O disco italiano esquecidoChico Buarque:

Fotopreto e branco mostra Chico Buarque sorrindo e tirando microfone do pedestal

Crédito, Studio Brenzoni

Legenda da foto, Chico Buarqueapresentação no teatro AristonSanremo, no ano1996

Um ano antes, os italianos já tinham sido apresentados à música do jovem compositor brasileiro com La Banda na voz da popular Mina.

Adepto da "arte do encontro" preconizado por ViniciusMoraes, Rambaldi virou uma figura apreciada pelos músicos brasileiros que se apresentavam na Itália graças ao compositor e produtor Sergio Bardotti, amigo e parceiro italianoChico, que porvez apresentou Bardotti a Vinicius, rendendo novas parcerias.

O círculo explica o motivoChico Buarque ter saído do Brasil naquele final1996, num anoque não fez nenhum outro show, para se apresentar no teatro Ariston di Sanremohomenagem a Rambaldi, que ele conheceu1981, quando foi premiado no Tenco.

"Eles só se encontraram nessa ocasião, mas Chico entendeu o personagem que era Rambaldi e o estimava muito. Entre eles estava Bardotti, claro. Ele nem cobrou cachê por aquela apresentação", recorda EnricoAngelis, diretor-artístico do Tenco à época.

Trofeúcima da mesa diz: Chico BuarqueHollanda, troféu Tenco

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Em 1981, artista recebeu troféuprêmio criadohomenagem ao cantor Luigi Tenco, morto1967 e autor do clássico Ciao amore ciao

NascidoSanremo, cidade à beira-mar no norte italiano com grandes floriculturas, Amilcare Rambaldi se dedicou profissionalmente à exportaçãoflores. Partiu dele a ideiacriar um eventomúsica na cidade, origem do festivalSanremo, cuja primeira edição aconteceu1951. Ainda hoje o festival é o maior da Itália, com edições televisionadas e grande repercussão nacional.

Rambaldi criou o clube e o prêmio Tenco - homenagem ao cantor Luigi Tenco, morto1967 e autor do clássico Ciao amore ciao -1974. O objetivo era rivalizar com o próprio Sanremo, existindo quase como seu lado B: dedicado à música autoral, italiana e estrangeira, e tradicionalmente abrigando novidades e veteranos num clima mais relaxado e festivo.

Na segunda edição do Tenco, o artista premiado foi ViniciusMoraes, início da longa relação com a música brasileira. "O nosso grande intermediário sempre foi Bardotti", conta EnricoAngelis.

Desde então, já foram homenageados Tom Jobim, premiado1990 e que se apresentou naquela edição com Caetano Veloso, Gilberto Gil (em 2002) e Milton Nascimento (2008).

Quando foi premiado1981, Chico compareceu ao evento, mas como estava afastado dos palcos, não se apresentou. "O show demorou 15 anos", ressalta De Angelis.

Chico e Enzo no palco,foto preto e branca

Crédito, Studio Brenzoni

Legenda da foto, Chico canta com Enzo Jannacci
Chico cantando ao microfonefoto preto e branca

Crédito, Studio Brenzoni

Legenda da foto, GravadoraChico acabou não lançando disco com gravação ao vivo ocorrida1996

Na apresentação registradaCiao ragazzo, Chico canta com Enzo Jannacci (morto2013) e faz solo dois covers do cancioneiro italiano. Um é Genova per noi, músicaPaolo Conte que ele conheceu escutando rádio durante uma viagem a Marrakesh. O outro é Anema e core, canção celebrizada pelo napolitano Roberto Murolo e cantarolada pelo pai, Sérgio BuarqueHolanda, que copiava até o dialetoNápoles (devidamente replicado pelo filho no show). Chico já tinha gravado essa música num dueto com Zizi Possi.

"Todo ano fazíamos a gravação dos participantes do Club Tenco. O Chico autorizou e depois ouviu o disco", afirma Toni Verona, diretor da Ala Bianca. Apesardesconhecido do público brasileiro, o disco está disponívelplataformas como Spotify.

"É raro um disco todohomenagem ao Chico. Um disco que ele topou e ainda participou. Mostra um retorno dele ao sentimentopertencimento com a Itália", diz Guilherme Tauil, pesquisador da obra do artista.

