As imagens escondidasapostapixobras-primas:apostapix

À medida que a inteligência artificial vai se integrando à nossa vida diária, ela começa a ser utilizada para tentar restaurar artefatos culturais preciosos que foram perdidos com o passar do tempo.

Ao longo da história, não era incomum que os artistas reutilizassem suas telas, já que as novas às vezes eram difíceisapostapixencontrar.

Um projeto que chegou às manchetes nos últimos anos, conhecido como Oxia Palus e liderado por dois estudantesapostapixdoutorado - o britânico George Cann e o irlandês Anthony Bourached -, vem tentando recuperar algumas obras que, atualmente, só conhecemos por meioapostapixraios-x.

Suas imagens obtidas com inteligência artificial (a primeira delas veio a públicoapostapix2019) pretendem dar uma ideia da cor e da textura original dos quadros que foram perdidos porque suas telas foram repintadas.

Um dos exemplos é o Retratoapostapixuma Jovem (cercaapostapix1917), do artista italiano Amedeo Modigliani. Nele, os pesquisadores trouxeram à vida uma mulher que o artista tentou esconder.

Acredita-se que essa mulher seja a escritora inglesa Beatrice Hastings, ex-amante do pintor, com quem ele teve um relacionamento notoriamente turbulento. Modigliani pode ter tentado apagar a memóriaapostapixHastings quando o relacionamento terminouapostapix1916, embora diversos outros retratos dela tenham sobrevivido.

Os pesquisadores converteram suas reconstruçõesapostapiximpressões 3D que estão sendo vendidas com o nome NeoMasters.

"Acho que as pessoas se interessam porque são como coisas novas", declarou Bourached à BBC. "Seria incrível ver todas essas obras-primas, que existem, mas ninguém nunca viu porque ninguém iria raspar parteapostapixuma pintura que vale milhões."

Os pesquisadores estão atentos para que as manchetes não simplifiquem demais seu trabalho. "A notícia que chama a atenção é 'inteligência artificial reconstrói uma pintura', como se houvesse um botão que pressionamos e todo o trabalho está feito", afirma Bourached.

Manchetes como essa podem dar a falsa impressãoapostapixque os cientistas estão delegando toda a autoridade para as máquinas, mas, na verdade, "existem muitas instruções humanas ao longo do processo", segundo ele.

A contribuição humana inclui reunir um conjuntoapostapixdados sobre as obras do artista para que a máquina aprenda seu estilo e limpe a imagem obtida com raios-x para remover elementos da superfície da pintura. As imagens resultantes são "em grande parte, a nossa interpretação do que está por baixo", segundo Cann.

Os pesquisadores descrevem o processo como "desajeitado" - apenas um experimento produzido nas suas horas vagas e sem financiamento.

"Um dos pontos que queremos deixar claro é que, mesmo com uma abordagem relativamente simples, podemos fazer isso", acrescenta Bourached. "Espero que outras pessoas assumam esse campoapostapixdesenvolvimento e façam coisas melhores."

Reunir a arte e a ciência

Uma barreira enfrentada pelos pesquisadores é a limitada quantidadeapostapixinformações fornecida pelos raios-x tradicionais, que foram utilizadosapostapixpinturas pela primeira vez no século 19.

Os restauradores também tiram amostras da tela para descobrir mais sobre os materiais, pigmentos e possíveis danos, mas as tecnologias atuaisapostapixvarredura permitem obter todas essas informações sem tocar na obra.

Cinco anos atrás, a Galeria NacionalapostapixLondres adquiriu novos scannersapostapixprimeira linha, capazesapostapixcapturar tantos dados sobre um único quadro que a maioria das organizações culturais não possui equipamento adequado para fazer muito uso deles.

Algumas estão agora iniciando colaborações com outros setoresapostapixuniversidades que podem oferecer computadores mais avançados e conhecimentos mais amplos.

