As lições do país que destruiu voluntariamente todas suas armas atômicas:

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Durante seu governo, F.W.Klerk desmantelou o programaarmas nucleares da África do Sul e acabou com o apartheid

Ao fazer esta confissão, o presidente conseguiu no mesmo discurso incorporar a África do Sul ao pequeno grupopaíses do mundo que possuía armas nucleares e colocar a naçãoposiçãoexclusividade ao transformá-la no único Estado do mundo que, após desenvolver suas próprias armas nucleares, renunciou voluntariamente às mesmas antesentrar no NPT.

A Ucrânia também concordou na década1990destruir suas armas atômicas, mas as mesmas eram parte do arsenal que o país havia herdado quando fazia parte da antiga União Soviética.

Mas como a África do Sul adquiriu armas nucleares e por que decidiu se desfazer delas?

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A África do Sul desenvolveu um programaenergia nuclear com tecnologia própria

Um programa inicialmente para fins pacíficos

A África do Sul deu os primeiros passos na exploraçãoenergia nuclear1948, por meiouma lei que criou o ConselhoEnergia Atômica.

No início da década1960, começaram as primeiras atividadespesquisa e desenvolvimento nessa área na usinaPelindaba, localizada a cerca40 quilômetrosPretória.

Nesta primeira fase, os objetivos do programa eram pacíficos, embora, por se tratarum país com importantes reservasurânio, também se questionava sobre os métodosenriquecimento deste mineral, tecnologia cujo domínio é fundamental para vários fins, inclusive bélicos.

No fim da década1960, os avanços alcançados nesta área levaram o governo a promover a construçãouma usina piloto para trabalhar esse processoescala industrial.

Em 1970, o então primeiro-ministro B. J. Vorster informou estes planos ao Parlamento, ratificando os objetivos pacíficos do programa, assim como a disposição da África do Sulaceitar, sob certas condições, a supervisão internacional do projeto.

Por ser um país com grandes reservas do mineral, a África do Sul já naquela época reconhecia o potencial comercial que a produçãourânio enriquecido teria como combustível para os reatores nucleares do futuro.

Em paralelo, no entanto, o país havia começado a pesquisar sobre o desenvolvimentoexplosivos nucleares para fins civis.

Depois que um relatório1974 confirmou a viabilidade desta ideia, o governo aprovou um projeto secreto para este fim.

"Embora o programa, a essa altura, ainda visasse exclusivamente a exploração pacífica dessa tecnologia, ele foi tratado como um projeto ultrassecreto, principalmente devido à sensibilidade esperada dianteum projetoenriquecimento [de urânio], mas também porque a oposição ao usoexplosivos nucleares para aplicações civis estava crescendo rapidamente no mundo", escreveu Waldo Stumpf, ex-diretor da CorporaçãoEnergia Atômica da África do Sul,um relatório que apresentouuma conferência1995.

Esta iniciativa, no entanto, não demoraria muito para resultarum programa com fins bélicos.

Por quê?

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Entre as décadas1970 e 1980, Cuba enviou milharessoldados a Angola para apoiar o governo marxista do país

Uma armadissuasão

Conforme De Klerk explicouseu discurso1993, a decisão da África do Suldesenvolver uma capacidade nuclear bélica começou a tomar forma1974, diante da ameaçaexpansão das forças soviéticas no sul da África e da incerteza sobre os planos dos membros do PactoVarsóvia, a aliança militar entre os países do bloco comunista.

Isto aconteceu num contextoinstabilidade regional, após a retiradaPortugal das colônias africanas, após a independênciaMoçambique eAngola, onde ocorreram guerras civis que se internacionalizaram reproduzindo o confronto da Guerra Fria entre forças pró-marxistas e pró-capitalistas.

"O aumento das forças cubanasAngola a partir1975 reforçou a percepçãoque era necessário um [instrumento] dissuasivo, assim como o relativo isolamento internacional da África do Sul e o fatoque não poderia contar com ajuda externa caso fosse atacada", disse o presidente.

Esta situação era especialmente delicada porque, devido àpolítica interna segregacionista, conhecida como apartheid, a África do Sul estava sendo submetida a cada vez mais restrições à compraarmas convencionais, o que limitava suas opçõesdefesacasoataque. Isso também a impediater o apoiooutros países.

