FernandoNoronha: invasor, peixe-leão vira alvobuscas por cientistas, mergulhadores e até turistas:
"O mar não tem barreira, então o bicho pode ir para qualquer lugar que ele quiser, e nós somos poucos", explica Araújo, que tem coordenado as operações com empresasmergulho locais.
"O melhor seria que ele não tivesse aparecido, mas agora que chegou, é praticamente impossível que não se estabeleça. Noronha é um local equilibrado, com uma fauna marinha muito grande, a água é quente", diz o pesquisador, apontando que o peixe-leão não tem predadores no arquipélago (cuja ilha principal é homônima, FernandoNoronha) e, por outro lado, tem alimentosplenitude, principalmente peixes pequenos.
"Ou seja, ele tem todas todas as condições favoráveis para se desenvolver aqui. Temos encontrado animais super sadios. Ele já se estabeleceu e deve estar se reproduzindo."
Depois do primeiro avistamentoum peixe-leão, no final2020, não houve mais avistamentos registrados no primeiro semestre2021. E então, a partirjulho2021, todo mês houve avistamentos. Até 24fevereiro deste ano, foram registrados no total 62 peixes avistados e 38 coletados.
Os peixes encontrados são capturados, mortos e congelados até serem encaminhados para estudo na Universidade FederalPernambuco (UFPE) e na Universidade Federal Fluminense (UFF) — parte deles seguem para os Estados Unidos, onde estão sendo feitas análises genéticas com o objetivoesclarecer a origem dos animais. Os resultados destas análises ainda não estão disponíveis, mas elas ajudarão, entre outras coisas, a responder precisamente qual espécie está vivendoNoronha, já que são duas que costumam invadir habitats e são chamadaspeixe-leão: Pterois miles e Pterois volitans.
A cada peixe capturado, são registradas informações sobre localque foi encontrado e seu comprimento, que tem aumentado com o passar dos meses — passando dos 18 cmnovembro2021. Também há previsãoanálise do que está no estômago dos animais, para que se possa entender exatamente que espécies ele está predando.
Mobilizaçãomergulhadores
Embora haja sinaisque o peixe-leão está gostando bastanteFernandoNoronha, o arquipélago tem uma característica que tem favorecido aqueles que estão participando das buscas pelo animal.
Por ser um dos principais destinos turísticos no Brasil, inclusive no segmento do mergulho, Noronha tem "sempre olhos" debaixo d'água — os dos mergulhadores — capazeseventualmente encontrar um peixe-leão, explica Ricardo Araújo.
"O que tem funcionado muito realmente é essa relação com as empresasmergulho, basicamente é com eles que a gente tem feito o manejo", diz o pesquisador do ICMBio.
"A empresa sai para fazer um mergulho com o visitante, e no meio dessa atividade, o mergulhador que está trabalhando avista o peixe-leão. Se já está com o equipamento, ele mesmo pode recolher esse animal. Se não, ele relata ao ICMBio."
O órgão ambiental já fez capacitações com quatro turmasmergulhadores para prepará-los para o avistamento e captura destes peixes. Também foi solicitado que os instrutoresmergulho mostrem fotos do peixe aos turistas e os orientem como proceder ao avistar um — alémtudo, o peixe-leão tem espinhos venenosos pelo corpo, que podem causar muita dor e eventualmente reações alérgicas graves.
Aliás, já houve três informesturistas do que seriam avistamentospeixes-leões, mas segundo Araújo, eles não procediam.
Os avistamentos costumam acontecer durante a prática do mergulho autônomo (com equipamento autônomorespiração) e longe da areia, mais ao fundo. Por isso, quem tem ajudado a encontrar peixes-leão são mergulhadores muito experientes que conhecem bem as espécies da ilha e vão até as faixasprofundidadeque os animais invasores têm circulado. Alguns dos mergulhadores e a equipe do ICMBio têm um grupo no WhatsApp para trocar informações sobre avistamentos.
Mergulhador e proprietário da escolamergulho Sea Paradise, Fernando Rodrigues conta queequipe foi a primeira a avistar o peixe-leãoNoronha,dezembro2020um pontomergulho chamado Laje dos Cabos.
"A gente filmou, entroucontato com diversos cientistas e com o ICMBio, e eles nos orientaram como deveria fazer dali pra frente", lembra Rodrigues, acrescentando que ele eequipe já trabalham há algum tempo com cientistassuas expedições.
"Hoje, a gente já tem avistamentospeixe-leão a 85m, 50mprofundidade... E a gente já chegou a ver oito peixes-leãoum único mergulho. Então, hoje, a gente está só confirmando o que especialistas falam: que é um peixe que se reproduz muito rápido e tem uma capacidadeadaptação muito grande. AquiNoronha, ele encontrou um paraíso."
Além dos avistamentos durante as atividades cotidianas com turistas, há as operações periódicasque as empresasmergulho se revezam cedendo seus barcos e equipamentos para buscar por peixes-leão. Além da Sea Paradise, a empresa Noronha Diver é uma delas.