Como parteapostapixuma recente parceria com o University College London (UCL) e o Imperial College London, chamada Arte pela Lente da Tecnologia da Informação e Comunicação (ARTICT, na siglaapostapixinglês), a Galeria Nacional vem produzindo imagens muito mais claras do quadro Dona IsabelapostapixPorcel, do artista espanhol FranciscoapostapixGoya (cercaapostapix1805), o retratoapostapixuma jovem bem vestida usando uma mantilha preta.

Em 1980, foi descoberto um segundo retrato misteriosoapostapixum homem vestido com um colete e casaco por baixo da pintura. Para obter uma imagem mais clara do homem, foi necessário combinar diversas varredurasapostapixdiferentes regiões do espectro eletromagnético, algumas revelando certos aspectos da pintura melhor do que outros.

Inicialmente, esse processo precisou ser feito manualmente, mas, graças às novas pesquisas, ele foi delegado para um computador.

Os pesquisadores do UCL, chefiados pro Miguel Rodrigues, haviam trabalhado anteriormenteapostapixum projeto similar para restaurar o RetábuloapostapixGhent, do pintor flamengo Jan van Eyck (1432). A obra,apostapixgrandes dimensões, é compostaapostapixdiversos painéis, alguns dos quais com o dobro do tamanho dos demais, para que possa ser aberta e fechada na própria igreja, atrás do altar.

Os painéis externos, que exibem a anunciação e uma sérieapostapixpatronos e santos, eram visíveis na maior parte do ano, mas o retábulo era abertoapostapixfestividades especiais, para revelar outras figuras religiosas e a Adoração do Cordeiro Místico.

Os painéis com tamanho duplo produziram camadasapostapiximagensapostapixraios-x que são particularmente difíceisapostapixinterpretar, o que representou um problema para os restauradores, que esperavam estudar diferentes camadas da pintura. O algoritmo desenvolvido por Rodrigues eapostapixequipe conseguiu separá-lasapostapixduas imagens distintas.

Mas atingir esse resultado com as radiografiasapostapixbaixa definição do quadroapostapixGoya é um desafio maior, pois os pesquisadores ainda não tinham ideia da aparência da pintura recoberta. Eles então misturaram radiografiasapostapixoutras pinturas para ver se o algoritmo poderia aprender a separá-los.

Neste caso, o algoritmo pode produzir bons resultados, mas nem sempre se sabe exatamenteapostapixque forma. Para tentar entender melhor este processo, a equipe procurou resultadosapostapixdiferentes pontos do processoapostapixaprendizado e fez experimentos para saber como diferentes formasapostapixalimentação dos dados da máquina poderiam melhorar o resultado.

"Um dos pontos particularmente difíceisapostapixdefinir é o que é bom e o que é melhor", segundo Catherine Higgitt, chefeapostapixCiência da Galeria NacionalapostapixLondres.

"Estamos separando uma imagemapostapixduas imagens hipotéticas, mas o que estamos tentando obter? Algo útil para um restaurador - interessadoapostapixlesões, rachaduras e detalhes ocultos - ou algo que se pareça ao máximo possível com a imagem da superfície?"

Questões como essas demonstram a importância da colaboração entre os cientistas da computação e os especialistasapostapixarte, que orientam as pesquisas rumo a um objetivo útil. Todos enfatizam que os seres humanos estão trabalhandoapostapixconjunto com a IA e não delegando tudo para os aparelhos.

"Os algoritmos não estão respondendo sozinhos a uma questão. Eles estão alimentando um processo", afirma Higgitt.

Alguns acadêmicos questionaram se o retratoapostapixGoya foi atribuído corretamente ao artista. "Entender o retrato oculto pode ajudar a afirmar com mais segurança se a obra éapostapixGoya ou do período correto, mesmo se não pudermos dizer com certeza qual o artista envolvido", segundo Higgitt.

