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O que a históriajogos on linefracasso do viagra feminino ensina sobre a sexualidade das mulheres:jogos on line
"Nunca tínhamos visto nada naquela magnitude. Nossa ciência [fisiologia sexual] ainda éjogos on linecerta forma marginalizada, é vista como uma área arriscada. Há muitas companhias que não querem nem chegar perto desse assunto."
Corta a cena. Quase 25 anos e muitos milhõesjogos on linedólares depois, a indústria farmacêutica nunca conseguiu emplacar uma versão da "pílula azul" para as mulheres.
O fracasso, que abriu espaço para uma discussão mais ampla sobre a sexualidade feminina, é também uma história sobre os tabus e os equívocosjogos on linetorno do desejo e da libido das mulheres, como ressaltam os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
A busca pela 'pílula rosa'
A história do viagra masculino é bastante conhecida.
O medicamento hoje usado para disfunção erétil foi descoberto por acaso: "Nós estávamos desenvolvendo um remédio para angina, um problema no coração", conta à BBC News Brasil o médico Mitra Boolell, que trabalhava no departamentojogos on linepesquisas da Pfizer no Reino Unido na época.
"Quando alguns dos participantes dos testes clínicos começaram a relatar que vinham tendo mais ereções que o normal. Nós inicialmente não demos muita atenção, achamos que se devia ao fatojogos on lineos participantes serem homens jovens."
A decisãojogos on lineinvestigar melhor veio quando um trabalho publicado por pesquisadores americanos mostrou como um dos componentes do fármaco que eles vinham testando (chamado inibidor PDE5) agia sobre o tecido do corpo cavernoso do pênis, aumentando a circulação sanguínea na região.
"Meu chefe pediu que organizasse um estudo para entender se aquilo era real ou um 'acidente'", lembra Boolell.
Tempos depois, as pesquisas com o viagra mostrariam que esse aumento da circulação erajogos on linefato capazjogos on lineprovocar ereções ejogos on linemantê-las por mais tempo.
E a primeira abordagem da indústria farmacêutica ao voltar seus esforços para um possível viagra feminino se baseava exatamente nesse princípio: literalmente bombear mais sangue para a vagina e para o clitóris.
"O tecido que dá origem aos órgãos sexuais femininos e masculinos é o mesmo nas fases iniciais do desenvolvimento do feto", explica Boolell.
"Esse tecido vai se diferenciando à medida que é exposto aos hormônios, mas as células-tronco que dão origem aos órgãos sexuais são essencialmente as mesmas [em meninos e meninas]. E a enzima fosfodiesterase tipo 5 [PDE5] também está presente no tecido genital feminino. Então nós pensamos: 'Bom, se funcionou com os homens, tem uma boa chancejogos on lineque tenha impacto nas mulheres'."
Mas não foi bem assim. Os exames fisiológicos chegavam a mostrar um aumento da circulação sanguínea na vagina e no clitóris, mas tanto as participantes do grupo placebo quanto as que estavam tomando viagra não relatavam melhora na função sexual.
Outras farmacêuticas realizando pesquisas semelhantes vinham se deparando com o mesmo problema - o que não chegava a ser surpresa para os especialistasjogos on linefisiologia sexual que já pesquisavam como a questão do fluxo sanguíneo se encaixava na equação da satisfação sexual.
Esse era o caso da cientista Nicole Prause, na época envolvidajogos on lineum dos projetos do viagra feminino nos EUA.
O aumento do fluxojogos on linesangue para os órgãos sexuais também faz parte da resposta sexual feminina. Quando uma mulher fica excitada, o corpo intensifica a circulação sanguínea nas paredes vaginais e no clitóris, que aumentajogos on linetamanho, assim como os pequenos lábios - um processo chamado vasocongestão.
O problema é que, muitas vezes, as mulheres não chegam nem a se dar contajogos on lineque isso acontece.
"Nós estudamos isso por anos e, para as mulheres, não é tão fácil autoavaliar a vasocongestão", ressalta Prause. "Então nós sabíamos que a chancejogos on linefazermos algo nesse sentido ejogos on lineque as mulheres relatassem quejogos on linefato estavam sentindo alguma coisa era praticamente zero."
A maioria dos problemas sexuais das mulheres não tem relação com um fluxo insuficientejogos on linesangue para região genital, destaca Lori Brotto, professora do Departamentojogos on lineObstetrícia e Ginecologia da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e diretora do Laboratóriojogos on lineSaúde Sexual da mesma instituição.
