'Geração digital': por que, pela 1ª vez, filhos têm QI inferior ao dos pais:ganha aposta

Legenda do áudio, Em áudio: Por que, pela 1ª vez, filhos têm QI inferior ao dos pais

Seu livro se tornou um best-seller gigantesco na França. Veja abaixo trechos da entrevista com ele.

ganha aposta BBC News Mundo: Os jovensganha apostahoje são a primeira geração da história com um QI (Quocienteganha apostaInteligência) mais baixo do que a última?

ganha aposta Michel Desmurget: Sim. O QI é medido por um teste padrão. No entanto, não é um teste "estático", sendo frequentemente revisado. Meus pais não fizeram o mesmo teste que eu, por exemplo, mas um grupoganha apostapessoas pode ser submetido a uma versão antiga do teste.

Neurocientista Michel Desmurget

Crédito, Michel Desmurget

Legenda da foto, Neurocientista Michel Desmurget acredita que infânciaganha apostahoje está exposta a uma "orgia digital"

E, ao fazer isso, os pesquisadores observaramganha apostamuitas partes do mundo que o QI aumentouganha apostageraçãoganha apostageração. Isso foi chamadoganha aposta'efeito Flynn',ganha apostareferência ao psicólogo americano que descreveu esse fenômeno. Mas recentemente, essa tendência começou a se reverterganha apostavários países.

É verdade que o QI é fortemente afetado por fatores como o sistemaganha apostasaúde, o sistema escolar, a nutrição, etc. Mas se considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante estáveis por décadas, o 'efeito Flynn' começa a diminuir.

Nesses países, os "nativos digitais" são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França, etc.

ganha aposta BBC News Mundo: E o que está causando essa diminuição no QI?

ganha aposta Desmurget: Infelizmente, ainda não é possível determinar o papel específicoganha apostacada fator, incluindo por exemplo a poluição (especialmente a exposição precoce a pesticidas) ou a exposição a telas. O que sabemos com certeza é que, mesmo que o tempoganha apostatelaganha apostauma criança não seja o único culpado, isso tem um efeito significativoganha apostaseu QI. Vários estudos têm mostrado que quando o usoganha apostatelevisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem.

Os principais alicerces da nossa inteligência são afetados: linguagem, concentração, memória, cultura (definida como um corpoganha apostaconhecimento que nos ajuda a organizar e compreender o mundo). Em última análise, esses impactos levam a uma queda significativa no desempenho acadêmico.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta E por que o usoganha apostadispositivos digitais causa tudo isso?

ganha aposta Desmurget: As causas também são claramente identificadas: diminuição da qualidade e quantidade das interações intrafamiliares, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e do emocional; diminuição do tempo dedicado a outras atividades mais enriquecedoras (liçãoganha apostacasa, música, arte, leitura, etc.); perturbação do sono, que é quantitativamente reduzido e qualitativamente degradado; superestimulação da atenção, levando a distúrbiosganha apostaconcentração, aprendizagem e impulsividade; subestimulação intelectual, que impede o cérebroganha apostadesenvolver todo o seu potencial; e o sedentarismo excessivo que, além do desenvolvimento corporal, influencia a maturação cerebral.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta Que dano exatamente as telas causam ao sistema neurológico?

ganha aposta Desmurget: O cérebro não é um órgão "estável". Suas características 'finais' dependem da nossa experiência. O mundoganha apostaque vivemos, os desafios que enfrentamos, modificam tanto a estrutura quanto o seu funcionamento, e algumas regiões do cérebro se especializam, algumas redes são criadas e fortalecidas, outras se perdem, algumas se tornam mais densas e outras mais finas.

Provaganha apostaQIganha aposta1947

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Nossos pais não passaram no mesmo testeganha apostaQI que nós, observa neurocientista

Observou-se que o tempo gastoganha apostafrente a uma tela para fins recreativos atrasa a maturação anatômica e funcional do cérebroganha apostavárias redes cognitivas relacionadas à linguagem e à atenção.