Um especialistaapostapixhistória da arte, por exemplo, pode tentar identificar que roupas o homem da pintura oculta está vestindo e quais materiais foram usados. Até o momento, uma imagem muito mais clara do rosto do homem foi separada da cabeça e do pescoço da mulher, revelando uma expressão sériaapostapixum parapostapixsobrancelhas escuras.

"A conservação sempre aplicou a tecnologia disponível ao tratamento das pinturas", segundo Larry Keith, chefeapostapixConservação da Galeria Nacional. "Não é uma mudança tão grande observar os avanços técnicos atuais. É parteapostapixuma continuidade que remonta a pelo menos 150 anos."

'Desenrolar' pergaminhos antigos

A intenção do trabalho é produzir uma ferramenta que possa ser aplicada a outros problemasapostapixpesquisaapostapixtodo o setorapostapixpatrimônio histórico.

Outro desenvolvimento promissor tem sido o escaneamento e o "desenrolamento virtual"apostapixpergaminhos antigos que são delicados demais para serem abertos fisicamente.

Neste caso, a tomografia computadorizada, a mesma usada na Medicina, combina imagensapostapixraios Xapostapixdiversos ângulos e pode fornecer imagens transversaisapostapixum pergaminho.

Uma equipe da UniversidadeapostapixKentucky, nos Estados Unidos, está trabalhandoapostapixrolosapostapixpapiro encontrados na antiga cidadeapostapixHerculano, na Itália, e carbonizados pela erupção do Vesúvio.

Trechosapostapixpapiro da tomografia foram isoladosapostapixsegmentos, que são aplainados e reunidos,apostapixum processo que é feito manualmente.

As tentativasapostapixfazer com que os elementos metálicos da tinta aparecessem nas imagens não tiveram resultados, pois aparentemente os escribas usavam tintaapostapixcarbono. Por isso, a equipe elaborou modelosapostapixmanuscritos enrolados usando a mesma tinta e ensinaram um algoritmo a prever onde ela apareceria nas imagens.

A técnica ainda está sendo aperfeiçoada, mas a equipe está nos estágios iniciaisapostapixsua aplicação aos rolos não desenroladosapostapixHerculano, que permanecem aguardandoapostapixleitura desde a Antiguidade.

No século 19, rolosapostapixpergaminhos foram abertos por máquinas e forneceram uma ideia do que está à nossa espera. Eles continham antigos textosapostapixgrego e latim, relativos à filosofia epicurista, escritos principalmente pelo poeta Filodemo.

O papirologista e cientista da computação James Brusuelas indica que esses rolos podem ser as cópias mais antigas ainda existentes.

Muitos textos clássicos são conhecidos atualmente a partirapostapixversões medievais, mas, segundo Brusuelas, "quando fazem as coisas manualmente, as pessoas cometem erros, e os romanos não achavam que seria necessariamente uma ideia terrível fazer alterações".

Por isso, se pudermos ler os manuscritos, poderemos nos aproximar mais do que realmente escreveram os grandes filósofos. "Acho que existe uma possibilidade razoavelmente grandeapostapixpodermos conseguir algo novo, possivelmente até algoapostapixque nunca ouvimos falar antes", acrescenta ele.

Recuperando obras perdidas

Alguns desses esforçosapostapixpesquisa conseguem nos mostrar o que ainda existe, mas está escondido, enquanto outros tentam deduzir o que foi perdido. Em 2021, o RijksmuseumapostapixAmsterdã convidou o público a observar a reconstrução, com inteligência artificial, dos painéis perdidos do quadro A Ronda Noturna,apostapixRembrandt.

Antesapostapixser recortada, a obra completa felizmente foi copiada por outro artista holandês, Gerrit Lundens. Os detalhes perdidos são pequenos, mas, na versão completa, o capitão, vestidoapostapixpreto e dando ordens para os guardas civis àapostapixvolta, não está no centro, mas sim mais para a direita.

