Por que Clarice Lispector, uma escritorab1 bet sitedifícil leitura, é uma das autoras brasileiras mais citadas na internet:b1 bet site

Os Lispector chegaram a Maceió,b1 bet siteonde mudaram para Recife,b1 bet site1924, e daí para o Riob1 bet siteJaneiro,b1 bet site1935, cidadeb1 bet siteque se estabelecem definitivamente.

No Brasil, os membros da família aportuguesaram seus nomes. O pai Pinkhas ou Pinkhouss passou a ser Pedro, e a mãe Marian ou Mania transformou-seb1 bet siteMarieta. Das filhas, Leah virou Elisa; Tcharna, Tânia; e Chaya, Clarice.

Casada com um diplomata brasileiro, a escritora morou fora do paísb1 bet site1944 a 1959 (Itália, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos), quando se separou e retornou ao Brasil, onde viveu atéb1 bet sitemorte,b1 bet site9b1 bet sitedezembrob1 bet site1977, um dia antes do seu aniversáriob1 bet site57 anos.

Em relação à obrab1 bet siteClarice, Noeli Lisbôa, mestreb1 bet siteTeorias do Texto e do Discurso, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que nos romances praticamente não há enredo.

"De tal modo que a escritora afirmab1 bet siteÁgua Viva: 'gênero não me pega mais', porque ela rompe realmente com a estrutura dos gêneros literários", explica. "O que me interessa realmente na Clarice é o questionamento que ela faz da linguagem,b1 bet siteseus limites,b1 bet sitesua incapacidadeb1 bet siteexpressar a vivência humana. Há duas frases dela que são expressivas disso: 'Viver não é relatável' e 'A realidade não tem sinônimos'. A obra dela me parece extremamente importante, porque é inovadora exatamente neste questionamento que faz da linguagem."

Segundo Amaral, autora do livro sobre Clarice, o que se destaca emb1 bet siteobra é a interioridade das personagens, seus movimentosb1 bet sitealienação eb1 bet sitebuscab1 bet sitetranscendência.

"A palavra 'clariceana' quer ser a coisa que ela representa, daí a linguagem ser toda permeada por entrelinhas, por meio das quais se pretende ir além do dito", explica,b1 bet siteentrevista à BBC News Brasil. "Trata-seb1 bet siteuma literatura metalinguística, que se indaga enquanto se realiza, conquistando tanto pelo processo do escrever quanto pelo produto: o texto."

Para o coordenador do Programab1 bet sitePós-Graduaçãob1 bet siteLetras da UFRGS, Antônio Marcos Vieira Sanseverino, na obra Clarice, há um voltar-se para dentrob1 bet sitesi, para a experiência interior, para o impacto das coisas no mundo na subjetividadeb1 bet sitesuas personagens.

"Tal experiência interior, radicalmente posta, é desagregadora, pois revela a estranhezab1 bet sitecada um, aquilo que não corresponde aos papeis sociais vividos na rotina", explica. "Em Clarice, é uma experiênciab1 bet sitelinguagem, oub1 bet sitebuscab1 bet siteuma linguagem capazb1 bet sitedar conta dessa estranheza."

O professor Arnaldo Franco Jr., da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz que Clarice Lispector está entre os grandes criadores no campo da literatura.

"Sua obra, marcada pelo hibridismob1 bet sitegêneros, pela experimentação linguística, pela afirmaçãob1 bet siteuma ótica feminina contribuiu para ampliar os valores temático-formais do sistema literário brasileiro", explica.

"Pode-se dizer que, a partir da traduçãob1 bet siteseus textos, ela afetou também literaturasb1 bet siteoutros países. Ela faz uma literatura que perturba o leitor, instalando uma perspectiva críticab1 bet siterelação aos esquematismos, que coisificam o viver e alienam o ser humano do contato vigoroso consigo próprio, com o outro, com a vida."

De acordo com ele, talvez a grande marca da obrab1 bet siteClarice Lispector seja a afirmação da liberdadeb1 bet sitecriar sem subordinação a normas, critérios e parâmetros idealizados do que deva ser o texto literário.