Deve-se ressaltar que nem todas as atividades alimentam a construção do cérebro com a mesma eficiência.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta O que isso quer dizer?

ganha aposta Desmurget: Atividades relacionadas à escola, trabalho intelectual, leitura, música, arte, esportes… todas têm um poderganha apostaestruturação e nutrição muito maior para o cérebro do que as telas.

Mas nada dura para sempre. O potencial para a plasticidade cerebral é extremo durante a infância e a adolescência. Depois, ele começa a desaparecer. Ele não vai embora, mas se torna muito menos eficiente.

O cérebro pode ser comparado a uma massaganha apostamodelar. No início, é úmida e fácilganha apostaesculpir. Mas, com o tempo, fica mais seca e muito mais difícilganha apostamodelar. O problema com as telas é que elas alteram o desenvolvimento do cérebroganha apostanossos filhos e o empobrecem.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta Todas as telas são igualmente prejudiciais?

ganha aposta Desmurget: Ninguém diz que a "revolução digital" é ruim e deve ser interrompida. Eu próprio passo boa parte do meu diaganha apostatrabalho com ferramentas digitais. E quando minha filha entrou na escola primária, comecei a ensiná-la a usar alguns softwaresganha apostaescritório e a pesquisar informações na internet.

Os alunos devem aprender habilidades e ferramentas básicasganha apostainformática? Claro. Da mesma forma, pode a tecnologia digital ser uma ferramenta relevante no arsenal pedagógico dos professores? Claro, se faz parteganha apostaum projeto educacional estruturado e se o usoganha apostaum determinado software promove efetivamente a transmissão do conhecimento.

Porém, quando uma tela é colocada nas mãosganha apostauma criança ou adolescente, quase sempre prevalecem os usos recreativos mais empobrecedores. Isso inclui,ganha apostaordemganha apostaimportância: televisão, que continua sendo a tela número umganha apostatodas as idades (filmes, séries, clipes, etc.); depois os videogames (principalmenteganha apostaação e violentos) e, finalmente, na adolescência, um frenesiganha apostaautoexposição inútil nas redes sociais.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta Quanto tempo as crianças e os jovens costumam passarganha apostafrente às telas?

ganha aposta Desmurget: Em média, quase três horas por dia para criançasganha aposta2 anos, cercaganha apostacinco horas para criançasganha aposta8 anos e maisganha apostasete horas para adolescentes.

Bebê usando dispositivo móvel

Crédito, Thanasis Zovoilis/Getty Images

Legenda da foto, Uma criançaganha aposta2 anos passa quase três horas por diaganha apostafrente às telas,ganha apostamédia

Isso significa que antesganha apostacompletar 18 anos, nossos filhos terão passado o equivalente a 30 anos letivosganha apostafrente às telas ou, se preferir, 16 anos trabalhandoganha apostatempo integral!

É simplesmente insano e irresponsável.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta Quanto tempo as crianças devem passarganha apostafrente a telas?

ganha aposta Desmurget: Envolver as crianças é importante. Elas precisam ser informadosganha apostaque as telas danificam o cérebro, prejudicam o sono, interferem na aquisição da linguagem, enfraquecem o desempenho acadêmico, prejudicam a concentração, aumentam o riscoganha apostaobesidade, etc.

Alguns estudos mostram que é mais fácil para crianças e adolescentes seguirem as regras sobre telas quandoganha apostarazãoganha apostaser é explicada e discutida com eles. A partir daí, a ideia geral é simples:ganha apostaqualquer idade, o mínimo é o melhor.

Além dessa regra geral, diretrizes mais específicas podem ser fornecidas com base na idade da criança. Antes dos seis anos, o ideal é não ter telas (o que não significa queganha apostavezganha apostaquando você não possa assistir a desenhos com seus filhos).

Quanto mais cedo forem expostos, maiores serão os impactos negativos e o riscoganha apostaconsumo excessivo subsequente.