Ao mesmo tempo, o país era objetoum crescente isolamentomatériaenergia atômica.

Os Estados Unidos passaram a restringir unilateralmente tanto a trocainformações quanto as exportaçõesprodutos relacionados a essa área para a África do Sul e,1978, aprovaram uma leinão proliferação que impedia a transferênciatecnologia nuclear para estados que não faziam parte do NPT.

Em um mundo dividido entre dois polos, a África do Sul não contava com o apoionenhuma das duas superpotências, que trabalharam juntas para obrigar o país africano a suspender os preparativos para um teste nuclear subterrâneo que faria1977.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A África do Sul estava preocupadaser atacada por forças marxistas na África que contavam com o apoio soviético

Ameaça velada

Essas circunstâncias acabaram convencendo o governo sul-africano da conveniênciater uma bomba atômica como instrumentodissuasão.

Assim,abril1978, o governo sul-africano aprovou uma estratégiadissuasão nucleartrês fases.

A primeira delas se baseavamanter a incerteza sobre as capacidades nucleares do país, sem reconhecê-las ou negá-las.

A segunda etapa se aplicaria caso a África do Sul estivesse sendo ameaçada (provavelmente pela órbita comunista).

Nesta circunstância, cogitou-se fazer chegar aos ouvidosuma potência como os Estados Unidos que a África do Sul possuía armas nucleares, incentivando assim uma intervenção internacional que eliminasse a ameaça.

Caso a revelação não surtisse efeito, passariam para a terceira fase, que consistiareconhecer publicamente que a África do Sul possuía uma bomba atômica ou realizar um teste subterrâneo para demonstrar essa capacidade.

De acordo com Stumpf, nunca se previu nenhuma aplicação ofensiva para estas bombas, já que a África do Sul estava cienteque tal ação provocaria retaliação internacionallarga escala.

"Na prática, a estratégia nunca avançou além da fase 1", observou.

Para levar adiante esta estratégia, explicou De Klerk, a África do Sul deveria disporsete bombas, considerado o número mínimo necessário para estabelecer uma "capacidadedissuasão crível".

A primeira destas bombas foi concluídadezembro1982. A sétima nunca terminouser construída.

Estima-se que estas bombas tivessem um poder semelhante às lançadas pelos Estados UnidosHiroshima e Nagasaki — e que tivessem sido projetadas para serem lançadasum avião.

De acordo com Stumpf, a África do Sul nunca conseguiu testar se estas bombas realmente funcionavam, mas não havia razão para acreditar que não funcionariam.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, F.W.Klerk libertou Nelson Mandela, que mais tarde foi eleito presidente da África do Sul

Desarmamento voluntário

Mas por que a África do Sul decidiu abrir mãosuas armas nucleares?

Os motivos, segundo De Klerk, estão nas mudanças vividas pela situação política internacional no final da década1980.

Em seu discurso perante o Parlamento, o então presidente mencionou o cessar-fogoAngola, o acordo tripartite sobre a independência da Namíbia e a retirada50 mil soldados cubanosAngola, assim como a queda do MuroBerlim, o fim da Guerra Fria e o desmembramento progressivo do bloco soviético.

"As perspectivaspassaruma relaçãoconfronto com a comunidade internacional,geral, e com os nossos vizinhos da África,particular, para uma relaçãocooperação e desenvolvimento eram boas."

Nestas circunstâncias, um elementodissuasão nuclear se tornou não apenas supérfluo, mas na verdade um obstáculo ao desenvolvimento das relações internacionais da África do Sul", disse o mandatário.

Em entrevista concedida2017 para a revista The Atlantic, o ex-presidente sul-africano detalhou seus motivos para se opor à posse da bomba.

"Achava que não havia sentidousar uma bomba deste tipo no que era essencialmente uma guerra rural, que era terrível pensar que poderíamos destruir uma cidadeum dos nossos países vizinhosqualquer maneira. Desde o início, na minha opinião pessoal, vi como uma cordavolta do nosso pescoço", disse ele.

"Você tem algo que nunca pretende usar, que na realidade é horrívelusar, cujo uso seria moralmente indefensável", acrescentou.