"Desde o começo, as empresas se colocaram à disposição do ICMBio. Lógico que é uma filantropia, mas todo mundoNoronha vive do turismo e do mar. O mergulho é a principal atividade turísticaFernandoNoronha, então nós temos que preservar o mar, porque é disso que a gente vive. Não tem nenhum sentido a gente não fazer isso", explica Paulo Ferreira, diretor da Noronha Diver e mergulhador desde 1986.
Peixes soltosaquários
O biólogo brasileiro Paulo Bertuol sabe bem da importânciaenvolver mergulhadores no controle do peixe-leão.
Ele mora desde 2012Bonaire, uma pequena ilha no Caribeque o peixe-leão foi capturado pela primeira vez2009, segundo conta. Embora ainda não para se estabelecer definitivamente, Bertuol já foi2010 fazer uma consultoria na ilha caribenha para tentar controlar o animal.
Hoje, ele é biólogo sênior da fundação Stinapa, que administra os parques terrestre e marinhoBonaire. No ano passado, ele esteveFernandoNoronha, onde fez uma apresentação e treinamentos com a equipe do ICMBio e mergulhadores para fazer o controle do peixe-leão.
"Peguei a situação (do peixe-leãoBonaire) bem no começo, então essa experiência foi extremamente válida até para compartilhar com FernandoNoronha, porque eu peguei mais ou menos o estágio (da invasão) que ocorre lá. Levei algumas ideias para eles e estimulei o ICMBio o máximo possível a compartilhar e utilizar os recursos da indústria do mergulho, porque é a melhor maneiratentar se controlar o peixe-leão. É o que fezBonaire um casosucesso", diz Bertuol, apontando que nos últimos anos a ilhaque trabalha manteve a densidadepeixes-leão por hectare "relativamente estável".
O biólogo, graduado na Universidade FederalSanta Catarina (UFSC) e mestreciência e tecnologia ambiental pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), explica que espécies exóticas são aquelas que não são nativasum lugar — e estas se tornam invasoras no momentoque causam um desequilíbrio e danos à fauna local.
Quando perguntado pela reportagem se é uma lenda o relatoque os peixes-leão se tornaram invasores depoisserem despejados do cativeiroaquários para o mar, Bertuol diz que esta versão é verdadeira.
"Possivelmente são dois fatores principais (que explicam o aparecimento do peixe-leão como invasor). Tem uma corrente que diz que pode ter sido a partirum aquarium nos EUAque os tanques quebraram depoisum furacão, e os peixes escaparam. E tem outra corrente que diz que as pessoas tinham o peixe-leão como pet,repente ele cresce e começa a comer outros peixes do aquário, e as pessoas soltam no mar. É interessante porque essa é uma história recorrentevárias invasõesdiferentes espécies: a pessoa tem um pet exótico erepente, por qualquer motivo, solta na natureza."
Segundo o especialista, há ainda uma terceria via para a propagação: a águalastronavios e plataformas que acabam carregando águas com larvas dos peixes.
Para ele, possivelmente os animais que chegaram a Noronha têm origemlarvas e peixes-leão que, com as correntes marítimas, desceram do Caribe para a América do Sul, com alguma passagem pelo rio Amazonas (o animal tem a capacidadesuportar por algum tempoágua doce). Já foram encontrados pontualmente alguns peixes-leão na foz do rio Amazonas no Pará, assim comoArraial do Cabo (RJ) — masnenhum destes lugares ele se estabeleceu firmemente comoNoronha.
"Eu acho quealgum momento vai chegar na costa do Brasil inteira, é algo que não tem muito como evitar", lamenta Bertuol.
Uma futura iguaria para Noronha?
Ao menos, o Brasil terá exemplos para se inspirar.
Em Bonaire, uma "estratégia importantíssima" para o controle do animal foi, segundo Paulo Bertuol, o estímulo ao consumo do peixe-leão — que ele diz ser "delicioso". Foram organizados eventos para a população local provar o peixe, e chefescozinha foram estimulados a incluí-losuas receitas.
"Hoje, Bonaire é a ilha no Caribe que paga mais caro pelo quilo do peixe-leão. Só cortando os espinhos dele e vendendo o peixe sem as vísceras, mas com a cabeça, os restaurantes pagam US$ 15 (cercaR$ 77) o quilo; e se fizer filé, eles pagam US$ 50 (R$ 260) o quilo", conta o biólogo.
Lá, também são realizadas as lionfish derbies, competições para capturar o peixe-leão, enquanto as escolasmergulho têm cursos que ensinam a caçar o animal.
Ricardo Araújo, do ICMBio, diz que ainda está distante o cenárioque o peixe possa se tornar uma iguaria tambémNoronha, porque o númeroanimais encontrados ainda é bem insuficiente para isso. Mas ele reconhece que pode haver uma multiplicação do peixe e, nesse cenário, "aliar empresários e consumidores" será importante.
"Por enquanto, tem muito mais dúvidas do que respostas", diz o analista ambiental do ICMBio. "Mas sabemos que a erradicação será praticamente impossível. Já o controle (dos peixes-leão) é difícil, mas possível."
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