Especialmente o mais comum deles: a perda ou a redução do desejo sexual.
Nos homens, aliás, o viagra não funciona sem desejo - é preciso "ativação" do cérebro para que haja ereção. A questão central, nesse caso, é que o mecanismojogos on linemanifestação do desejo é bastante diferente entre homens e mulheres.
Na visãojogos on linePrause, ainda que tudo isso estivesse claro desde cedo para muitos dos cientistas envolvidos nas pesquisas, o potencialjogos on linevendasjogos on lineuma droga que pudesse chegar ao mercado com o mesmo marketing do viagra fez com que muitas farmacêuticas ignorassem os alertas.
"Nós avisamos que não iria funcionar", ela reitera.
Então estudantejogos on linepós-graduação no prestigioso Kinsey Institute, Prause acompanhava seu mentor quando, no começo dos anos 2000, se envolveujogos on lineum dos projetos do viagra feminino.
Na primeira reunião com o grupo que conduziria a pesquisa, uma surpresa: apenas homens - a maioria acima dos 50 anos, médicos e sem PhD, ou seja, sem treinamento aprofundadojogos on linepesquisa científica.
Prause era a única mulher presente.
"Tinha uma secretária também, que entrava na sala às vezes para servir bolinhos", ela brinca, emendando que acredita que os envolvidos "estavam lá com a melhor das intenções, que queriam ajudar as mulheres e realmente achavam que estavam diantejogos on linealgo que poderia fazer isso".
Ainda assim, a sensação éjogos on lineque "não houve um debate razoável sobre o que é resposta sexual feminina - os gatilhos para o desejo e a excitação, a conexão (ou desconexão) entre o que acontece no cérebro e no restante do corpo - e sobre por que aquela abordagem provavelmente não iria funcionar".
"E isso não é algo único daquela empresa", completa a cientista.
O fracasso da primeira ondajogos on linepesquisas
Boolell concorda que a indústria farmacêutica deveria "ter ouvido mais as mulheres".
Em 2004, quando a Pfizer anunciou que estava suspendendo seu projeto, ele deu uma sériejogos on lineentrevistas para explicar os motivos.
"Há uma desconexãojogos on linemuitas mulheres entre as mudanças na genitália e as mudanças no cérebro [durante a resposta sexual]", disse na ocasião. "Essa desconexão não existe entre os homens. Homens têm ereções consistentemente na presençajogos on linemulheres nuas e querem fazer sexo. Com as mulheres, as coisas dependemjogos on lineuma miríadejogos on linefatores."
Depois do fracasso, as farmacêuticas gradativamente fecharam as torneiras e o ciclo do financiamento abundante para pesquisasjogos on linefisiologia sexual minguou.
Prause, que a essa altura já estava no departamentojogos on linePsiquiatria da Universidade da Califórnia como pesquisadora associada, começou a enfrentar resistência interna na instituição para continuar tocando um estudo sobre orgasmo e depressão.
Apesarjogos on lineter conseguido financiamento privado parajogos on linepesquisa, ouviu da universidade que não poderia aceitar o dinheiro - uma postura que ela atribui ao caráter "controverso"jogos on linesua pesquisa. Terminado seu contrato com a UCLA, ela resolveu fundar a Liberos, um institutojogos on linepesquisa independente.
"Há ainda um grande estigmajogos on linerelação a qualquer coisa que se proponha a lidar com problemas sexuais das mulheres", diz ela.
"Uma pílula é considerado algo 'aceitável', mas qualquer coisa mais ligada à sexualidade é vista por muitas empresas como algo que pode causar dano à imagem, algo que pode ser visto como pornográfico. Há muita resistência."
A nova aposta nos antidepressivos
Passadas quase duas décadas, uma farmacêutica não havia desistido do viagra feminino - mas focavajogos on lineoutro órgão, o cérebro.
Em 2015, a Sprout colocou no mercado o flibanserin, medicamento originalmente desenvolvido como antidepressivo e que atua nos níveis dos hormônios dopamina e serotonina com a promessajogos on lineaumentar a libido feminina.
A droga foi recebidajogos on lineforma crítica pelos especialistas. Primeiramente, pela eficácia, considerada baixa. Nos testes clínicos, o aumento no númerojogos on lineepisódios sexuais satisfatórios (uma medida relativamente subjetiva usada pelo órgão regulatório americano, o FDA, para avaliar essa categoriajogos on linemedicamentos) observadosjogos on lineum mês entre as participantes ficou entre 0,5 a 1, quando comparado aos resultados do grupo submetido ao placebo.
