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Aborto: o que levou a Igreja Católica a considerar essa prática pecado no século 19:1win saque mínimo
"Papa Pio 9º declarou que a vida começa na concepção e deve ser protegida depois disso", prossegue ele. "Na tradição judaica, o feto é parte da mãe […]; entretanto, há passagens nas escrituras que consideram o primeiro respirar como o início da vida."
Em documento publicado pela Igreja1win saque mínimooutubro1win saque mínimo1869, dois meses antes do início do Concílio Vaticano 1º, a definição é clara e concisa: "procurantes abortum, effectu sequuto". Ou,1win saque mínimotradução livre: "obter um aborto, seguindo-se o feito". É um dos itens sob a pena1win saque mínimoexcomunhão latae sententiae, ou seja, automaticamente, por força da própria lei.
"Até Pio 9º, cometer o pecado do aborto era considerado um erro grave, uma ação não ética que devia ser condenada e combatida. Mas não tinha essa conotação tão pesada, que levasse a ser considerada,1win saque mínimoimediato, a excomunhão", contextualiza o bioeticista Alexandre Martins, professor na Universidade Marquette,1win saque mínimoconfissão católica, nos Estados Unidos.
"Ele começa essa visão, que vai chegar ao primeiro Código1win saque mínimoDireito Canônico, promulgado1win saque mínimo1917", explica. "Vem essa condenação direta do aborto, com pena1win saque mínimoexcomunhão direta pelo fato1win saque mínimosi, a pena máxima da Igreja Católica."
Martins pontua que o pontificado1win saque mínimoPio 9º acabou balizando a influência do entendimento contemporâneo que o catolicismo tem sobre a questão. "Tornou-se preto no branco, sem nenhum espaço para a possibilidade do aborto. [Desde então,] o aborto na Igreja Católica é condenado a qualquer momento, a [ideia de] dignidade do ser humano ficou atrelada à concepção, e por conta dessa dignidade há uma obrigação1win saque mínimoproteger o inocente e vulnerável", comenta ele.
Relação com a França
Era um momento bastante tumultuado, o1win saque mínimoPio 9º à frente da Igreja. A península itálica vivia uma série1win saque mínimoconflitos — que culminariam na unificação do país e a formação do Estado italiano moderno.
Nesse contexto, a Igreja perdia poder político, estatal e militar. "Havia os chamados Estados Pontifícios", esclarece Martins. "O papa tinha até Exército, mas foi pouco a pouco perdendo [as terras]. Havia uma relação com [o imperador francês] Napoleão 3º, que protegia os Estados Pontifícios."
Pio 9º teve uma postura bastante reacionária frente ao mundo que se abria à modernidade no século 19, condenando as ideias liberais, o relativismo moral, a secularização e a separação entre Igreja e Estado — cerne dos ideais republicanos contemporâneos. "A questão do aborto entra aí [nesse contexto], com ele condenando e rejeitando o novo mundo que estava florescendo", pontua Martins. "Um mundo mais leigo e sem a tutela da Igreja. Ele vai ser o primeiro [papa] a condenar1win saque mínimomodo mais explícito o aborto, criando uma punição."
Conforme explica o historiador Paulo Debom, professor do Centro Universitário Celso Lisboa, depois que a Revolução Francesa,1win saque mínimo1789, precipitou uma ruptura forte entre a Igreja e o Estado, ao longo do século 19 houve uma reaproximação.
"Na proposta1win saque mínimogoverno1win saque mínimoNapoleão 3º existia uma aliança muito forte com a Igreja Católica,1win saque mínimocerta forma uma continuidade do período1win saque mínimoNapoleão [o 1º]", afirma ele. "Há uma percepção [do governo]1win saque mínimoque, com muitos católicos na população francesa, se fosse mantida a postura1win saque mínimoafastamento, separação e combate ao catolicismo, haveria muitos problemas1win saque mínimopopularidade. É uma jogada clara."
"[Por isso,] Napoleão 3º, diante dos estados italianos1win saque mínimoconflitos constantes pelo processo1win saque mínimounificação e [vendo] a Igreja Católica sob ameaça, para garantir o apoio do povo francês, ele declarou apoio à Igreja Católica e deixou muito claro que,1win saque mínimoseu governo, colocaria os exércitos franceses1win saque mínimodefesa dos Estados Pontifícios", narra Debom.
