O desafioconstruir aeronaves para voaroutros planetas:

Artehelicóptero voando sobre Marte

Crédito, Crédito: Nasa/JPL

Legenda da foto, Artehelicóptero voando sobre Marte

Em uma hora, o Dragonfly voará mais do que qualquer sondasuperfície já viajououtro planeta. O veículoformadrone com múltiplos rotores voará sobre Titã, pousando por um diaTitã (equivalente a 16 dias terrestres) para conduzir experimentos antesvoar para o seu próximo destino.

Mas o maior desafio - e talvez a maior oportunidade - da aviação extraterrestre é Vênus, o planeta terrivelmente quente, com seus extremospressão, temperatura e atmosfera ácida. Nenhum veículo sobreviveu por mais127 minutos nasuperfície similar a ardósia, cheiarachaduras.

Mas os cientistas estão propondo enviar duas aeronaves para Vênus. Uma,formaplanador, movida a energia solar, que pode voar indefinidamente pela atmosfera superior e mais favorável do planeta. A outra é um projetoasa voadora que voará através das condições hostis próximas à superfície.

"O desenvolvimento da tecnologia para poder pousarVênus é difícil", segundo Eldar Noe Dobrea, cientista sênior do InstitutoCiências Planetárias, na Califórnia (Estados Unidos), que está desenvolvendo os conceitos das missões para Vênus. "A única alternativa é voar pela atmosfera."

Teddy Tzanetos, tecnólogorobótica do GrupoMobilidade Aérea e líder da equipe do Helicóptero Marciano Ingenuity, já está trabalhando nos projetos para a próxima geraçãohelicópteros marcianos. "Sabemos o que o primeiro voo dos irmãos Wright trouxe para a humanidade aqui na Terra e acho que seguiremos o mesmo modelooutros planetas", afirma ele.

Um pequeno helicóptero como o Ingenuity (à direita) possibilita uma forma diferentemapear outros mundos, que é uma alternativa ao método trabalhoso conduzido por sondassuperfície como o Curiosity

Crédito, Devromb/Getty Images

Legenda da foto, Um pequeno helicóptero como o Ingenuity (à direita) possibilita uma forma diferentemapear outros mundos, que é uma alternativa ao método trabalhoso conduzido por sondassuperfície como o Curiosity

"Eu não havia pensadouma analogia como essa, mas o Dragonfly é o próximo passo depois do primeiro voo do Ingenuity", afirma Elizabeth "Zibi" Turtle, que é a principal pesquisadora do LaboratórioFísica Aplicada da Universidade Johns Hopkins. "Ele será o primeiro veículo [aéreo] a transportar toda acarga científicaum lugar para outro."

Como fizeram os pioneiros da aviação polar, os engenheiros da Nasa perceberam como os veículos aéreos poderiam revolucionar a exploraçãonovos mundos. Máquinas emblemáticas como os veículossuperfície marcianos Viking e Curiosity e satélites como Cassini,Titã, continuarão a desempenhar papéis importantes na exploração onde houver atmosfera apropriada, mas poderá haver outras opções.

Dirigíveis, helicópteros, drones e até aviões propulsores infláveis, robóticos e controlados (todos propostos pelos cientistas da Nasa), poderão recolher rapidamente dadosalta qualidade sobre grandes áreas da superfícieum planeta, evitar terrenos perigosos, coletar imagens detalhadas que são impossíveisobter com sondassuperfície ou satélites e observar os alvos das missõesdiferentes pontosvista.

Veículos aéreos como esses podem também ir aonde os veículossuperfície não conseguem, como montanhas, picos e até a superfície inóspitaVênus. O problema dos engenheiros da Nasa é que o ambientecada planeta impõe restrições diferentes sobre o tipoaeronave, suas cargas e capacidades. E a tecnologia disponível para os engenheiros apresenta restrições similares.

Como na ficção?

