Xenotransplantes: como porcos podem ser o futuro dos transplantesórgãos:

Porco

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Após uma sérieavanços médicos, esses animais resolverão a escassez globalórgãos?

Se o corpo desencadear um intenso ataque ao órgão externo, serão rasgados buracostodas as células do tecido suíno e o órgão se coagularádentro para fora. Ele ficará manchado, depois azul e completamente pretoquestãominutos. Mas, se não ocorrer a chamada "rejeição hiperaguda", o órgão ficará rosado com o fluxosangue e oxigênio.

"Ele ficou belo e cor-de-rosa... a sala se encheuuma sensaçãoalívio, alegria e esperança. Talvez nós também tenhamos comemorado", afirma a Dra. Locke, da Universidade do AlabamaBirmingham, nos Estados Unidos.

Essa operação foi apenas umauma sérieavanços da medicina que renovaram o interesse no campo dos xenotransplantes.

O usoórgãosanimais no corpo humano é uma ideia antiga e incluiu desde implantestestículoschimpanzés até a substituiçãorins e corações retirados dos nossos parentes primatas - mas estes costumavam terminarmorte do paciente pouco depois. O problema é que o nosso sistema imunológico trata o órgão transplantado como uma infecção e o ataca.

Universidade do AlabamaBirmingham

Crédito, Steve Wood

Legenda da foto, Equipe cirúrgica da Universidade do AlabamaBirmingham, nos Estados Unidos

Atualmente, a medicina está concentrada nos porcos, pois seus órgãos são mais ou menos do tamanho certo e nós temos séculosexperiência criando suínos. Mas o desafio da rejeição hiperaguda - manter os órgãos cor-de-rosa e não pretos - permanece. Você não pode simplesmente aparecer na fazenda, escolher um porco, abatê-lo e transplantar seus órgãos. Foram necessários enormes avanços da engenharia genética para alterar o DNA dos porcos e tornar seus órgãos mais compatíveis com os nossos sistemas imunológicos.

Os recentes transplantesrim e coração utilizaram órgãos dos "porcos10 genes", especialmente projetados para essa função. Eles possuem um ajuste genético para evitar que seus órgãos doados reajam aos hormônios do crescimento humano e cresçam foracontrole.

Outra alteração importante remove uma moléculaaçúcar, chamada alfa-Gal, que se adere à superfície das células dos porcos e age como se fosse um luminosoneon gigante que marca o tecido como sendo totalmente externo. Um braço do nosso sistema imunológico, chamadosistema complementar, patrulha constantemente o corpobuscaalfa-Gal. É por isso que os órgãos podem ser rejeitados e mortos momentos após o transplante.

Dois outros "sinaisneon" foram removidos geneticamente e seis sinais humanos foram acrescentados, agindo como uma redecamuflagem sobre as células dos porcos para ajudar a escondê-las do nosso sistema imunológico. Os porcos10 genes resultantes são então criadoscondições estéreis para que sejam adequados para o transplante.

O rim e o coração

Um parrins suínos foi transplantado para o corpoJim Parsons apósmorte cerebral,2021. Parsons queria ser doadorórgãos e, quando ele morreu, rinsporcos foram colocados no lugar dos seus rins doados, com a permissão da família.

A Dra. Locke descreve como "notável" o momentoque um dos rins começou a produzir urina. Ela acredita que os xenotransplantes podem "realmente mudar a vida das pessoas e, honestamente, salvar as suas vidas". Ela espera começar testes clínicos ainda este ano.

Jim Parsons

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, FamíliaJim Parsons deu permissão para transplanterins suínos para seu corpo após morte

Essa operação foi um experimento que durou três dias. Enquanto isso, os cirurgiões do Centro Médico da UniversidadeMaryland, nos Estados Unidos, estavam prestes a avançar um pouco mais.

Seu paciente David Bennett, com 57 anosidade, havia sofrido uma forte parada cardíaca. Ele não era considerado apto a receber um transplantecoração humano e era mantido vivo por uma máquinaoxigenação por membrana extracorporal (Ecmo, na siglainglês), que sustentava seu coração e seus pulmões.

Bennett descreveu o implanteum coraçãoporco como um "tiro no escuro".