No meio do cenário, há um problema vivido pela França: o país experimentava um crescimento demográfico muito baixo, se comparado a outras nações europeias do período. Em um estudo publicado originalmente1win saque mínimo1974, o demógrafo, economista e sociólogo Éttiene Van1win saque mínimoWalle (1932-2006), professor na Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, concluiu que a taxa1win saque mínimonatalidade — ou seja, o número1win saque mínimonascidos vivos por mil habitantes — caiu1win saque mínimo40 para 30 no século 19. No mesmo período, a média europeia era1win saque mínimo45. Em 1900, a taxa1win saque mínimonatalidade na Alemanha era1win saque mínimo35, enquanto a França chegava a 22 nascimentos por mil.
"Ao longo do século 19, a natalidade [na França] vai se manter a um nível apenas suficiente para a população seguir1win saque mínimoum número constante", pontua o pesquisador,1win saque mínimoartigo publicado1win saque mínimo1986. "A esta época, a França se distingue dos demais países da Europa pela estagnação ou mesmo declínio1win saque mínimosua população rural."
Segundo levantamento do economista Alain Clément (1953-2016), professor na Universidade1win saque mínimoTours, na França, considerando as potências europeias, a população francesa representava 40% do total1win saque mínimo1700. Em 1890, apenas 12%.
Em 1867, a taxa1win saque mínimofertilidade na França era1win saque mínimo3,03 filhos nascidos vivos por casamento. Era inferior a Prússia (3,84), Holanda (4,04), Inglaterra (3,77) e Itália (4,55). Responsável por organizar os censos franceses1win saque mínimo1856, 1861 e 1866, o estatístico Alfred Legoyt (1812-1855) chegou a escrever que a nação era "o país da Europa cuja população cresce mais lentamente" e avaliou,1win saque mínimoacordo com a perspectiva da época, que o fraco aumento da população fazia com que a França estivesse "ficando para trás".
Várias são as explicações possíveis para o fenômeno. Debom aposta no momento histórico conturbado. "Penso logo1win saque mínimotodas as ondas revolucionárias que aconteceram [na França, ao longo do século 19], justamente por péssimas condições1win saque mínimovida da maior parte da população. A Revolução Industrial toma corpo, e você tem massas e massas1win saque mínimopessoas, originalmente camponesas, jogadas para fora1win saque mínimosuas terras e levadas a ocupar as filas dos operários nas fábricas", afirma o historiador. "É um período1win saque mínimomuita miséria. O baixo crescimento demográfico pode ser decorrência da péssima condição1win saque mínimovida."
Em artigo, Clément fala1win saque mínimoaspectos culturais e psicológicos que teriam causado essa baixa fertilidade. Lembra que o país vivia um êxodo rural e as condições mais difíceis funcionavam como um "freio preventivo [à procriação]". Citando autores da época, ele argumenta que "a baixa fecundidade" poderia ser "fruto1win saque mínimoum desejo1win saque mínimomelhorar o padrão1win saque mínimovida".
"A 'esterilidade sistemática' estaria ligada ao desejo1win saque mínimomanter um certo padrão1win saque mínimovida", escreve o economista.
Mas havia também uma questão legal cuja origem remetia ao Código Civil outorgado por Napoleão Bonaparte (1769-1821)1win saque mínimo1804. A legislação passava a reservar um tratamento aos herdeiros, garantindo que as sucessões fossem mais justas. Ou seja: não podia mais valer a tradição histórica,1win saque mínimoque o pai reservava ao filho mais velho suas posses — automaticamente relegando os demais a papéis secundários ou mesmo à sina1win saque mínimoviverem como agregados. As terras precisavam ser divididas,1win saque mínimopartes iguais.
"A ausência1win saque mínimoliberdade testamentária e a consequente obrigação1win saque mínimotratar os herdeiros1win saque mínimopé1win saque mínimoigualdade levam a uma dispersão da propriedade, que só pode ser evitada controlando a fertilidade", aponta Clément.