A partir dos seis anos, se os conteúdos forem adaptados e o sono preservado, o tempoganha apostafrente à tela pode chegar até meia hora ou até uma hora por dia, sem uma influência negativa apreciável.

Outras regras relevantes: sem telas pela manhã antesganha apostair para a escola, nada à noite antesganha apostair para a cama ou quando estiver com outras pessoas. E, acimaganha apostatudo, sem telas no quarto.

Mas é difícil dizer aos nossos filhos que as telas são um problema quando nós, como pais, estamos constantemente conectados aos nossos smartphones ou consolesganha apostajogos.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta Por que muitos pais desconhecem os perigos das telas?

ganha aposta Desmurget: Porque a informação dada aos pais é parcial e tendenciosa. A grande mídia está repletaganha apostaafirmações infundadas, propaganda enganosa e informações imprecisas. A discrepância entre o conteúdo da mídia e a realidade científica costuma ser perturbadora, se não enfurecedora. Não quero dizer que a mídia seja desonesta: separar o joio do trigo não é fácil, mesmo para jornalistas honestos e conscienciosos.

Mas não é surpreendente. A indústria digital gera bilhõesganha apostadólaresganha apostalucros a cada ano. E, obviamente, crianças e adolescentes são um recurso muito lucrativo. E para empresas que valem bilhõesganha apostadólares, é fácil encontrar cientistas complacentes e lobistas dedicados.

menino jogando videogame

Crédito, Tomohiro Ohsumi/Getty Images

Legenda da foto, Empresas digitais contratam especialistas para explicar como os jogadores inteligentes são e como é bom jogar videogame

Recentemente, uma psicóloga, supostamente especialistaganha apostavideogames, explicouganha apostavários meiosganha apostacomunicação que esses jogos têm efeitos positivos, que não devem ser demonizados, que não jogá-los pode ser até uma desvantagem para o futuroganha apostauma criança, que os jogos mais violentos podem ter ações terapêuticas e ser capazganha apostaaplacar a raiva dos jogadores, etc.

O problema é que nenhum dos jornalistas que entrevistaram essa "especialista" mencionou que ela trabalhava para a indústriaganha apostavideogames. E este é apenas um exemplo entre muitos descritosganha apostameu livro.

Isso não é algo novo: já aconteceu no passado com o tabaco, aquecimento global, pesticidas, açúcar, etc.

Mas acho que há espaço para esperança. Com o tempo, a realidade se torna cada vez mais difícilganha apostanegar.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta Há estudos que afirmam, por exemplo, que os videogames ajudam a obter melhores resultados acadêmicos…

ganha aposta Desmurget: Digo com franqueza: isso é um absurdo.

Essa ideia é uma verdadeira obra-primaganha apostapropaganda. Baseia-se principalmenteganha apostaalguns estudos isolados com dados imprecisos, que são publicadosganha apostaperiódicos secundários, pois muitas vezes se contradizem.

Em uma interessante pesquisa experimental, consolesganha apostajogos foram dados a crianças que iam bem na escola. Depoisganha apostaquatro meses, elas passaram mais tempo jogando e menos fazendo o deverganha apostacasa. Suas notas caíram cercaganha aposta5% (o que é muitoganha apostaapenas quatro meses!).

Em outro estudo, as crianças tiveram que aprender uma listaganha apostapalavras. Uma hora depois, algumas puderam jogar um jogoganha apostacorridaganha apostacarros. Duas horas depois, foram para a cama.

Na manhã seguinte, as crianças que não jogaram lembravam cercaganha aposta80% da aulaganha apostacomparação com 50% das que jogaram.

Os autores descobriram que brincar interferia no sono e na memorização.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta Como o Sr. acha que os membros dessa geração digital serão quando se tornarem adultos?

ganha aposta Desmurget: Costumo ouvir que os nativos digitais sabem "de maneira diferente". A ideia é que embora apresentem déficits linguísticos,ganha apostaatenção eganha apostaconhecimento, são muito bonsganha aposta"outras coisas". A questão está na definição dessas "outras coisas".

