'Era um menino e comecei a menstruar': os relatosa2 betsintersexuais, do espanto à aceitação:a2 bets
Os médicos dizem que qualquer decisãoa2 betsredesignar o sexo não é fácil — um teste genético é realizado para determinar o gênero da criança e vários médicos, pais e geneticistas discutem juntos se a cirurgia deve ser realizada.
Mas ativistas intersexo se opõem à cirurgia não urgentea2 betsredesignação sexuala2 betscrianças. Eles dizem que uma pessoa pode tomar a decisão certa sobre seu gênero apenas na idade adulta.
Eles acreditam que os pais e os médicos não devem decidir por eles sobre se são um homem ou uma mulher.
Três mulheres intersexuais contam suas histórias aqui, descrevendo seu caminho para a autoaceitação.
Iryna Kuzemko, 27, ativista intersexo
Cresci como uma menina até chegar à adolescência. Todas as minhas colegas chegaram à puberdade e eu não menstruei. Com o tempo, continuei a ser a única garota da classe que não tinha seios.
Um dia, nossa classe foi levada para assistir a um filme sobre puberdadea2 betsmeninas. Foi uma experiência extremamente dolorosa. Não entendia porque o corpoa2 betstodo mundo estava se desenvolvendo conforme o filme explicava e o meu não.
Minha mãe e minha avó não se preocupavam que eu não estivesse me desenvolvendo como as outras meninas. Elas diziam: "Sem problemas. Tudo vai ficar bem."
Mas, quando completei 14 anos, convenci-as a me levar ao ginecologista.
O médico disse que eu precisava fazer meus ovários funcionarem. E me prescreveu alguns procedimentos para "estimulá-los". Fiz isso uma vez por semana durante vários meses, masa2 betsvão. Me senti ainda mais angustiada.
Aos 15 anos, meu pai me levou a médicosa2 betsMoscou (Rússia). Lembro como eles passaram rapidamente por mim. Não me explicaram nada — apenas chamaram meu pai ao consultório.
Meu pai disse que eu deveria fazer uma pequena operação, ou talvez duas. Não sabia o que eles estavam fazendo comigo. As meninas da escola me perguntaram, mas eu mesma não tinha ideia.
Mais tarde, comentei com meu pai que seria melhor eu tirar tudoa2 betsdentro. E ele respondeu: "Mas você teve tudo removido!" Fiquei chocada. Foi assim que descobri que meus ovários foram removidos.
Como estudante, mergulhei ainda mais fundo na autoagressão e no ódio por mim mesma.
Encontrei um vídeo sobre pessoas intersexo na internet e percebi que minha história se assemelhava à delas.
Reuni todos os meus registros médicos e liguei para um dos médicosa2 betsMoscou, com minha mãe por perto. Fiquei assustada.
Então, aos 22 anos, descobri que, sete anos antes, eu havia removido um testículo e tecidos não funcionais com elementosa2 betstecido ovariano. Tenho tomado hormônios desde então.
Também descobri que tenho cromossomos masculinos e também femininos. E que tenho um útero.
Depois disso, tive uma conversa séria com meu pai. Ele disse que dois psicólogos infantis o aconselharam a não me contar sobre isso.
Meu pai não admitiu seu erro: ele deveria ter me contado a verdade imediatamente. Minha vida seria diferente.
Não falo com ele desde então.
Alguns dias depois dessa notícia, fiquei profundamente frustrada. Não sabia mais como viver. Mas me aceitei muito rapidamente. Agora tenho uma palavra para descrever minha formaa2 betsdesenvolvimento sexual, "intersexo". Antes, eu vivia imersaa2 betsincerteza.
Descobri que as variações do intersexo são algo com que as outras pessoas convivem pacificamente. Não precisa necessariamente haver sofrimento. Minha autoestima cresceu consideravelmente.
Também decidi me tornar ativa para ajudar outras crianças e adolescentes a evitar o trauma que experimentei.
Hoje, muitosa2 betsmeus colegasa2 betsclasse, professores e amigos me apoiam. Eu recebo muito amor das pessoas.
Desde que passei a me compreender e me aceitar, todos os anos da minha vida têm sido mais felizes.
Comentário médico: Julia Sydorova, pediatra
"É necessário distinguir a cirurgia quando a vida da criança está ameaçada, e a chamada cirurgia estética. Esta última é realizada na maioria das vezesa2 betsbebês:a2 betsgenitália externa é remodelada para ter uma aparência típica.
Uma criança do sexo feminino, por exemplo, pode ter genitália externa com características masculinas. Pode haver hipertrofia clitoriana. Para dar-lhe uma aparência feminina típica, o clitóris é dissecado.
Embora essa condição não seja fatal, existem preocupações sociais. Essa criança pode ser vista com desconfiança no jardima2 betsinfância ou na piscina.
Às vezes, a mesma variação intersexual interrompe a produçãoa2 betsurina — então a cirurgia é absolutamente justificada.