O economista e político francês Michel Chevalier (1806-1879) escreveu, na época, que, "a razão deste fenômeno [da queda da natalidade] é muito fácil1win saque mínimoexplicar". "O dono quer fugir das necessidades1win saque mínimouma partilha que reduza os coparticionadores à porção mínima", argumentou. "Em nossa sociedade moderna, o filho único substitui o filho mais velho."
Para o governo1win saque mínimoNapoleão 3º, presidente1win saque mínimo1848 a 1852 e imperador1win saque mínimo1852 a 1870, a questão populacional era um grande problema. De acordo com o entendimento da época, era preciso um crescimento demográfico para aumentar a produção, tanto a agrícola quando a industrial, incipiente.
Clément ressalta que foram diversas tentativas1win saque mínimo"higiene pública" e "arranjos institucionais" para que a população da França não decaísse ainda mais. Em seu livro Storia dell'Aborto, a jurista italiana Giulia Galeotti conta que as leis napoleônicas, ao trazer para a esfera civil os registros1win saque mínimonascimento, casamento e óbito, tirando a incumbência das paróquias, possibilitaram um maior controle estatal sobre a realidade demográfica, possibilitando "combater as causas do despovoamento".
Já que havia uma boa relação com o papa, por que não pedir uma ajuda também?
Primeiros cristãos
A condenação ao aborto, embora nunca tivesse aparecido1win saque mínimoforma tão contundente como a feita por Pio 9º, é algo coerente à história do catolicismo. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leite1win saque mínimoMoraes, avalia essa postura como "revolucionária" nos primeiros anos do cristianismo.
"Naquele momento, tratava-se1win saque mínimouma religiosidade marginal dentro1win saque mínimoum império romano extremamente poderoso", contextualiza. "Continuação cultural do que chamamos1win saque mínimosociedade clássica, ou greco-romana, havia ali o regime do patria potestas."
Nesse sentido, todo o poder familiar emanava do pai, da figura masculina. "Ele tinha direito ao infanticídio, praticado, por exemplo, quando nascia uma criança indesejada, com algum tipo1win saque mínimodeficiência, ou uma segunda filha mulher. Quase nenhuma família romana na Antiguidade criava duas meninas", comenta o historiador.
É esse pai que também podia autorizar o aborto. "A sociedade greco-romana era uma sociedade abortista. Nesse sentido, podemos dizer que o cristianismo foi revolucionário, porque ousou lutar contra o aborto desde muito cedo", comenta. "O cristianismo tem essa glória: ter defendido desde suas origens o direito1win saque mínimotodo ser humano à vida. Isso explica, segundo alguns teóricos, a adesão1win saque mínimomuitas mulheres ao cristianismo [nesse período inicial]. E como essas mulheres ficavam com a responsabilidade1win saque mínimoeducar os filhos, acabavam educando-os na fé cristã. Isso contribuiu para que o cristianismo crescesse, se institucionalizasse como religião e se tornasse poderoso."
"O fato1win saque mínimo[os cristãos] não fazerem abortos, ajudou a população cristã a aumentar", concorda Martins.
Então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal croata Franjo Šeper (1905-1981) publicou um documento1win saque mínimo1974 lembrando que "a tradição da Igreja sempre considerou a vida humana como algo que deve ser protegido e favorecido, desde o seu início, do mesmo modo que durante as diversas fases do seu desenvolvimento". "Opondo-se aos costumes greco-romanos, a Igreja dos primeiros séculos insistiu na distância que, quanto a este ponto, separa deles os costumes cristãos".
Ele cita o Didaché, um texto1win saque mínimo16 capítulos, escrito no primeiro século da Era Cristã e que funcionava como uma espécie1win saque mínimocatecismo para os primeiros praticantes da então nova religião. "No livro […] diz-se claramente: 'Tu não matarás, mediante o aborto, o fruto do seio; e não farás perecer a criança já nascida'", afirma.
"É uma clara posição1win saque mínimoum documento cristão1win saque mínimoque há uma condenação textual tanto do aborto quanto do infanticídio", comenta Moraes.
