolados", destaca Achotegui.

Fauce assinala que existe também um apoio simbólico que, quando ausente, torna-se outro fator desencadeante. Trata-se do reconhecimento e da compreensão das condições do migrante pelo seu entorno, "que ele está passando por uma situação complicada, atravessando muitos lutos e que seja oferecido a ele um períodowrc bettransição na sociedade que o acolheu".

Duas pessoas rindowrc betfesta ao ar livre durante o dia

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Os especialistas recomendam aos migrantes fazer laços com a comunidadewrc betorigem, mas também com a sociedade que os acolhe

Às vezes, pode-se pensar que "o pior" já passou ao cruzar a fronteirawrc betmás condições. Mas, no paíswrc betacolhida, a sensaçãowrc betestar indefeso, sem direitos e os possíveis abusos trabalhistas e sexuais podem dar lugar a um quarto fator desencadeante: o medo.

Os especialistas consultados acrescentam que esta situaçãowrc betvulnerabilidade pode ocasionar a síndromewrc betUlisses, principalmente entre as mulheres.

O que pode acontecer e quando devemos estar alertas

Achotegui esclarece que os sintomas podem ser os mesmoswrc betquando passamos por uma época ruim: dormir mal, dificuldade para relaxar, dores musculares ouwrc betcabeça, tédio, nervosismo e tristeza.

Fauce destaca que, por um lado, o migrante pode entrarwrc betuma espéciewrc betestado depressivo ewrc bettristeza, recolhendo-sewrc betsi mesmo, e, por outro lado, pode ficar hiperativo e ansioso, o que acaba consumindo energia.

Isso pode fazer com que a síndromewrc betUlisses seja confundida com outras doenças mentais, como a depressão ou o estresse pós-traumático, e termine sendo medicada. Mas, neste caso, quando os obstáculos que deram origem à síndrome são solucionados (disponibilidadewrc bettrabalho, certa estabilidade, menos estresse etc.), a síndrome desaparece.

"Se o migrante seguewrc betfrente, consegue trabalho e atinge uma certa estabilidade, mas os sintomas continuam, existe aí algo mais a ser avaliado e é preciso intervirwrc betoutra forma, porque pode ser que haja outra coisa já no plano psiquiátrico, como um quadro depressivo", explica Achotegui.

Equipe femininawrc betfutebol se alongando no campo

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A práticawrc betexercícios e a aproximação da comunidadewrc betorigem podem ajudar a reduzir o estresse

Por isso, quando o mal-estar se tornar permanente ou nos impedirwrc betlevar a vida adiante, é preciso soar o alarme.

Outros sinaiswrc betalerta destacados por Fauce são eventuais acessoswrc betraiva, prejuízo às relações sociais ou "a tomadawrc betatalhos, como o consumowrc betdrogas ou álcool, gastos exorbitantes ou esporteswrc betrisco".

O que fazer ou não fazer

"É fundamental criar uma redewrc betapoio social, manter contato com outros imigrantes e compartilhar moradias", destaca Celia Arroyo. Para isso, é bom procurar migrantes da mesma nacionalidade ou gruposwrc betapoio específicos.

Achotegui afirma que isso traz "menos riscowrc bettranstornos mentais", mas ficar muito ancorado na comunidadewrc betorigem pode causar menos progressos. "Se você não se integrar à sociedadewrc betacolhida, o progresso será difícil. É questãowrc betequilíbrio", explica ele.

Ou seja, o caminho é manter "as raízes" com água, mas sem esquecer as folhas, que devem ficar onde possam receber sol.

Achotegui também recomenda fazer exercícios e atividades que reduzam o estresse.

Já Fauce destaca que "cortes radicais não funcionam, nem decisões drásticas", seja com relação ao paíswrc betorigem ou aowrc betacolhida, bem como às relações criadas nos dois países.

Arroyo destaca que, embora seja difícil fornecer um tempo preciso, se o sofrimento não for reduzidowrc bettrês meses depoiswrc betatingir a estabilidade, é bom pedir ajuda psicológica.

O que os outros podem fazer

A sociedadewrc betacolhida desempenha um papel importante, mas quem não passou por essa situação pode não entender o que significa o luto migratório, nem o estresse prolongado causado pela síndromewrc betUlisses. Por isso, talvez não se saiba como ajudar, o que dizer ou o que fazer.

Celia Arroyo recomenda que o entorno do migrante permita que quem estiver nesta situação possa expressar-se livremente e falar do que acontece e como se sente.

"É importante não minimizar o sofrimento, nem gerar falsas esperanças" ante um futuro incerto quando, por exemplo, o visto e o trabalho não chegam. Comowrc betqualquer luto, é preciso evitar frases como "logo vai passar", "não é para tanto", "isso é medo seu" ou "tudo vai acabar bem".

Achotegui sugere não se compadecer, nem vitimizar. "É preciso aproximar-se com respeito e até com certa admiração. O migrante é uma pessoa forte, alguém que está seguindo adiante."

Por outro lado, é importante respeitarwrc betcultura, mentalidade e visãowrc betmundo.

Se a conexão emocional com alguém nesta situação for difícil, Fauce recorda que todos nós já sofremos alguma perda. Por isso, conectar-se àquela emoção que já tivemos é um bom exercício para criar empatia com o migrante.

E acreditar que, como escreveu a uruguaia Cristina Peri Rossi, emigrar - partir, enfim - é sempre se partirwrc betdois.

- Este texto foi publicado originalmente em http://vesser.net/geral-62571893

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