Cada criança deve ter a chancea2 betstomar suas próprias decisões sobre seu corpo e gênero. Elas podem fazer isso conscientemente quando crescerem. Se houver um problema específico, como uretra bloqueada, que impossibilita a ida ao banheiro, a criança precisaa2 betsajuda.
A cirurgia geralmente pode causar efeitos colaterais, como perdaa2 betssensibilidade, infertilidade ou dor crônica. A terapia hormonal aumenta o riscoa2 betscâncer. Eu vou regularmente ao médico para checar se está tudo OK.
Também é importante entender que a variação do intersexo não deve ser confundida com a orientação sexual. A maioriaa2 betsnós é heterossexual, mas existem homossexuais, assim como corre com as pessoas que não são intersexo.
Pessoas com variações intersexuais têm famílias e filhos, mas algumas aprendem sobre suas variações intersexuais pela análisea2 betscromossomos, quando não conseguem conceber um filho.
Cada história é única: características sexuais mistas podem já ser visíveis no nascimento, mas outras pessoas têm uma aparência típica e a variação intersexo se manifesta apenas durante a puberdade.
Lia (nome alterado)
Minha história começou na maternidade. Os médicos disseram à minha mãe que eu tinha genitália subdesenvolvida, que não parecia masculina nem feminina.
Perguntaram a ela: "Você acha que deu à luz uma menina ou um menino?".
Minha mãe decidiu me registrar como menina. Este foi o primeiro erro que os médicos cometeram. Eles não deveriam ter colocado toda a responsabilidade sobre minha mãe.
Então, inicialmente, cresci como uma menina.
Mas antesa2 betscomeçar a escola, minha mãe me levou para um exame médico. O médico da clínica infantil disse à minha mãe: "Você está sã? Você tem um menino!"
Outros médicos confirmaram que eu era menino e meus documentos e nome foram alterados.
Fui para a 1ª série como menino, mas havia crianças lá do meu jardima2 betsinfância, onde todos me conheciam como menina. Minha mãe teve que me transferir para outra escola.
Até então, eu não tinha me preocupado com o que estava acontecendo comigo. Mas quando percebi como os adultos estavam preocupados, comecei a me preocupar também e a me sentir estressada.
Recusei-me a cortar meu cabelo comprido, mas usava calças e roupas largas, como moletons. Entendo hoje que eles me permitiram evitar a escolha do meu sexo, o que me acalmou.
Mantenho esse visual até hoje.
Quando eu tinha 13 anos, sofri um acidente: fui atropelada por um cavalo. Acordei no hospital com uma fratura por compressão da coluna vertebral.
Coloquei um cateter, então as enfermeiras viram minha genitália e zombarama2 betsmim, dizendo que não estava claro se eu era uma menina ou um menino.
Imagine estar deitado com a coluna quebrada e ter que ouvir isso.
Depoisa2 betsreceber alta do hospital, fiqueia2 betscasa por um anoa2 betsum quarto onde havia uma cama, uma cadeira e duas tigelas: uma para comida e outra para banheiro.
Minha mãe, avó e irmã trabalhavam o dia todo e meu pai havia nos abandonado, então não havia ninguém para cuidara2 betsmim.
Um dia, eu estava com tanta dor que me automutilei com uma tesoura — foi assim que a automutilação apareceua2 betsminha vida. Minha mãe não se deu contaa2 betsnada.
Os médicos não acreditaram que eu voltaria a ficara2 betspé, mas comecei a fazer exercícios e um dia levantei-me sem nenhum equipamento especial.
A escola era o primeiro lugar par o qual queria ir — ficava a 20 minutos da minha casa, mas depois do ferimento, demorei duas horas para chegar lá.
Ali, as crianças me intimidaram e jogaram minha mochila no banheiro. Elas sabiam que eu não poderia correr atrás delas.
Tinha 16 anos quando uma manhã acordei e encontrei sangue na minha cama.
Fui levada ao hospital e um médico me examinou com ultrassom. De repente, ele gritou: "Tem um útero aqui!" Ele ignorou completamente o fatoa2 betsque eu podia ouvi-lo.
Foi assim que descobri que tinha genitália feminina — que era um menino que começou a menstruar.
Naquela época, queria que eles removessem o que estava dentro do meu corpo, algo que eu não podia ver.
No entanto, os médicos nos convencerama2 betsque era melhor deixar os órgãos internos, porque eles estavam funcionando perfeitamente e poderiam ser úteis no futuro.
Passei então por quatro cirurgias ao longoa2 betsalguns anos e me tornei uma mulher.
Agora, tenho dois filhos — um menino e uma menina.
Dei à luz meu filho com 20 anosa2 betsidade. Não tinha sentimentos maternos, mas meu filho e eu temos uma relação bastante próxima.
Minha filha não mora comigo. Eu a levei para o jardima2 betsinfância um dia e seu pai a pegou e a levou para outra cidade. Ele a sequestrou.