Wernher von Braun, projetista do foguete Saturno 5, idealizou o pousoMarteum planador hipersônico. O escritorficção científica Philip K. Dick imaginou colonizadores humanosMartehelicópteros. Os engenheiros da Nasa começaram a buscar conceitos para uma aeronave marciana depois dos veículossuperfície Viking nos anos 1970, cujas características originaram o drone Predator, atualmente utilizado pelas forças armadas americanas.

A atmosferaMarte tem menos1% da espessura da atmosfera da Terra, o que torna muito difícil que uma aeronave consiga levantar voo no planeta. Isso significa, porvez, que um helicóptero marciano deve ser muito leve, mas ainda poder carregar suas bateriasíonslítio, sensores e câmeras, bem como o aquecimento e isolamento necessários para mantê-lofuncionamento nas frias noites marcianas.

Helicóptero Dragonfly

Crédito, Nasa/Johns Hopkins APL

Legenda da foto, Um helicóptero robusto como o Dragonfly poderá ser alimentado por um pequeno reator nuclear

"Se você conseguir resolver todos esses problemas e construir uma aeronave que pese menos1,8 kg, você então tem o Ingenuity", afirma Tzanetos. "Nosso engenheiro-chefe e membros da nossa equipe começaram a examinar a ideiaum helicóptero marciano nos anos 1990, mas a tecnologia ainda não existia. Já nos anos 2010, ela estava lá para os demonstradores tecnológicos."

A equipe também considerou uma aeronaveasas fixas, mas,Marte, o helicóptero faz mais sentido porque operaria sem pistasaviação.

A Nasa tem nove diferentes níveisprontidãotecnologia (TRL, na siglainglês), que variamTRL1 ("princípios básicos foram observados e relatados") até TRL9 ("voo comprovado"missõesoperação).

Nos anos 1990, o tipobateria necessário para alimentar o Ingenuity havia acabadoser descoberto e poucos haviam percebido o potencialmateriais como a fibracarbono. Da mesma forma, os sensores, peçascomputadorbaixo peso e algoritmos para fazer a máquina voar ainda não estavam suficientemente desenvolvidos - nem o conhecimento humano daconstrução e voo.

Mais20 anos se passaram e agora a situação é diferente. Atualmente, na Terra, drones entregam pacotes e vacinas, alémserem usados para supervisionar plantações e sítios arqueológicos. "Foi realmente a confluênciatodas essas tecnologias que veio no momento certo para permitir [a construção do] Ingenuity", explica Tzanetos.

O Dragonfly conseguirá criar seus próprios mapasTitã enquanto voa sobre a superfície do satélite

Crédito, Nasa/Johns Hopkins APL

Legenda da foto, O Dragonfly conseguirá criar seus próprios mapasTitã enquanto voa sobre a superfície do satélite

O Ingenuity realizou seus voosteste e continua voando. "O principal objetivo era comprovar que ele poderia voarMarte e conseguimos fazer 19 voos", afirma Tzanetos. "O maior impacto que podemos deixar para o futuro é continuar a fazer o Ingenuity voar. Cada voo que realizamos com sucesso fornece um tesourodadosengenharia que serão fundamentais para as gerações futuras."

Tzanetos afirma que a equipe também está trabalhandoprojetoshelicópteros que possam transportar cargas muito mais pesadas por distâncias muito maiores. "Queremos ter as respostas quando a Nasa fizer as perguntas", segundo ele.

Titã é o extremo opostoMarte. A luaSaturno tem o tamanhoum planeta e possui uma crosta superficial cobertagelo, sob a qual existe um oceano que cobre todo o planeta.

Ela é terrivelmente fria e lá chove metano. Sugeriu-se que barcos poderiam explorar a superfície da lua, enquanto submarinos explorariam o mar abaixo da superfície e aeronaves voariam pela atmosfera.

"O ambienteTitã,fato, é único e apropriado para exploração com equipamento mais pesado que o ar", segundo Melissa G. Trainer, uma das principais pesquisadoras da missão Dragonfly. Titã tem baixa gravidade e atmosfera densa, o que significa que aviões e helicópteros podem ter tamanho maior, transportar cargas mais pesadas e oferecer mais recursos queum planeta como Marte.