Vários estudos indicam que, ao contrário das crenças comuns, eles não são muito bons com computadores. Um relatório da União Europeia explica que a baixa competência digital impede a adoçãoganha apostatecnologias educacionais nas escolas.

Menina olhando tela

Crédito, Rebecca Nelson/Getty Images

Legenda da foto, Vários países estão começando a legislar contra o uso das telas

Outros estudos também indicam que eles não são muito eficientes no processamento e entendimento da vasta quantidadeganha apostainformações disponíveis na internet.

Então, o que resta? Eles são obviamente bons para usar aplicativos digitais básicos, comprar produtos online, baixar músicas e filmes, etc.

Para mim, essas crianças se assemelham às descritas por Aldous Huxleyganha apostaseu famoso romance distópico Admirável Mundo Novo: atordoadas por entretenimento bobo, privadasganha apostalinguagem, incapazesganha apostarefletir sobre o mundo, mas felizes comganha apostasina.

ganha aposta BBC News Mundo: ganha aposta Alguns países estão começando a legislar contra o usoganha apostatelas?

ganha aposta Desmurget: Sim, especialmente na Ásia. Taiwan, por exemplo, considera o uso excessivoganha apostatelas uma formaganha apostaabuso infantil e aprovou uma lei que estabelece multas pesadas para pais que expõem crianças menoresganha aposta24 meses a qualquer aplicativo digital e que não limita o tempoganha apostatelaganha apostameninos e meninas entre 2 e 18 anos.

Na China, as autoridades tomaram medidas drásticas para regulamentar o consumoganha apostavideogames por menores: crianças e adolescentes não podem mais brincar à noite (entre 22h e 8h) ou ultrapassar 90 minutosganha apostaexposição diária durante a semana (180 minutos nos finaisganha apostasemana e férias escolares).

ganha aposta BBC News Mundo: O Sr. ganha aposta acredita que é bom que existam leis que protegem as crianças das telas?

ganha aposta Desmurget: Não gostoganha apostaproibições e não quero que ninguém me diga como criar minha filha. No entanto, é claro que as escolhas educacionais só podem ser exercidas livremente quando as informações fornecidas aos pais são honestas e abrangentes.

Acho que uma campanhaganha apostainformação justa sobre o impacto das telas no desenvolvimento com diretrizes claras seria um bom começo: nadaganha apostatelas para criançasganha apostaaté seis anosganha apostaidade e não mais do que 30-60 minutos por dia.

ganha aposta BBC News Mundo: Se essa orgia digital, como você a define, não para, o que podemos esperar?

ganha aposta Desmurget: Um aumento das desigualdades sociais e uma divisão progressiva da nossa sociedade entre uma minoriaganha apostacrianças preservadas desta "orgia digital" — os chamados alfas do livroganha apostaHuxley —, que possuirão, através da cultura e da linguagem, todas as ferramentas necessárias pensar e refletir sobre o mundo, e uma maioriaganha apostacrianças com ferramentas cognitivas e culturais limitadas — os chamados gamas na mesma obra —, incapazesganha apostacompreender o mundo e agir como cidadãos cultos.

Os alfas frequentarão escolas particulares caras com professores humanos "reais". Já os gamas irão para escolas públicas virtuais com suporte humano limitado, onde serão alimentados com uma pseudo-linguagem semelhante à "novilíngua"ganha aposta(George) Orwell (em 1984) e aprenderão as habilidades básicasganha apostatécnicosganha apostamédio ou baixo nível (projeções econômicas dizem que este tipoganha apostaemprego será super-representados na forçaganha apostatrabalhoganha apostaamanhã).

Um mundo tristeganha apostaque, como disse o sociólogo Neil Postman, eles vão se divertir até a morte. Um mundo no qual, através do acesso constante e debilitante ao entretenimento, eles aprenderão a amarganha apostaservidão. Desculpe por não ser mais otimista.

Talvez (e espero que sim) eu esteja errado. Mas simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocandoganha apostarisco seu futuro e desenvolvimento.

Línea

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