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Astronauta conta como sobreviveu a um ano no espaço — sem natureza, mas com fantasiagorila:
"Misha, Gennady e eu,vezficarmos resmungando um para o outro na Soyuz, teríamos explodidoum milhãodireções como átomos difusos, tudo no espaçoum milésimosegundo", afirma eleseu livromemórias Endurance.
A rotina da tripulação na Estação Espacial Internacional tem muitas características mundanas da vida cotidiana na Terra: chamadasvídeo, faxina e dias ruins no trabalho. Masvezquando — como na ocasião descrita acima —, os astronautas recebem um duro lembrete do ambiente hostil do ladofora do confortosua nave.
A partir2007, Scott fez três visitas independentes ao posto avançadoórbita no espaço. Mas foiseu último voo, entre 2015 e 2016, que ganhou reconhecimento mundial.
Junto com Misha Kornienko, ele foi encarregadopassar um ano inteiro na estação espacial — o dobro da duraçãouma estadia regular. Ao fazer isso, ele quebrou o recorde americano anteriorvoos espaciaislonga duração, estabelecido pelo astronauta Michael López-Alegría,mais100 dias.
Mas Scott também é conhecido por ter um irmão gêmeo idêntico, Mark, que também era astronauta da Nasa. Mark, que é cercaseis minutos mais velho, foi eleito senador pelo Estado do Arizona nas eleições2020 nos Estados Unidos.
Conversando a BBC por videochamadasua casa no Colorado, Scott Kelly conta que nunca sentiu vontadevoltar para casa mais cedo.
"Meu objetivo sempre foi chegar ao fim do voo com tanta energia e entusiasmo quanto eu tinha no início — e acho que consegui isso."
"Eu poderia ter ficado lá mais tempo, se houvesse um bom motivo. Então nunca duvidei da minha capacidadefazer isso", acrescenta.
Apesar do fatoastronautas e cosmonautas serem avaliados quanto àcapacidade psicológica para lidar com situações como essa, ele afirma:
"Sei que outras pessoas passaram por momentos difíceis. Eu mesmo vi isso pessoalmente — algumas pessoas enfrentando um desafio ao ficarem isoladas assim. É difícil, mas não tão difícil que você não consiga."
"Não sei se é necessariamente uma questãoser introvertido/extrovertido, mas você definitivamente tem que se sentir confortável sendo seu próprio entretenimento. Não é para todos", completa.
As coisas mais difíceis, segundo ele, são não ser capazsaircasa e vivenciar a natureza, assim como a agenda diáriatarefas da estação espacial. Outro desafio, acrescenta ele, foi dividir um lugar relativamente pequeno com as mesmas pessoas por tanto tempo — "mesmo que todas essas pessoas sejam ótimas".
Foi um desafio enfrentado com sucesso, no entanto, já que o confinamento no espaço apertado ajudou a criar amizadeslonga data:
"Acabeitrocar e-mails com Kjell Lindgren (da Nasa). Minha mulher e eu fizemos uma videoconferência outro dia com Samantha Cristoforetti (astronauta italiana da Agência Espacial Europeia). Falo com Misha Kornienko e Gennady Padalka", revela.
Os EUA estão comprometidos com mais quatro anosfinanciamento para a Estação Espacial Internacional, mas há incertezas sobre a continuidade do apoio ao laboratórioórbita depois disso. A estação nasceu na década1990, durante uma eratrégua política entre os EUA e a Rússia.
"O programa da estação espacial tem sido um grande exemplocooperação internacionalforma pacífica", afirma Kelly.
"Minha experiência com os cosmonautas da estação sempre foiprofissionalismo, respeito e confiança uns nos outros."
Kelly não foi consumido pelo trabalho durante todo o ano que passouórbita; ele também conseguiu encontrar tempo para a diversão, tão necessária.
No que viria a se tornar um vídeo viral, ele perseguiu o astronauta britânico Tim Peake por parte da estação espacial vestido com uma fantasiagorila. Peake, é preciso dizer, faz um bom trabalhointerpretação ao fugir assustado — se é que ele está realmente atuando.
A fantasiagorila — embalada a vácuo e enviadaum vooabastecimento — foi um presenteaniversárioMark. Pergunto então a Scott se era algum tipopiada interna entre os irmãos.
"Meu irmão falou: 'Ei, estou mandando uma fantasiagorila para você'. E eu disse: 'Por que você está me mandando uma roupagorila?' Ele respondeu: 'Por que não?'", conta Scott, com um sorriso irônico.
"Essa foi toda a reflexão sobre isso."
Os irmãos foram criados no subúrbioNova Jersey, nos EUA, por pais que eram policiais. A mãe foi a primeira policial feminina no municípioWest Orange, onde cresceram — e Scott cita a determinação dela como inspiraçãoseus esforços para se tornar astronauta.
Mark e Scott demonstraram desde cedo aptidões semelhantes para assumir riscos, que levaram a ferimentos frequentes, incluindo hospitalizações. Mas houve um momento na escolaque Mark avançava nos estudos, enquanto Scott tendia a se distrair facilmente durante as aulas.
Na faculdade, era o ambiente das festas que disputava a atençãoScott. Ele atribui a uma conversa por telefone com Mark — que disse a ele para deixarlado a socialização e se dedicar aos estudos — com a reviravoltaseu destino acadêmico.
Depoistreinar para ser piloto da Marinha, Scott foi designado para um esquadrãoataque chamado World Famous Pukin 'Dogs. Ele pilotou o F-14 Tomcat — o avião que aparece no filme Top Gun — durante a década1990 e realizou missõescombate durante a primeira Guerra do Golfo.