"Junto dessa afirmação, que afeta os planos temático e formalb1 bet sitesua literatura, afirma-se, também, uma desconfiança permanenteb1 bet siterelação à linguagem, aos jogosb1 bet sitepoder e hierarquia estabelecidos entre o eu e o outro, a valores e práticas idealizados socialmente", acrescenta.

Citações

Com essa complexidade todab1 bet sitesua obra, muitos se perguntam por que ela é uma das campeãsb1 bet sitecitações na internet. Há várias hipóteses.

"Isso ocorre porque há trechosb1 bet siteClarice que, retirados do contexto, podem ser lidos como mensagens edificantes, liçõesb1 bet sitevida que, na maioria das vezes, dão a impressãob1 bet sitesimplificá-la", explica Franco Jr. "Masb1 bet sitevez disso,b1 bet sitegeral, a adulteram e criam equívocos a respeitob1 bet sitesua arte."

De acordo com Sanseverino, há dois tiposb1 bet siteleitura para essa enxurradab1 bet sitecitações. "Na apresentação da nova edição do romance Água Viva, é contado que Cazuza teria lido a obra umas 111 vezes", diz. "Como Clarice traz para primeiro planob1 bet sitesua obra, uma experiênciab1 bet sitelinguagem que nos leva a colocarb1 bet sitexeque os padrões, sejam quais forem, quem busca se realizar fora do lugar social pré-determinadob1 bet sitefamília,b1 bet siteclasse social,b1 bet sitegênero, tende a se encontrar na obra dela."

O segundo tipob1 bet siteleitura, diz ele, é o das frases feitas, retiradas do contexto, que ganham a feiçãob1 bet sitemáximas, provérbios, ditos. "Ela tem,b1 bet sitefato, frases lapidares", diz. "Assim, parece que há uma buscab1 bet siteepigramas 'clariceanos', que sirvam para etiquetar uma vivência. Daí a autoridade da escritora, com a aura do mistério eb1 bet sitesuas epifanias,b1 bet sitecontribuir para a citação."

Para Franco Jr., a popularidadeb1 bet siteClarice na internet é um fenômeno que afeta a obra dela e, também, outros escritores e poetas, como, por exemplo, Caio Fernando Abreu, Carlos Drummondb1 bet siteAndrade e Luís Fernando Verissimo.

"As pessoas recortam trechos que as impactaram e lançam nas redes sociais", diz. "Descontextualizados, esses trechos acabam funcionando como máximas, 'ensinamentos' ou autoajuda. Qualquer obra literária está sujeita isso. Talvez uma outra razão para a escolha da obrab1 bet siteClarice para este tipob1 bet siteprocedimento esteja no fatob1 bet siteque se tratab1 bet siteuma literatura marcada pela cogitação existencial."

A proliferaçãob1 bet sitecitaçõesb1 bet sitetextos ou frasesb1 bet siteClarice Lispector, sejam dela mesmo ou atribuídas erradamente a ela, pode ser, no entanto, uma facab1 bet sitedois gumes para a divulgação e conhecimentob1 bet sitesua obra.

"É bom e ruim ao mesmo tempo", diz Franco Jr. "O aspecto positivo está na própria divulgação do nome e da obra literáriab1 bet siteClarice Lispector, pois isso pode atrair novos leitores, gente que buscará ler os contos, os romances, as crônicas."

O lado negativo, segundo ele, diz respeito às distorções que isso pode gerar, como descontextualização e perda do sentido crítico dos textos, redução da obra à condiçãob1 bet sitetextob1 bet siteautoajuda, atribuiçãob1 bet sitefalsa autoria a textos que ela nunca escreveu.

"Esse aspecto negativo cria episódios constrangedores, com pessoas citando textos falsos que ela nunca escreveu, por exemplo", explica. "E a atribuiçãob1 bet sitefalsa autoria, a depender das circunstâncias, pode resultarb1 bet siteprocesso jurídico."

Para Lisbôa, da UFGRS, é sempre ruim quando textos são atribuídos equivocadamente a determinados autores porque isso não contribuib1 bet sitenada para o conhecimento da obrab1 bet siteninguém. "Quando é uma obra boa, isso se caracteriza como uma injustiça ao verdadeiro autor; quando é uma obra ruim se configura uma injustiça com aquele a quem ela é atribuída."

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