Como era o Brasil do 1º centenário da Independência, há 100 anos:brasilsports

Crédito, BN

Legenda da foto, Muitas situações existentesbrasilsports1922 e questões que eram debatidas naquele momento permanecem atuais ou pouco avançaram

Ela lembra que 1922 foi o último ano do mandato do presidente Epitácio Pessoa, marcado por revoltas contra as oligarquias mineira e paulista que eram dominantes na primeira república (1889-1930).

"Aquele ano representou uma inflexão na política oligárquica brasileira", explica. "A crise que se estabeleceu a partirbrasilsportsentão perdurou até 1930, com a revolução que marcou o fim da primeira república e o início da chamada Era Vargas."

Entre os principais acontecimentosbrasilsports1922, Claudia destaca a Revolta Tenentista (os 18 do FortebrasilsportsCopacabana e desdobramentos como a formação da Coluna Prestes), a fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), filiado à Terceira Internacional, a SemanabrasilsportsArte Moderna, e o acirramento das lutas operárias com eclosãobrasilsportsgrevesbrasilsportsvários setores.

"O desenvolvimento do país dependia basicamente das exportaçõesbrasilsportscafé, por isso, a economia não ia bem, já que durante a Primeira Guerra Mundial a demanda pela exportação do produto havia decaído", conta.

Aindabrasilsportsacordo com Claudia, a industrialização existia, mas era ainda incipiente, e as oligarquias regionais controlavam as eleições que eram frequentemente fraudadas.

"Neste período, a dependência econômica acentuou-se e perpetuou a posição dos países da América Latina como periferia do sistema capitalista, fato esse aceito e aplaudido pelas elites locais e que nos traz, até hoje, consequências nefastas", diz.

O colegabrasilsportsClaudia, o também historiador Luiz Alberto Grijó, coordenadorbrasilsportscursobrasilsportsHistória da UFRGS, acrescenta que a industrialização do Brasil traçou um arco a partir da décadabrasilsports1920 até os diasbrasilsportshoje. Primeiro houve um incremento muito grande, acompanhado por enormes deslocamentos populacionais internos no país, principalmentebrasilsportsnordestinos para o sudeste.

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Luiz Alberto Grijó: 'Brasil está passando por uma desindustrialização e se transformando novamente num grande agroexportador'

"Isso ocorreu com mais intensidade nas décadasbrasilsports40, 50, 60, com as pessoas se mudando para trabalhar como mãobrasilsportsobra nessa industrialização toda e nos serviços, que também se desenvolveram", explica.

Nos últimos 20 ou 30 anos, está havendo, no entanto, segundo Grijó, uma reversão desse processobrasilsportsindustrialização.

"O Brasil, como aconteceu com a Argentina e com outros países, está passando por uma desindustrialização e se transformando novamente num grande agroexportador", diz.

"Além disso, ao mesmo tempo, está se tornando também um exportadorbrasilsportsprodutosbrasilsportsorigem extrativa, como minérios e recursos naturais, por exemplo. Estamos numa fase neoliberal do capitalismo. O que se tem observado, é que, nessa fase, o Brasil tem perdido espaço na produção industrial, cada vez mais e mais acentuadamente."

A consequência mais direta disso é a expulsãobrasilsportsuma quantidade enormebrasilsportsmãobrasilsportsobra do mercadobrasilsportstrabalho, ou seja,brasilsportstrabalhadores que deixambrasilsportsser operários e têm que buscar empregobrasilsportsoutros tiposbrasilsportsempreendimento.

"Essas pessoas acabam se alocando ou se ocupando no mundo dos serviços, eventualmente como subempregados, sem emprego fixo, sem carteira assinada e sem outros direitos trabalhistas", diz Grijó.

Crédito, Augusto Malta/BN

Legenda da foto, Entre principais acontecimentosbrasilsports1922, estão Revolta Tenentista (os 18 do FortebrasilsportsCopacabana e desdobramentos como a formação da Coluna Prestes), fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), filiado à Terceira Internacional, SemanabrasilsportsArte Moderna, e acirramento das lutas operárias com eclosãobrasilsportsgrevesbrasilsportsvários setores

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O doutorbrasilsportsHistória pela UniversidadebrasilsportsSão Paulo (USP) Gilberto Maringoni, professorbrasilsportsRelações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), dá mais informações para contextualizar o anobrasilsports1922 e como o Brasil chegou ao que é hoje, principalmente na questão da industrialização.

"O país vivia o começo do esgotamento da República Velha, que tinha a hegemonia das oligarquias agrárias regionais e com maisbrasilsports80%brasilsportssua população vivendo no meio rural", explica. "Havia pelo menos duas grandes contradições na estrutura econômico-social do país."

A primeira, diz ele, era o padrãobrasilsportsdesenvolvimento agroexportador, voltado para o mercado externo, o que tornava secundária a expansão do interno.