O ambienteTitã indica que um helicóptero como o Dragonfly pode carregar a potente bateria nuclear da Nasa, que é necessária para os objetivos científicos da missão, além dos próprios experimentos, do hardwarecomputador e dos resistentes esquisaterrissagem necessários para pousar na superfície acidentada do satélite.

Os mapasTitã existentes não são suficientemente detalhados, mas o helicóptero voará sobre um possível localaterrissagem e seguirá voando se não for seguro descer. "O Dragonfly fará seus próprios mapasTitã enquanto voa", afirma Trainer. "Essa abordagem evasiva é a opção menos perigosa."

Já Marte apresenta vantagens sobre Titãum aspecto. "O conjuntosatélitesvoltaMarte que está lá há décadas pode fazer a verificação para o Ingenuity e funcionar como repetidor", segundo Turtle. "O Dragonfly precisa comunicar-se diretamente com a Terra e com os próprios batedores locais."

Protótiposondassuperfície simples

Crédito, Crédito: Nasa/Johns Hopkins APL

Legenda da foto, Sondassuperfície simples e robustasformatanques poderão ser necessárias para explorar alguns dos planetas mais inóspitos do nosso Sistema Solar

Leva menosum dia para que os dados viajemMarte para a Terra para análise e as ordens para o Ingenuity serem enviadasvolta. Em Titã, esse tempo será muito maior.

'Tremendo desafio'

A próxima expedição aérea pode ser para o planeta irmão da Terra, Vênus. A atmosfera do planeta é 90 vezes mais densa que a da Terra. Sua temperatura écerca475 °C e a pressão é93 bar, equivalente a 1,6 mil metrosprofundidade nos oceanos terrestres.

"A atmosferaVênus é horrível, mas também é ótima", afirma Dobrea. "Existe uma enorme coberturanuvens com 20 kmespessura que começa a 50 km acima da superfície e vai até 70 km - ela é mais densa que a atmosfera da Terra e é mais fácil voar através dela. Deve ser possível fazer um avião movido a energia solar voar quase indefinidamente nessa altitude com a tecnologia existente."

O seu segundo conceitoaeronave voará mais perto da superfície. É um "tremendo desafio", segundo ele, devido ao calor extremo, à faltaluz para energia solar e à alta pressão.

Essa aeronave usa um motor do tipo Stirling para converter o calor extremo perto da superfícieenergia para alimentar a aeronavealtitudes maiores e mais frias. Seria um dentre poucos aviões já alimentados por esse motor.

Mas poderá haver outra opção: balões. Foi um balão que realizou o primeiro voo da humanidadeoutro planeta. Em junho1985, a missão soviético-europeia Vega lançou dois enormes balões esféricos na atmosferaVênus. Seus instrumentos foram penduradosuma gôndola embaixo deles.

"Nós sabíamos que os dois balões haviam sido lançados, mas não se eles haviam sobrevivido", segundo Robert Preston, líder do projeto norte-americanorastreamento dos balões. "Tudo o que víamos na tela do osciloscópio era ruído e nada além disso. Até que chegou um sinal fraco."

"Eu me lembrosair da salacontrole e olhar para Vênus brilhando no céu, no início da manhã, e pensar: 'eu estou lá'", ele conta.

Os balões Vega flutuaram a uma altitudecerca54 km para coletar 46 horasdados atmosféricos. "Quando analisamos o sucesso dos balões Vega, a resposta correta é que eles foram 'extremamente' bem sucedidos", afirma Jay Gallentine, historiador espacial e autor do livro Ambassadors from Earth: Pioneering Explorations with Unmanned Spacecraft ("Embaixadores da Terra: explorações pioneiras com espaçonaves não tripuladas",tradução livre).

"Sei que teremos aeronaves novamenteMarte no futuro", afirma Tzanetos, "e, com o Ingenuity, estamos acrescentando uma nova ferramenta. Tudo o que aprendemos ajudará outras gerações a explorar não apenas Marte, mas também planetasoutros sistemas solares."