Igreja e aborto
Da posição contrária ao aborto até a pecaminização categórica promulgada por Pio 9º, a distância não está somente na penalização radical com excomunhão automática. Há toda uma discussão teológica e filosófica sobre quando,1win saque mínimofato, começaria a vida — discussão que,1win saque mínimocerta forma, ainda embasa argumentos pró e contra a interrupção voluntária da gravidez até hoje.
Prolífico autor dos primórdios do cristianismo, Tertuliano (160-220) qualificava o aborto como "homicídio antecipado". "Já é homem aquele que o será. Essa expressão do Tertuliano focalização a motivação da condenação do aborto voluntário nos ensinamentos da patrística1win saque mínimomaneira geral", frisa Moraes.
Em uma época1win saque mínimoque era difícil determinar o início da gravidez, as discussões teológicas procuravam responder1win saque mínimoque momento haveria "a infusão da alma" sobre o feto, ou seja, a "transformação do ser1win saque mínimouma pessoa". "[Desde o princípio] havia os que imaginavam que na própria concepção você já tem uma pessoa, recuperando a questão aristotélica do ato e da potência, com a ideia1win saque mínimoque uma semente não é uma árvore mas tem o potencial para se tornar uma.
Assim como Tertuliano, os teólogos Basílio1win saque mínimoCesareia (329-379) e Gregório1win saque mínimoNazianzo (329-389) defendiam a "animação imediata" — ou seja, que o início do ser humano ocorria na concepção. "Tertuliano argumentava que nós temos tanto corpo quanto a alma sendo acolhidos e elaborados e aperfeiçoados juntos", contextualiza Moraes.
Santo Agostinho (354-430), contudo, trouxe elementos para que essa ideia passasse por revisões — e suas reflexões acabaram embasando um entendimento bastante corrente ao longo1win saque mínimotoda a Idade Média. Para ele, a alma exigiria uma forma apropriada para ser inserida.
Isso significava que o feto precisaria já estar melhor formado, preparado para receber a alma. Séculos adiante, Tomás1win saque mínimoAquino (1225-1274) ecoa esse mesmo princípio. "A filosofia escolástica chega a fixar o início da forma humana no quadragésimo dia [de gestação] para os homens e no octagésimo para as mulheres", explica Moraes.
Em seu livro Uma História Não Contada: A História das Ideias Sobre o Aborto na Igreja Católica, a filósofa e teóloga norte-americana Jane Hurst (1948-1972) entende a pecaminização do aborto por conta da questão sexual. Não é a única voz nesse sentido — há pesquisadores que apontam que, no âmago do discurso do cristianismo primitivo estava, na verdade, o fato1win saque mínimoque o aborto era praticado para esconder traições. Ou seja: o que estava sendo condenado era o adultério e não a interrupção voluntária da gravidez.
"A Igreja sempre se opôs ao aborto não apenas porque suspeita que se trata1win saque mínimoum homicídio — o que continua sendo discutido — mas também porque ele revela um pecado sexual", escreve ela. "A Igreja ensina que todo ato que pretende separar a união sexual da procriação é pecaminoso. […] O aborto realizado voluntariamente indica que os parceiros sexuais não se uniram com a intenção1win saque mínimoprocriar."
Hurst defende que, nesse sentido, a gênese da ideia estaria relacionada a "questões1win saque mínimopenitência", procedendo da "função legislativa da Igreja". "Se o aborto está sendo usado para esconder irregularidade sexuais, então é pecado e exige que a pessoa pecadora faça penitência para que seja perdoada desses erros", argumenta a autora.
"Existia, nesse período antigo, amplo acordo quanto ao fato1win saque mínimoo aborto ser um pecado quando utilizado para ocultar evidências dos pecados1win saque mínimofornicação e adultério", aponta. Ela cita,1win saque mínimoseu livro, um texto1win saque mínimoSão Jerônimo (347-420). "Outras pessoas tomam poções para garantir a esterilidade e são culpadas do assassinato1win saque mínimoum ser humano ainda não concebido. Outras, quando descobrem que ficaram grávidas através do pecado, abortam usando drogas. Com frequência, elas mesmas morrem e são levadas à presença das autoridades do mundo inferior culpadas1win saque mínimotrês crimes: suicídio, adultério contra Cristo e assassinato1win saque mínimouma criatura não nascida", afirmou o religioso.