Com baixíssima produtividade, a reduçãobrasilsportscustosbrasilsportsprodução para a obtençãobrasilsportspreços competitivos para o café e outros produtos aconteceu com pesado arrocho salarial e a quase inexistênciabrasilsportsdireitos trabalhistas.

"No entanto, havia, ao mesmo tempo, um diminuto e florescente setor industrial,brasilsportsespecial no sudeste, nascido a partir dos lucrosbrasilsportslatifundiários que decidiram diversificar seus investimentos", conta Maringoni.

Essa indústria, voltada para o mercado interno, tinha dificuldades para se expandir justamente pelo baixo poder aquisitivo da população, resultante do modelo agroexportador, prossegue o professor da UFABC.

"Ao mesmo tempo, as grandes cidades,brasilsportsespecial São Paulo, RiobrasilsportsJaneiro, Salvador e Recife, com alta concentraçãobrasilsportstrabalhadores pobres, desempregados e ex-escravos, embrasilsportsmaioria analfabetos e famintos, eram cada vez mais caldeirões sociaisbrasilsportsebulição, prestes a explodir", diz.

Com isso, havia uma latênciabrasilsportsrevoltas sociais, que não raro aconteciambrasilsportsfato.

"Há evidentes diferenças com o Brasilbrasilsportshoje, mas a desindustrialização acelerada, o fimbrasilsportsvários direitos trabalhistas consagrados na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] e a preponderância do agronegócio são pontosbrasilsportscontato com aquele Brasil atrasado", explica Maringoni.

"Não nos esqueçamos que nos últimos anos demos um passo atrás na civilização ao voltarmos ao mapa da fome."

Voltando à época do centenário, o pedagogo e historiador da Educação, Luciano Faria Filho, da FaculdadebrasilsportsEducação da Universidade FederalbrasilsportsMinas Gerais (UFMG), lembra que no fim da Primeira Guerra Mundial,brasilsports1918, o Brasil era, assim como hoje, um paísbrasilsportsbuscabrasilsportssi mesmo.

"Era um país que se perguntava o que era, quem éramos nós e o que poderíamos vir a ser", explica.

"Do pontobrasilsportsvista político, a grande questão era como se tornar realmente uma república, um país republicano, no sentidobrasilsportsque as práticasbrasilsportsrespeito à coisa pública pudessembrasilsportsfato se estabelecer."

Segundo Faria Filho, essas preocupações eram basicamentebrasilsportsgrupos mais liberais, além dos anarquistas e socialistas. Era um contexto que levou à criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), por exemplo.

"Em contraposição, havia as forças da ordem, que queriam manter aquela relação patrimonialista, autoritária,brasilsportsbenefícios, digamos assim,brasilsportsusufruto pelo mundo privado das benesses públicas", explica.

"O momento do centenário foibrasilsportssíntese dessas grandes questões."

Crédito, Augusto Malta/BN

Legenda da foto, Praça Marechal Floriano no RiobrasilsportsJaneiro

Para ele, ainda que se possa dizer que o significado das questões naquele momento e hoje nem sempre seja o mesmo, há desafios que permanecem.

"A construçãobrasilsportsum sistema nacionalbrasilsportseducação,brasilsportsuma escola pública laica, é exemplo disso", diz.

"No caso, dos direitos da mulher e do combate ao racismo, houve avanços, é verdade, embora, neste último caso, permaneça o estrutural. Esse racismo institucional nos ajuda a compreender nossas desigualdades sociais. Aliás, elas são outro elemento fundamental para percebermos a continuidade entre 1922 e 2022. Nós continuamos a ser um dos países mais desiguais do mundo. É um traço fundamental que herdamos e atualizamos continuamente. Nisso não há diferençabrasilsportsrelação ao ano do centenário."

Outra semelhança entre os dois anos, é que, assim comobrasilsports1922,brasilsports2022 haverá eleições para a presidente da República e, no passado e hoje, há um país dividido.

"Era uma disputa que pouco tinhabrasilsportsdemocrática, a começar pelo fato de, numa populaçãobrasilsportscercabrasilsports30 milhõesbrasilsportsbrasileiros, pouco maisbrasilsports800 mil (pouco maisbrasilsports3,5%) ter direito a voto", diz Maringoni.

De acordo com ele, abrasilsports1922 foi talvez a campanha mais suja da República Velha. Não faltaram nem as fake news.

"Houve farta disseminaçãobrasilsportsinformações falsas, que hoje são chamadasbrasilsportsfake news, por partebrasilsportsArthur Bernardes, rico fazendeirobrasilsportsMinas Gerais, que se saiu vencedor", explica.

"O regime, mesmo com a mudançabrasilsportsgoverno no ano seguinte, era incapazbrasilsportsresolver qualquer problema social."