Um 'porco10 genes' foi levado ao hospital e, no dia 7janeiro, seu coração foi colocado no peitoDavid Bennett. A operação foi trabalhosa porque o coração doenteBennett havia inchado,forma que foi um desafio ligar os vasos sanguíneos ao coração menor do porco.

Novamente sobreveio aquele momento nervoso para ver se o coração seria rapidamente rejeitado, mas ele estava batendo e permaneceu cor-de-rosa. Muhammad Mohiuddin, diretor do hospitalxenotransplante cardíaco, afirmou que não esperava testemunhar isso "no meu tempovida".

Quando falei com ele um mês após a operação, Bennett disse que não havia sinaisrejeição do órgão, mas ele ainda estava debilitado. "Nós colocamos o motoruma Ferrari novaum carro dos anos 1960. O motor está trabalhando muito bem, mas o resto do corpo precisa se ajustar", disse o Dr. Mohiuddin.

Transplantecoraçãoporco

Crédito, UMSOM

Legenda da foto, Primeiro transplantecoraçãoporcoum ser humano foi realizadoBaltimore, nos Estados Unidos

Mas David Bennett morreu dois meses após o transplante. A causa e as consequentes implicações para os xenotransplantes ainda não estão claras.

Bennett estava muito fraco antes da operação e é possível que até o coração novo não fosse suficiente. Não foi relatado nenhum sinalrejeição do órgão, mas, se a análise detalhada do coração demonstrar sinaisataque do sistema imunológico, o porco10 genes poderá precisaroutras modificações para tornar seus órgãos apropriados para o corpo humano.

Poderá também ser questãoanatomia - os coraçõesporcos podem não ser adequados para funcionarseres humanos. Os nossos corações precisam trabalhar muito mais contra a gravidade que os dos porcos, já que nós andamos com duas pernas e não com quatro.

Chris Denning, professorbiologiacélulas-tronco da UniversidadeNottingham, no Reino Unido, afirma que superar a rejeição hiperaguda significou que o transplantecoração pode ser considerado "um sucesso". Para ele, se a questão era a fragilidade do paciente, os xenotransplantes "poderão ser bem sucedidos no futuro", mas, se o problema foi a anatomia, a questão poderia "ser potencialmente impeditiva".

O hospital tem planoscontinuar com seus testes clínicos.

Cirurgião Bartley P. Griffith com David Bennett,janeiro2022

Crédito, EscolaMedicina da UniversidadeMaryland

Legenda da foto, Cirurgião Bartley P. Griffith com David Bennett,janeiro2022

Os coraçõesporcos não precisam ser tão bons quanto os humanos para, ainda assim, salvar uma enorme quantidadevidas, segundo John Wallwork, um dos principais cirurgiõestransplantes do Reino Unido. Muitas pessoas morrem simplesmente esperando pelo transplante.

O Prof. Wallwork, que realizou o primeiro transplantecoração, pulmão e fígado do mundo e foi um dos pioneiros dos xenotransplantes, afirma que é melhor dar a mil pessoas uma probabilidade70%sobrevivência com um coração suíno que dar a 100 pessoas uma possibilidade85% com um coração humano.

"Mesmo se não fosse tão bom quanto um transplante humano, ainda teríamos trazido mais benefícios do que sem o transplante nos mil pacientes", afirma ele.

O xenotransplante sempre pareceu o próximo grande avanço da medicinatransplantes. Sem dúvida, já foram realizadas diversas operações históricas, mas apenas mais pesquisas nos dirão se esse campo e seus grandiosos sonhos algum dia se tornarão realidade.

"Nosso objetivo seria ter um porco modificado com 10 genes capazsalvar um paciente com falência renal, um paciente com falência do fígado, um paciente com parada cardíaca e um paciente com doença pulmonarestágio terminal", acrescenta a Dra. Locke. "Esta seria uma realização notável e eu realmente acredito que vou viver para ver isso acontecer."

*James Gallagher apresenta o programa "Inside Health" na BBC Rádio 4. Sua conta no Twitter é @JamesTGallagher. Ouça o episódio "Órgãosporcos para transplantepacientes" (em inglês), disponível na formapodcast.

Línea

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