Conheci muitos homens e mulheresa2 betsminha vida. Me sentia atraída por mulheres e não tinha contato emocional com homens.
Os homens me interessavam apenas como modelos a seguir — observava o que eles faziam, como se comportavam na cama. Afinal, era o que eu queria fazer.
Tive quatro casamentos e estou me preparando para o quinto. Vamos ter um casamento na igreja. A pessoa que amo é um homem transgênero: ele nasceu no corpoa2 betsuma mulher, masa2 betsidentidadea2 betsgênero éa2 betshomem.
Quem sabe minha vida teria sido completamente diferente, se os médicos não tivessem nos convencido a fazer o que não deveríamos. Talvez eu não tivesse tido essa longa busca pela minha identidade, quatro casamentos, problemas com filhos...
Por outro lado, meus filhos, o casamento para o qual estou me preparando, meu retorno para a igreja — tudo isso éa2 betsgratidão à minha mãe. Todos esses anos ela viveu com culpa, questionando a si mesma se escolheu o sexo correto.
É horaa2 betsela se livrar da culpa.
Comentário médico: Julia Sydorova, pediatra
"Os médicos raramente encontram variações intersexuais.
Imagine os sentimentosa2 betsum adolescente que aprende sobre a presençaa2 betsvariações intersexuais aos 14 anos. E isso muitas vezes lhe é ditoa2 betsforma grosseira.
Os pais dessas crianças sofrem muita pressão. Frequentemente, são questionados se têm parentesco próximo ou se a mãe fumou ou bebeu durante a gravidez.
Mas ninguém está imune ao nascimentoa2 betsuma criança intersexo. Além disso, existe uma grande probabilidadea2 betsque existam pessoas intersexuais entre os seus conhecidos."
(A ONU diz que cercaa2 bets1,7% da população total pode ter uma das maisa2 bets40 variações possíveisa2 betsintersexo, embora outros médicos considerem o número bem menor.)
Olga Onipko, 35, ativista intersexo
Sempre pareci uma menina e também tenho um sistema feminino internamente.
Quando era adolescente, comecei a ganhar peso e sofri bullying. Corria dia e noite e fazia dieta para perder peso, mas continuava a engordar.
Aos 24 anos, fiz testesa2 betshormônios, que revelaram que meu sistema estava totalmente bagunçado, mas ainda não tinha ideiaa2 betsque era uma pessoa intersexo.
O endocrinologista prescreveu hormônios para reinstaurar o equilíbrio, mas depoisa2 betsum tempo eu fiquei com pelos no lábio superior e no pescoço. Imagine como é para uma garotaa2 bets25 anos que quer sair e fazer amigos.
Pareia2 betstomar esses hormônios e,a2 betsveza2 betsquando, quando tinha dinheiro e energia, procurava mais médicos.
Um médico se ofereceu para fazer uma análise do meu conjuntoa2 betscromossomos. Graças a isso, soube há quatro anos que tenho cromossomos masculinos, o que significa que sou uma pessoa intersexo.
Muito antes, aos 24 anos, percebi que era lésbica.
Então imagine meus sentimentos: durante toda a minha juventude eu me preocupei por não ser magra o suficiente, então percebi que era homossexual e agora estava me perguntando se eu era mulher o suficiente. Quem sou eu?
Meu irmão via minha condiçãoa2 betsintersexo com interesse. Minhas irmãs mais velhas ficaram mais preocupadas. Meus pais me aceitam, eles me amam, mas não quem falar sobre isso.
Também é difícil para eles aceitarem que meu parceiro seja uma pessoa não binária. Ela nasceu menina, mas não se percebe como pertencente a nenhum dos dois gêneros.
Para mim, um dos maiores prolemas dos intersexuais é a intolerância da sociedade à diversidade.
Pessoas intersexo precisam ser ouvidas. Elas dizem que as cirurgias da infância as paralisaram, que se sentem diferentes do que os médicos decidiram.
Médicos e pais tentam colocar uma criança com características sexuais confusas na estrutura bináriaa2 bets"homem ou mulher". A sociedade sente necessidadea2 betstornar essas pessoas "normais".
Essas pessoas são intimidadas por aqueles que têm um forte medo do incerto e do incomum.
Mas talvez a norma seja exatamente a possibilidadea2 betsque nasçam pessoas assim. A natureza nem sempre se encaixa na concepção binária dos sexos.
Serhiy Kyryliuk, professor associadoa2 betspsiquiatria e psicoterapia
Como psicoterapeuta, lido normalmente com esses pacientes.
Quando as pessoas intersexo ficam sabendo da cirurgia que fizeram quando crianças, elas podem ficar com muita raiva.
O principal é não deixar essa raiva habitar as profundezas da alma. É preciso enfrentá-la.
Quando elas se aceitam e percebema2 betssingularidade, se tornam extremamente bonitas. Seus rostos começam a brilhar. "
Colaborou Megha Mohan, correspondente globala2 betsidentidade da BBC
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