Essa é a postura da organização Católicas pelo Direito1win saque mínimoDecidir, grupo que configura uma voz dissonante à posição oficial atual da Igreja. A direção brasileira do movimento foi procurada pela reportagem e preferiu responder com dois artigos previamente escritos. "Nos primeiros séculos do cristianismo, a preocupação central — da Igreja, como do Estado — era com a constituição do casamento monogâmico como regra para toda a sociedade", afirma,1win saque mínimotrecho1win saque mínimoum dos textos, a socióloga Maria José Rosado, professora da Pontifícia Universidade Católica1win saque mínimoSão Paulo (PUC-SP) e presidente da organização.
"No império romano, estabeleceram-se leis que desencorajavam o concubinato. O primeiro concílio do Ocidente, realizado no século 4, antes mesmo da oficialização do cristianismo por Constantino — o Concílio1win saque mínimoElvira — estabelece penas religiosas severíssimas para as transgressões à fidelidade conjugal. Tanto a Igreja quanto o Estado impunham penas mais duras para os casos1win saque mínimoadultério do que para os1win saque mínimohomicídio", prossegue a socióloga.
"Assim, a punição do aborto, durante os seis primeiros séculos do cristianismo, não era referida,1win saque mínimoprimeiro lugar, ao feto cuja vida seria tirada, mas ao adultério que o aborto revelava", argumenta Rosado. "Pode-se pois concluir que para o cristianismo, como para a lei romana, a afirmação do casamento monogâmico como única união legítima, era mais importante como fundamento social do que a proteção da vida."
"O que podemos dizer é que a condenação ao aborto é uma constante no ensinamento moral da Igreja. A partir do século 4, a temática começa a aparecer1win saque mínimoconcílios […]. Com o passar do tempo, não poucos autores admitem uma gravidade1win saque mínimoculpa. Mas depende1win saque mínimoquando esse aborto é feito", diz Moraes.
"A questão do aborto nos documentos da Igreja tem variações significativas, mas o mais importante é a linguagem para1win saque mínimocondenação", contextualiza Martins. Sisto 5º (1521-1590),1win saque mínimoseu pontificado, reviu a postura medieval e passou a entender que não importava o estágio da gravidez, uma interrupção intencional não devia ser aceita. "Mas seu sucessor, Gregório 14 [(1535-1591)], rejeita essa perspectiva e volta a manter a distinção do aborto, como algo diferente [se praticado] no começo [da gestação]", conta o bioeticista.
Entre idas e vindas, o que predominava até o século 19, conforme ressalta Rosado, era esse entendimento1win saque mínimoque "só haveria aborto pecaminoso quando o feto estivesse totalmente formado". E a condenação, nos casos1win saque mínimoque havia, era moral e teológica, sem nenhuma sanção como a determinada por Pio 9º.
"[O papa,1win saque mínimo1869] declara que o aborto é pecado1win saque mínimoqualquer situação e1win saque mínimoqualquer momento1win saque mínimoque se realize. Pela primeira vez, papa e teólogos coincidem, rechaçando a teoria da 'hominização retardada' para assumir a da 'hominização imediata'", explica a socióloga. "Isto é, a tese1win saque mínimoque desde o momento da concepção existe uma pessoa humana e, portanto, atentar contra ela é homicídio."
"Até essa data, essa questão havia sido controvertida na Igreja. Note-se que isso ocorre no mesmo período1win saque mínimoque a Igreja tem necessidade, por razões1win saque mínimopolítica interna e externa,1win saque mínimoafirmar o poder papal, através da proclamação do dogma da infalibilidade", contextualiza ela.
Ciência e fé
Após a excomunhão para o procurantes abortum, effectu sequuto, a Igreja se manteve firme1win saque mínimoseu posicionamento. "Os papas recentes,1win saque mínimoparticular João Paulo 2º [(1920-2005)], encaram o aborto como o auge da desumanização dos comportamentos", explica o biólogo e sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP. "A 'cultura da morte' é uma situação1win saque mínimoque as pessoas são reduzidas a números e engrenagens num sistema socioeconômico que não se preocupa com elas. Assim, cada pessoa pode ser descartada ou substituída quando não interessa ao sistema."