Crédito, BN

Legenda da foto, Comemoração do centenário da Independência; governo quis aproveitar comemoração da Independência para reverter a imagembrasilsportsum país pouco desenvolvido

Nesse cenário, o governo quis aproveitar a ocasião da comemoração da Independência para reverter a imagembrasilsportsum país pouco desenvolvido.

"Epitácio Pessoa não mediu esforços para mostrar um país moderno", diz Claudia.

"O principal evento foi a Exposição Universal do RiobrasilsportsJaneiro, que começoubrasilsportssetembrobrasilsports1922 e foi até abrilbrasilsports1923. Para a monumentalidade pretendida, uma obra extraordinária teve que ser feita na zona central da cidade, com a derrubada do Morro do Castelo, discutida à exaustão."

Havia tanto ferrenhos defensores como opositores da medida, mas finalmente o morro foi parcialmente derrubado.

Em seu lugar, foram construídos 2.500 metros quadradosbrasilsportspavilhões, sendo 15 estrangeiros.

"Com cercabrasilsports10 mil expositores, o evento ainda contava com paláciosbrasilsportsfestas, dos estados, da música, das diversões, da caça e pesca e muitos outros", conta Claudia.

"Alguns desses prédios ainda podem ser vistos nos diasbrasilsportshoje. Importante frisar que a exposiçãobrasilsports1922 apresentava o tipo brasileiro como branco e europeizado, e o país como desenvolvido e ligado à cultura da modernidade." Pode se considerar uma fake newsbrasilsports100 anos.

Crédito, Augusto Malta/BN

Legenda da foto, Demolição do Morro do Castelo -brasilsportsseu lugar, foram construídos 2.500 metros quadradosbrasilsportspavilhões

Em relação às comemorações do bicentenário da Independência, Claudia é pessimista. "O que celebrar?", indaga. "Independências masculinas, colonial, europeias, militares, que tiveram como protagonistas as elites coloniais racistas e autoritárias, escravagistas e senhoriais, que forjaram Estados Nacionais, excluindo negros e índios da condição cidadã, que continuaram o trabalho genocida iniciado pelos espanhóis e portugueses, eliminando populações originárias para aumentar as áreasbrasilsportscultivo e atender demanda internacional por alimentos e matérias-primas", revolta-se.

Foi neste contexto, continua ela, oligárquico, senhorial, que ocorreram as celebrações do Primeiro Centenário. "Reivindicavam o desenvolvimento econômico, a modernização dos países à custa da miséria das classes populares e da eliminação dos povos originários", critica.

"A pergunta que se faz é: 100 anos depois dessas primeiras comemorações, o que vamos celebrar? Países da América Latina, incluindo o Brasil, continuam profundamente desiguais, alguns miseráveis."

Crédito, BN

Legenda da foto, Comemoração do centenário da Independência do Brasil

Para Claudia, a pandemia comprovou o que já se sabia, "que as classes populares seriam as primeiras e mais fortemente atingidas por qualquer tipobrasilsportscrise, econômica, política ou sanitária e que os países latino-americanos, por mais modernizados que tenham sido desde as últimas celebrações, seriam os mais duramente afetados".

"Mesmo assim, os Estados se preparam para celebrar sociedades harmônicas e maduras que, na verdade não existem", lamenta.

Assim, prossegue, "quando surgem vozes a contestar essas celebrações, como aquelas que quebraram os relógios instalados no Brasil no ano 2000,brasilsportshomenagem aos 500 anos do descobrimento, ao invésbrasilsportsserem tratadas como porta-vozesbrasilsportsuma perspectiva descolonial, são apontadas comobrasilsportsvândalos".

"De verdade, tivemos uma abolição sem cidadania, uma república sem democracia e uma independência sem soberania", acredita. "Então, o que comemorar?".

A também historiadora Cecilia HelenabrasilsportsSalles Oliveira, professora sênior do Museu Paulista da UniversidadebrasilsportsSão Paulo, também conhecido como Museu do Ipiranga, chama a atenção para outras questões relativas ao bicentenário da Independência.

"Passados 200 anos da proclamação da Independência, o debate se volta, com certeza, para os processosbrasilsportsinclusão social e para o cumprimento das bases da Constituiçãobrasilsports1988", diz.

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Legenda da foto, Comemoração do centenário da Independência,brasilsportsfotobrasilsportsarquivo

Para ela, apesar dos avanços tecnológicos e econômicos, é preciso debater a democratização do conhecimento, a formação dos cidadãos e a democratização política.

"E isso começa com a compreensão dos processos históricosbrasilsportsformação da nacionalidade brasileira", defende. "Ou seja, uma compreensão abrangente do passado para que ele não se repitabrasilsportstermos das desigualdades e das diferenças sociais e raciais."

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