No entanto, Scott estava ansioso para fazer parteum grupo ainda maiselite: daqueles que voavamônibus espaciais. Após ser selecionado como astronauta da Nasa na turma1996, junto com Mark, Scott serviu como pilotouma missãoônibus espacial, antescomandar outra2007.
No ônibus espacial, é o comandante que realmente pilota o veículo, e é na aterrissagem extremamente difícil que essas habilidades se destacam.
"Eu pilotei apenas uma vez. É meio louco considerar quanto tempo e esforço você dedica para desempenhar essa funçãopilotar, e aí você faz isso uma ou duas vezes", diz Scott.
"Você tem uma chancepousar. Se você não pousa, não é como se você estivesse adicionando potência e tentando mais uma vez. Você sabe que não apenas seus colegas estão assistindo, mas uma grande parte do resto do mundo."
O ônibus espacial era um veículo magnífico, embora imperfeito. E o mundo foi lembrado dos enormes riscos das viagens espaciais quando,2003, o ônibus espacial Columbia se partiu ao retornar à Terra, matando sete astronautas.
A culturasegurança da Nasa foi criticada por investigações após os acidentes com os ônibus espaciais Challenger e Columbia. Kelly perdeu amigos no Columbia e, no momento da entrevista à BBC, ele estava se preparando para discursar no Virtual Safety Culture Summit, ao ladoCharles "Sully" Sullenberger — que pousou um avião da US Airways no Rio Hudson — e a ativista ambiental Erin Brockovich.
"As coisas que fazemos são extraordinariamente arriscadas", diz ele.
"A segurança deve ser responsabilidadetodos... todos precisam saber que têm o poderse manifestar se houver um problema."
Quando foi originalmente proposto que um dos gêmeos idênticos seria enviado para uma estadiaum ano na Estação Espacial Internacional, um grupocientistas vislumbrou uma oportunidade únicaestudar os efeitoslongos períodos no espaço no corpo humano.
Ao usar Mark como um "controle" geneticamente idêntico na Terra, os cientistas teriam uma segurança maiorque quaisquer mudanças que eles observassemScott teriam sido causadas pelo ambiente espacial. Ambos os gêmeos foram submetidos a uma bateriaexames para avaliar possíveis mudanças emfisiologia, habilidades cognitivas, imunidade e DNA.
Entre outras coisas, os resultados revelaram mudanças genéticas que sugeriam que o DNAScott estava se regenerando devido aos danos da radiação cósmica.
Os cientistas também identificaram mudanças inesperadas nas "capas" das extremidades dos cromossomosScott, chamadas telômeros, assim como mudanças na química do sangue, massa corporal e flora intestinal. Mas a grande maioria foi revertida quando ele voltou à Terra.
Quatro anos depois, ele diz: "Não tenho nenhum sintomanada que possa apontar definitivamente como causado por essa quantidadetempo no espaço, mas tenho algumas mudanças estruturais e fisiológicasmeus olhos — embora não afetem minha visão".
Os cientistas sabem que algumas pessoas são mais afetadas por mudanças oculares no espaço do que outras. E tem havido estudos sobre a genética subjacente a essas diferenças.
A reportagem pergunta a Scott se, à medida que aprendemos mais sobre como diferentes pessoas reagem ao ambiente espacial, esses marcadores biológicos poderiam desempenhar um papel maior na seleçãoastronautas — talvez até mesmodetrimentocaracterísticas mais tradicionais.
"Acho que não é apenas uma questão para a Nasa, mas para nossa sociedadegeral... Isso entra profundamente na questão dos seguros e das condições pré-existentes — se a suscetibilidade genética pode ser considerada uma condição pré-existente. Essa é definitivamente uma discussão ética a ser feita", diz ele.
As descobertas do estudo com os gêmeos foram reconfortantes à luz dos planos das agências espaciaisenviar astronautasuma viagemida e volta ao Planeta Vermelho, que fica a 34 milhõesmilhas da Terra — e cada trecho da jornada pode levar nove meses.
Mas os astronautas serão expostos a cerca10 vezes a doseradiação que receberiam na órbita da Terra, o que oferece o riscocâncer e outras doenças no longo prazo.
"Você terá que encontrar uma maneirase proteger ou chegar a Marte mais rápido", diz Scott.
"A outra opção é aceitar o risco."
Este é um dilema que você imagina que o próprio Scott teria considerado com cuidado. Ele se aposentou da Nasa2016 e, desde então, vem escrevendo e falando sobre suas experiências. Commulher, ele se mudouHouston (o centro do programavoos espaciais com astronautas da Nasa) para Denver.
Nos quatro anos desde que ele saiu, novas oportunidades se abriram para viagens ao espaço — e habilidades como as dele estãoalta. O astronauta cujo recordevoos espaciaislonga duração Scott quebrou, Michael López-Alegría, está agora pronto para retornar da aposentadoria para comandar um voo com financiamento privado para a Estação Espacial Internacional a bordo da cápsula Crew DragonElon Musk.
Apesarjá ter alcançado tantas conquistas, está claro que o fascínioScott por viagens espaciais permanece o mesmo.
"Se alguém me perguntasse: 'Ei, você quer voar no espaço?' Eu diria: 'Claro, com certeza'. Dependeonde eu estaria me metendo: eu não entrariaum canhão e me lançaria como uma balacanhão", afirma.
"Teria que ser algo que fizesse sentido, que fosse seguro. Mas eu não descartaria. Se você conhece alguém aí que tem um foguete e precisapiloto..."
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