Essa ideia, como pontua Ribeiro Neto, foi chamada1win saque mínimo"cultura do descarte" pelo papa Francisco. "O fato da mãe não desejar mais a vida do próprio filho representa o ponto mais alto dessa desumanização, no qual as relações mais vitais deixaram1win saque mínimoser significativas."
Ao observar as mudanças históricas da Igreja quanto aos entendimentos, o acadêmico vê uma coerência baseada no patamar científico1win saque mínimocada momento. "A doutrina católica segue o conhecimento médico da época", argumenta ele. "O princípio é que toda vida humana é inviolável a partir do momento1win saque mínimoque tem uma alma imortal, infundida por Deus."
"Na Idade Média, acreditava-se que o feto só ganhava vida começava a se movimentar. Portanto, não tinha alma [até esse momento]. Com o tempo, concluiu-se que o feto já era uma nova vida, diferente daquela da mãe, a partir da concepção. E a Igreja mudou1win saque mínimocronologia1win saque mínimorelação ao aborto", diz Ribeiro Neto. "A mudança foi1win saque mínimocronologia, não1win saque mínimoprincípio."
Professor1win saque mínimobioética na Universidade1win saque mínimoSão Paulo (USP) e membro da Pontifícia Academia para a Vida, Dalton Luiz1win saque mínimoPaula Ramos avalia a postura medieval como "coerente pelo fato1win saque mínimoque naquela época só conseguiam constatar a existência do corpo [no caso, do feto] macroscopicamente observando".
"Elio Sgreccia [(1928-2019), cardeal italiano, presidente da Pontifícia Academia para a Vida] costumava dizer que o que São Tomás1win saque mínimoAquino não tinha era microscópio, porque o conceito vai sendo constatado microscopicamente a partir do desenvolvimento dessas tecnologias,1win saque mínimoobservação,1win saque mínimoexames."
Para o bioeticista Martins, se a Igreja sempre condenou o aborto, antes1win saque mínimoPio 9º "havia mais espaço para interpretação, para ver que1win saque mínimoalguns casos até poderia se recorrer a isso". "Hoje, não mais", pontua. "Mas, do ponto1win saque mínimovista moral, é muito importante entender que, na Igreja, a intenção conta muito. A intenção1win saque mínimocometer o ato faz parte da maneira1win saque mínimojulgar a moralidade do ato, e isso é fundamental na Igreja."
"Outro elemento é a questão da misericórdia. Apesar1win saque mínimoa Igreja ter essa questão definida, há sempre a misericórdia: acolher e respeitar as pessoas que caíram nesse erro", diz ele.
No caso1win saque mínimoBiden, a polêmica baseia-se1win saque mínimoum documento assinado pelo então cardeal Joseph Ratzinger, antes1win saque mínimose tornar papa Bento 16, quando ele ainda era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. "Ele elencava cinco exigências irrenunciáveis para a conduta dos políticos", explica Ribeiro Neto. "O direito à vida; a proteção e promoção da família; a liberdade,1win saque mínimoparticular religiosa e1win saque mínimoeducação; a economia à serviço da pessoa; e a construção da paz."
"Contudo, os grupos contrários ao aborto, principalmente nos Estados Unidos, frequentemente se atinham apenas à primeira exigência, criando o paradoxo1win saque mínimocristãos apoiaram políticos corruptos e mal-intencionados só porque esses se declaravam contrários ao aborto", afirma o sociólogo. "Criou-se uma partidarização da questão. Republicanos condenavam o aborto, mas eram coniventes com o aquecimento global, com as guerras e contra a acolhida aos migrantes. Democratas fazem exatamente o contrário."
"Como, na verdade, as cinco exigências são 'irrenunciáveis', a comunidade cristã está se dividindo por questões partidárias,1win saque mínimovez1win saque mínimobuscar a unidade na busca do bem comum. Esse é o pano1win saque mínimofundo pelo qual alguns católicos querem uma condenação clara da conduta1win saque mínimoBiden e o próprio Vaticano tem pedido um esforço para o diálogo1win saque mínimocomunhão", salienta Ribeiro Neto.
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