Assim, depois que De Klerk chegou ao poder1989, teve início o encerramento do programa nuclear, que incluiu a destruiçãobombas, o fechamentousinas nucleares onde se produzia urânio altamente enriquecido e a degradação do mesmo para que não pudesse mais ser usadoarmas.

Em paralelo, o governo iniciou o processoadesão ao NPT e colocouandamento reformas políticas internas que levariam ao fim do apartheid e à transição política que culminou com a eleiçãoNelson Mandela como presidente.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, As lições aprendidas com o caso da África do Sul podem ajudar a administrar a situação criada pelo programa nuclear da Coreia do Norte

Lições aprendidas

Em seu discurso ao Parlamento1993, De Klerk expressouesperançaque outros países pudessem seguir o exemplo da África do Sulquestões nucleares.

De Klerk fez referência ao caso da Coreia do Norteentrevista ao The Atlantic e destacou que, quando se trata das negociações nucleares com este país, a comunidade internacional tem recorrido muito ao chicote (sanções), mas não tanto às cenouras (incentivos), fazendo alusão à expressãoinglês "carrot and stick", que descreve uma abordagem que contrabalanceia punições e incentivos.

"Quem sabe seja horanos perguntarmos se podemos desenhar uma cenoura que possa trazer para a mesa pessoas que não estão se falando no momento?", questionou.

No relatório que apresentou1995, Waldo Stumpf, o ex-diretor da CorporaçãoEnergia Atômica da África do Sul, também descreve algumas lições práticas que podem ser tiradassua experiência.

O especialista alerta, por exemplo, que nem a tecnologia nem os custos são realmente grandes barreiras para impedir que os países desenvolvam programasarmas atômicas.

Ele indica que, embora a tecnologia para enriquecer urânio e construir armas nucleares não sofisticadas sejaalto nível, está dentro dos limites que um país industrializado avançado pode alcançar — e que,termoscusto, o programa sul-africano exigiu cercaUS$ 200 milhõesinvestimentosum período10 anos.

Stumpf afirma ainda que, embora as medidasisolamento político possam servirinstrumento para evitar a proliferaçãoalguns casos específicos, é possível chegar a um pontoque este tipomedida se torne contraproducente e se transformeum incentivo que leva o paísquestão a se munir com uma arma nuclear.

No caso da África do Sul, o especialista acredita que isso aconteceu quando os Estados Unidos cortaram o envio do combustível necessário à operação dos reatores sul-africanos1978 e também aplicaram sanções financeiras contra o país.

"A pouca influência que restava dos Estados Unidos sobre a África do Sul se perdeu", escreveu Stumpf.

O especialista também indica que nos casosque existe uma ameaça real ou percebida contra o país que se muniu nuclearmente, é possível iniciar um processoreversão se essa ameaça for eliminada ou neutralizada.

"Isso significa que a pressão exercida por uma superpotênciafora da região sobre um possível estado proliferador pode ser útil, mas apenas até certo ponto. Em última análise, as tensões regionais devem ser resolvidas antes que se possa alcançar plenamente a não proliferação. Este foi o caso da África do Sul, e provavelmente é o caso do Oriente Médio, do sul da Ásia e da península coreana", afirmou.

Por fim, Stumpf destacou que um verdadeiro estadonão proliferação nas condições previstas pelo NPT provavelmente não será alcançado por meiodecisões estratégicas ou técnicas, mas exigirá uma decisão política fundamental por parte dos dirigentes políticos do paísquestão.

Embora algumas lições aprendidas talvez pudessem ser aplicáveis ​​a outros casosproliferação nuclear comprovada — como da Coreia do Norte — ou temida — como do Irã —, o fato é que, até o momento, a África do Sul continua sendo um caso especial na história quanto ao uso da energia nuclear para fins bélicos.

Sabia que a BBC está também no Telegram? Inscreva-se no canal .

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube ? Inscreva-se no nosso canal!

Pule YouTube post, 1
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdoterceiros pode conter publicidade

FinalYouTube post, 1

Pule YouTube post, 2
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdoterceiros pode conter publicidade

FinalYouTube post, 2

Pule YouTube post, 3
Aceita conteúdo do Google YouTube?

Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".

Alerta: Conteúdoterceiros pode conter publicidade

FinalYouTube post, 3