Ou seja, no intervalojogos on lineum mês, as mulheres que tomavam o medicamento relataram um episódio sexual satisfatório - ou menos - a mais do que aquelas que o não tomavam.
Muita gente considerou que o custo-benefício não valia a pena. Ao contrário do viagra, o flibanserin temjogos on lineser tomado diariamente, e pode causar tontura, fadiga e náusea. Também não pode ser consumido por mulheres que ingerem álcool - como o uso é diário, quem opta por tomá-lo temjogos on linepararjogos on linebeber.
A droga chegou a ser rejeitada duas vezes pelo Food and Drug Administration (FDA), o órgão regulatório americano, antesjogos on lineser aprovada.
Uma das vozes críticas foi a da professora do departamentojogos on linePsicologia da Universidadejogos on lineUtah Lisa Diamond, que pesquisa a sexualidade feminina. A cientista chegou a participar, a convite da farmacêutica que lançou o flibanserin,jogos on lineum painel com especialistas que simulava o formato adotado pelo FDA - um procedimento que as empresas às vezes fazem para se preparar melhor para o processo "real".
Com acesso aos dados da pesquisa, chamaram-lhe atenção os registros diários dos relatos dados pelas participantes aos pesquisadores e o fatojogos on lineque as mulheres que estavam no grupo placebo também tinham experimentado aumento da libido.
"A partir do momentojogos on lineque as mulheres começaram a se perguntar sobre desejo, elas passaram a sentir desejo! Não seria mais barato comprar um diário do que tomar uma pílula?", ela brinca.
"Nós obviamente depreendemosjogos on linedados como esses que o desejo é uma experiência complexa. Envolve atenção. Não é como uma bolha que estoura, é uma experiência consciente. E se a única maneira pela qual você consegue medir é perguntando às pessoas, o dado é enviesado. É diferentejogos on lineuma ereção, que é algo observável. A excitação feminina é tão mais complicada..."
Nesse sentido, Diamond menciona uma áreajogos on linepesquisa da sexualidade feminina chamadajogos on lineestudosjogos on lineconcordância, que investiga a conexão e desconexão entre a resposta sexual fisiológica e a resposta cerebral.
Nos homens, na maioria das vezes a excitação sexual subjetiva - ou seja, o que acontece no cérebro - conversa com o que está acontecendo na genitália. O homem sente desejo e tem uma ereção.
No caso das mulheres, é mais comum que ocorra uma desconexão entre as duas esferas. Uma mulher pode ter sinais físicosjogos on lineexcitação - o aumentojogos on linefluxo sanguíneo para a vagina e clitóris, por exemplo -, mas não necessariamente sentir desejo ou vontadejogos on linese engajarjogos on linealguma atividade sexual, e vice-versa.
"Pessoalmente acho que muito disso tem a ver com o fatojogos on lineque, para os meninos, quando estão crescendo, é mais fácil ligar os sentimentos com o que está acontecendo no corpo. Meninas não são encorajadas a explorar o próprio corpo e não têm a menor ideia do que está acontecendo lá embaixo - então muitas mulheres acabam dissociando o corpo da cabeça", diz a pesquisadora.
"E a ideiajogos on lineque você pode consertar isso com uma pílula é uma loucura, é não entender a complexidade do desejo sexual."
O enigma do desejo feminino
As vendas do flibanserin nunca decolaram. O medicamento hoje é licenciadojogos on linepoucos países - o Brasil não está entre eles. Outras abordagens farmacológicas - como o Vyleesi, injeçãojogos on linebremelanotida aprovado nos EUAjogos on line2019 para mulheresjogos on linepré-menopausa com baixa libido - tampouco se mostraram frutíferas.
Parte do fracasso pode ter relação com o fatojogos on lineque o desejo tem uma dimensão psicológica relevante para as mulheres.
É o que ajuda a explicar, por exemplo, porque a baixa libido as afeta mais que aos homens. Depressão, ansiedade, estresse, baixa autoestima, conflitos no relacionamento, vergonha do parceiro - tudo isso interfere mais no desejo feminino do que no masculino, pontua a professora Lori Brotto, da Universidade da Colúmbia Britânica.
"Os homens também se beneficiam dos efeitos dos níveis mais elevadosjogos on linetestosterona, que os permite sentir uma forma mais espontâneajogos on linedesejo", ela acrescenta.
O desejo espontâneo foi durante muito tempo a ideia pré-concebida do que era desejo: uma vontade que simplesmente aparece, como a fome ou a sede. As correntes mais modernas do estudo da sexualidade feminina têm investigado, contudo, o que chamamjogos on linedesejo sexual responsivo, aquele que surge como consequênciajogos on lineum estímulo.