Roma e a Itália deixaram boas lembranças na família BuarqueHolanda. A primeira passagemChico no país se deu1953, ainda criança, quando todos os irmãos e a mãe, Maria Amélia Cesário Alvim, foram acompanhar Sérgio BuarqueHolanda, à época professor da universidade SapienzaRoma. Eles ficaram por lá cercadois anos, período que Chico aprendeu o italiano e conheceu algo da cultura local.

Mais tarde, no final1968, quando já era um artista consagrado e com músicas gravadas na Itália, ele deixou o Brasil com a atriz Marieta Severo, num exílio voluntário, logo após a ditadura baixar o AI-5 (Ato Institucional nº 5, marco do período mais duro da ditadura militar). Silvia, a primeira filha do casal, nasceuRoma.

"Minha mãe sempre repete que os dois anos passados nessa cidade foram os mais felizessua vida", disse o cantor numa entrevista ao jornal La Repubblica2000, quando visitou Roma para receber uma homenagem da prefeitura. Maria Amélia morreu2010.

A cantora Miúcha,irmã mais velha, dizia que Roma eracidade preferida, onde mais gostouviver. Mortadezembro2018, no final da vida ela expressou a amigos o desejoretornar à cidade e tinha na cabeceira um guia dos seus lugares misteriosos.

Sentado com violão, Chico sorri para foto

Crédito, Studio Brenzoni

Legenda da foto, Chico viveu na Itália na infância e depois,um exílio voluntário

A carreiraChico na Itália não decolou comercialmente, mas deixou raízes profundas, como mostra o disco-tributo. No seu segundo período romano, ele gravou dois discos pela RCA, um deles Per un pugno di samba, com orquestração feita pelo maestro Ennio Morricone. Após 14 meses na Itália, ele e a família retornaram para o Brasilmarço1970.

O guitarrista IrioPaula, brasileiro que chegouRoma no final dos anos 1960 para acompanhar artistas radicados na Itália à época, como Elza Soares, participou da gravaçãoPer un pugno di samba. Ele foi o único brasileiro escalado ao lado dos italianos para a homenagem a Chico1996, que resultouCiao ragazzo. Outro grande violonista, o italiano Armando Corsi também foi escalado na apresentação. Ele abre o disco com um instrumentalSambaOrly, música que faz referência no título ao aeroportoParis mas que foi compostaRoma por Chico, Toquinho e Vinicius.

"Foi uma noite inesquecível", diz a cantora Tosca Donati, que tinha na época 20 e poucos anos e cantou Facendo i conti, uma versão feita por Sergio Bardotti para Trocandomiúdos. Pouco depois, ela gravou a canção num estúdioRoma com a participaçãoChico Buarque.

"Naquela ousadia da juventude, perguntei se ele topava gravar ela comigo. Ele aceitou, mas desde que viesse gravá-la na Itália", recorda a cantora, que alimenta o sonho de, um dia, fazer o musical italiano da Ópera do malandro.

Plateiacostassala, com Chico sorrindo na tela

Crédito, Reprodução

Legenda da foto, Chico Buarque na conferênciahomenagem a Sergio Bardotti2017, para lembrar os dez anos da morte do italiano. O homempé, que conversa com Chico, é EnricoAngelis

Chico e Bardotti se conheceram no RioJaneiro1968, pouco anteso brasileiro se mudar para a Itália e logo depoiso italiano ter uma música premiada no festivalSanremo, motivo da viagem ao Brasil.

A relação se estreitouRoma, mais tarde, e prosseguiu nas décadas seguintes, dando frutos como o musical infantil Os Saltimbancos. Cinco anos mais velho que o amigo, Bardotti morreu2007. Num evento realizado2017 para recordá-lo nos dez anossua morte, o compositor brasileiro participou conectado desde Paris.

"Chico costumava vir na Itáliadoisdois anos, e nós costumávamos ir ao Rio com a mesma frequência", conta Carmen Di Domenico, viúvaBardotti e que ainda guardacasa o prêmio Tenco que o brasileiro recebeu1981.

"Ele trouxe a premiação para nossa casa naquele ano. Chico foi deixando, disse que pegaria na próxima vez, na próxima, e está aqui até hoje".

Línea

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