Sondasuperfície Har-V

Crédito, Crédito: Nasa/Johns Hopkins APL

Legenda da foto, A sondasuperfície Har-V usa circuitos eletrônicos simples, mas robustos, que podem suportar a pressão e as temperaturasambientes como oVênus

Mas esse pode ser um desafio ainda maior, segundo adverte o cientista da Nasa Jonathan Sauder, do GrupoInfusão Tecnológica JPL. Para ele, "se você começar a examinar os planetas fora do nosso sistema solar, tudo começa a ficar realmente alucinante. Existem planetas feitosgelo ou que têm metais na atmosfera. Existem alguns para os quais não poderíamos enviar nada que conhecemos hoje sem que fosse totalmente destruído, mas existem outros planetas mais parecidos com a Terra."

Sejam quais forem os diferentes ambientes, a física será a mesma, independentementequal seja o sistema solar explorado pela humanidade terrestre. "As lições que aprendemos com a operaçãoaeronaves autônomasoutros planetas do nosso sistema solar são os blocosconstruçãocomo a humanidade voará no futuro", afirma Tzanetos.

Sauder está projetando um veículosuperfície que possa sobreviverVênus. Os mecanismos criados para o que ele chamou inicialmenteSondaSuperfície Automática para Ambientes Extremos (Aree, na siglainglês) poderão um dia ser encontradosveículossuperfície explorando Mercúrio esondas flutuando profundamente nos planetas gigantes gasosos, alémmáquinas explorando o interior da própria Terra.

"Com relação à construçãoum veículosuperfície para Vênus, o ambiente extremo significa que muitos dos componentes tradicionais que colocamos nas espaçonaves não funcionarão", afirma ele. A pressão força o ácido da atmosfera para os componentes, o que significa que eles precisam ser feitosaço inoxidável ou titânio. A alta temperatura funde os circuitos eletrônicos.

Qual a soluçãoSauder? "Vamos fazer um robô totalmente mecânico, um autômato, uma sonda retrofuturista." O projeto inicial tinha até pernasvezrodas, inspiradas nas enormes esculturas mecânicas movidas a energia eólica, conhecidas como strandbeests, do artista holandês Theo Jansen.

Esculturas mecânicas chamadas "Strandbeests"

Crédito, Crédito: Nasa/Johns Hopkins APL

Legenda da foto, Alguns dos conceitos da Nasa são baseados nas esculturas mecânicas chamadas "Strandbeests" do artista holandês Theo Jansen

Para detectar e desviarobstáculos, o veículosuperfície usa um sistemarolos e para-choques que, como um brinquedocriança, fazem o veículo parar quando atinge um obstáculo e mover-se novamente para frentedireção levemente diferente. "Poderá não ser o mais eficiente, mas é robusto, confiável e funcionará naquele ambiente", afirma Sauder.

Mas resultou ser muito difícil eliminar todos os circuitos eletrônicos. Por isso, circuitos eletrônicos básicos que podem funcionaraltas temperaturas são utilizados para medir a temperatura e a composição química, transmitindo os dados para o satélite. Isso fez com que a sonda precisasse ter seu nome substituído para Sonda Automática Híbrida-Vênus (Har-V, na siglainglês).

E existe a questão da energia para fazê-la funcionar. Solar não é possível porque Vênus tem nuvens espessas e noites que duram 60 dias. Por isso, os engenheiros da Nasa voltaram-se para a energia eólica para alimentar diretamente os sistemas mecânicos da sonda. A câmera e os sensores químicos são ainda mais complicados e até agora não foram desenvolvidos.

A possibilidade que as rodas do Har-V pousemVênus pode ser reduzida, mas existe a possibilidadeque o seu projeto venha a influenciar a sonda que irá até lá.

"Estou confiante que, um dia, teremos sondas sobre a superfícieVênus e que as lições aprendidas com a arquitetura do Har-V influenciarão esses projetos", conclui Sauder.

*Mark Piesing é jornalista freelancer especializadoaviação e autor do livro N-4 Down: The Hunt for the Arctic Airship Italia ("A queda do N-4: a busca pela aeronave polar Itália",tradução livre).

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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