A reconstrução foi complicada devido às muitas diferenças entre as duas obras. "Existem mudanças na paleta e no estilo e a cópiaapostapixLundens tem menosapostapix20% da escala completa", segundo Rob Erdmann, cientista sênior do Rijksmuseum. Ele também observa que a cópia foi feitaapostapixum painel, enquanto o quadroapostapixRembrandt foi pintado sobre tela.

Sua missão foi reverter esses efeitos, ensinando o algoritmo a converter o estiloapostapixLundens noapostapixRembrandt. "A iluminação chiaroscuro [contraste entre luz e sombra] pela qual ele é conhecido, por exemplo, ou a noçãoapostapixque os seus rostos brilham", segundo ele.

"A rede até imita o craquelê [finas rachaduras] da pintura e eu diria que é o mais científico possível. O que não quer dizer que seja perfeito; a tecnologia sempre irá melhorar", acrescenta Erdmann.

"Não é como ensinar o computador a escrever no estiloapostapixShakespeare. Isso envolve inventividade, criatividade e saber como é o ser humano. É mais como uma máquinaapostapixtradução."

Mas tem havido resistência contra projetos como esses, pois alguns questionaram a precisão sendo atribuída ou até se há algum valor nesse trabalho. Uma iniciativa da plataforma Google Arts & Cultureapostapixrecolorir os quadrosapostapixfaculdade do pintor austríaco Gustav Klimt - que foram destruídosapostapixum incêndio e só são conhecidos por suas fotografiasapostapixpreto e branco - foi considerada por críticos como tendo praticado excessoapostapixlicença artística, reduzindo as obras a "desenhos".

Trabalhando para corrigir o talento artísticoapostapixLundens, Erdmann tenta limitar a contribuição estética humana. Embora a imagem final reconstruída tenha sido aprovada pelos curadores especializados, ela foi escolhida pelo algoritmo e não selecionada pelos especialistas dentre um conjuntoapostapixopções.

"O que estávamos tentando fazer aqui não era dizer que esta é a aparência definitiva dos pedaços que estão faltando", afirma Erdmann. "Quando os pedaços foram recortados, a composição foi alteradaapostapixforma significativa e queremos que o público possa ignorar temporariamente o ceticismo, da mesma forma queapostapixum bom filme ou romance."

"O fac-símile ajuda as pessoas a apreciar o conteúdo ou a aparência original das obrasapostapixarte", segundo Keith. Ele relembra suas visitas a exibições décadas atrás, que usavam projetores com objetivos similares.

Um exemplo ainda mais antigo da Galeria NacionalapostapixLondres é o painel da Santíssima Trindade do RetábuloapostapixPistoia, do pintor italiano Francesco Pesellino. O painel foi desmontadoapostapix1793 e, quando foi remontado (depoisapostapixter sido gradualmente adquirido pela galeria), uma parte que faltava foi repintada para completar a composição.

"Agora temos capacidadeapostapixreproduzir componentes faltantesapostapixforma mais convincente, o que oferece aos curadores mais oportunidadesapostapixpensar sobre a interpretação", segundo Keith. "A questãoapostapixcomo apresentar uma pintura permanece inalterada - existe apenas a influência das novas tecnologias disponíveis."

Projetos como estes, que são inovadoresapostapixseus métodos e deixam claro onde termina o trabalho humano e começa a interpretação humana ou do computador, oferecem a oportunidadeapostapixexplorar qual teria sido a aparência originalapostapixuma obraapostapixarte perdida.

Esses esforços são parteapostapixuma longa tradiçãoapostapixreconstruções históricas, mas, nos últimos anos, elas vêm sendo criadas e frequentemente vivenciadasapostapixforma digital, sem necessidadeapostapixalterar a obra que sobreviveu. Suas melhores tentativas são abertamente inconclusivas e servem principalmenteapostapixpontoapostapixpartida para que a nossa imaginação preencha as lacunas restantes.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.

- Texto originalmente publicadoapostapixhttp://vesser.net/geral-62059608

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