Uma das cientistas que introduziu esse conceito no início dos anos 2000 foi a canadense Rosemary Basson. A pesquisadora também é autora da ideia da resposta sexual cíclica, que questiona o esquema da resposta sexual feminina como algo direto e linear - desejo, excitação, orgasmo e resolução.
Para Basson - e uma legiãojogos on linecientistas hoje -, as coisas não são tão simples assim. O modelo linear tradicional, que vemjogos on lineestudos das décadasjogos on line60 e 70, ignora o que ela descreve como "componentes importantes da satisfação da mulher: confiança, intimidade, respeito, comunicação, afeto e prazer pelo toque".
Segundo ela, a resposta sexual das mulheres pode ser linear - quando não têm parceiro fixo, no iníciojogos on lineum relacionamento, por exemplo. Já mulheresjogos on linerelacionamentos mais longos tendem a experimentar a resposta sexual cíclica,jogos on lineque desejo e excitação são etapasjogos on lineum processo que se retroalimenta e também envolve intimidade emocional e estímulos sexuais psicológicos.
Essa discussão é importante não apenas para entender melhor as mulheres, mas para saber diferenciar o que são problemas quejogos on linefato precisamjogos on linetratamento e o que é da natureza da sexualidade feminina.
Se não uma pílula, o que então?
Lori Brotto, diretora do Laboratóriojogos on lineSaúde Sexual da Universidade da Colúmbia Britânica, vem estudando o usojogos on linemindfulness (atenção plena) para tratar mulheres com baixa libido, com resultados bastante positivos.
Por meio da prática, ela conta, as mulheres conseguiram ganhar mais consciência das mudanças físicas que acontecem antes e durante a atividade sexual - a vasocongestão ou as sensações parecidas com "formigamento" típicas da excitação -, o que pode lhes ajudar a aumentar ou manter o desejo sexual subjetivo.
"Vimos que o mindfulness também atua sobre a miríadejogos on linepensamentos negativos que as mulheres com problemas sexuais têmjogos on linesi mesmas, reduz o níveljogos on lineautocrítica e aumenta a autocompaixão."
Prause acredita que, a essa altura, a indústria farmacêutica tenha desistidojogos on lineprocurar uma pílula que resolva os problemas sexuais das mulheres. "O que tenho visto são startups tocadas individualmente por alguns cientistas com ideias mais inovadoras."
Ajogos on linestartup, a Liberos, ainda realiza pesquisas, mas recentemente a cientista voltou à UCLA.
Da última vezjogos on lineque esteve ligada à universidade,jogos on linemeados dos anos 2010, ela começou a enfrentar dificuldade para continuar seus experimentosjogos on linepsicofisiologia sexual quando um "senhor" que tinha bastante poder sobre a políticajogos on linefinanciamentojogos on linepesquisa na instituição "parecia realmente incomodado" com o que ela se propunha a investigar.
"Eu sempre amei a universidade, a ideiajogos on lineser cientista,jogos on linedescobrir conhecimento - isso sempre teve mais apelo pra mim do que o mercado. Ele se aposentou, eu voltei", ela conta.
Desta vez, ela tentou se colocar numa posição que considera mais segura. Está no departamentojogos on lineMedicina, focadajogos on lineáreas ligadas à sexualidade feminina, mas agora como estatística.
"Eu brinco que ninguém precisajogos on lineum sexólogo, mas todo mundo precisajogos on lineum estatístico…"
Depoisjogos on linetrabalhar com a pesquisa do viagra, Boolell se afastou dos testes clínicos relacionados à sexualidade. Passou por outras farmacêuticas na Suíça, França e Estados Unidos, masjogos on linesetores ligados às cardiopatias e à diabetes, suas áreasjogos on lineexpertise. Hoje atua como consultorjogos on lineLondres.
No fim da conversa por telefone, a reportagem pergunta se ele acha que uma droga vai algum dia resolver os problemas sexuais das mulheres.
"Seria triste se fosse uma pílula, né? Acho que somos mais do que isso."
"As pessoas hoje querem uma pílula para tudo - para perder peso, resolver seus problemas sexuais. Mas o corpo é muito mais do que isso. Nós somos resultadojogos on linemilhõesjogos on lineanosjogos on lineevolução. O corpo humano é uma máquina incrível - e acreditar que uma pílula pode resolver todos os problemas é uma visão acanhada."
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