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'O coronavírus é um professor cruel porque ensina matando', diz o sociólogo Boaventurabrasilsports betsSousa Santos:brasilsports bets
Em seu novo trabalho, ele reflete sobre todas as lições trazidas pelo vírus, que jogou luz também sobre as desigualdadesbrasilsports betsnossa sociedade ebrasilsports betsnosso modelobrasilsports betsdesenvolvimento, que é amplamente criticado por Santos.
O vírus é capazbrasilsports betsinfectar qualquer um, mas prevaleceu entre os mais vulneráveis, os mais pobres. “30% da população mundial sofre com faltabrasilsports betságua. Como vão lavar as mãos? A pouca água que têm é necessária para comer e beber.”
Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo sociólogo à BBC News Mundo, serviço da BBCbrasilsports betsespanhol.
brasilsports bets BBC News Mundo - Várias esferas têm usado uma retórica bélica e qualificado o vírus como um inimigo. O senhor se refere a ele como um professor cruel. Qual é a pedagogia do Sars-CoV-2?
brasilsports bets Boaventurabrasilsports betsSousa Santos - O vírus é um professor no sentidobrasilsports betsque ele está nos dando várias lições. O problema é saber se nós vamos escutar e aprender. O cruel é que a única maneira que o vírus tembrasilsports betsnos ensinar é matando, matando inocentes, milhares e milhares deles.
brasilsports bets BBC News Mundo - O que ele está nos ensinando?
brasilsports bets Santos - O vírus é um professor que está nos ensinando que a Mãe Terra não está satisfeita com o modelobrasilsports betsdesenvolvimento que temos. Nós somos uma parte muito pequena, ínfima, da vida no planeta. Só representamos cercabrasilsports bets0,01% da vida no planeta, e apesar disso estamos dispostos a destruir o resto da vida. Então, a natureza se defende, e está nos dizendo “assim não, se continuar assim, haverá mais pandemias”.
Estamos destruindo florestas, poluindo a água, minerando a céu aberto, expulsando indígenas, agricultores... Para uma exploraçãobrasilsports betsrecursos naturais sem limites... Com um tremendo aquecimento global.
brasilsports bets BBC News Mundo - O vírus também nos tem feito pensar mais sobre a capacidade do Estado. Há alguma outra lição aqui?
brasilsports bets Santos - Nos últimos 40 anos, temos ouvido que o Estado é ineficiente, é corrupto e que o bom são os mercados, que o mercado é o melhor regulador da vida social. Mas aí vem a pandemia e ninguém pergunta pelos mercados. Ninguém pede ao mercado que nos salve, que nos proteja, mas sim ao Estado. Essa é uma lição muito poderosa, e se realmente vamos aprendê-la, temos que reinvestirbrasilsports betseducação, saúde, transporte e infraestrutura que não temos.
Em muitos países, a saúde foi privatizada. Nos Estados Unidos, por exemplo, não existe nem mesmo um sistemabrasilsports betssaúde pública. Parece-me que este é um ensinamento muito poderoso.
Outra lição é que me parece que houve governos, alguns da direita ou da extrema direita, que se mostraram muito incompetentes para proteger a vida das pessoas. Falo da Inglaterra, dos Estados Unidos, do Brasil, da Índia ebrasilsports betsoutros países. São países cujos governos criaram uma equação fatal entre a economia e a vida e disseram que a economia é mais importante que a vida, e é por isso que resistiram a ordensbrasilsports betsconfinamento, negligenciando a gravidade da pandemia. Esse atraso resultoubrasilsports betsmilharesbrasilsports betsmortes.
Outro ensinamento muito importante é que o vírus também nos mostrou que, ao contrário do que muitos pensam, ele não é democrático. Ele é caótico, é claro. É verdade que infecta pessoasbrasilsports betstodas as classes, mas quem ele mata? Mata aqueles que já são vulneráveis, os pobres, aqueles sem acesso à saúde. Nesse sentido, como diria (o escritor uruguaio Eduardo) Galeano, o vírus mostra "as veias abertas" do mundo.
brasilsports bets BBC News Mundo - O senhor diz que, como modelo social, o capitalismo não tem futuro. Que cenários essa pandemia nos deixa? Quais são as alternativas?
brasilsports bets Santos - A alternativa é realmente começar com uma transição que será longa. Você não pode mudar a sociedade da noite para o dia, seria uma ruptura, uma revolução, e não estamosbrasilsports betstemposbrasilsports betsrevoluções muito radicais.
A primeira é a matriz energética, que teria que ser alterada rapidamente, ou seja, ir para energias renováveis. Segundo, as estratégiasbrasilsports betsconsumo precisam ser alteradas, principalmente a alimentação.
Não faz sentido que os países tenham que importar alimentos quando poderiam produzi-los dentrobrasilsports betssuas fronteiras. Chamamos issobrasilsports betssoberania alimentar, e ela é fundamental porque, se houver uma crise, uma pandemia, e um país tiver que depender da agriculturabrasilsports betsoutro país, isso pode significar fome. Isso já aconteceu.
Um caso que eu conheço bem, entre Moçambique e a África do Sul: Moçambique dependiabrasilsports betsprodutos agrícolas da África do Sul e, quando a fronteira foi fechada, uma crise foi criada.
E temos que começar com uma lógica do bem comum. Existem produtos que são um bem comum e nunca devem ser privatizados. A água, por exemplo. Vimos isso nesta pandemia com uma crueldade brutal. Por um lado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) diz que as pessoas devem lavar as mãos. Por outro, as pessoas ficaram sem emprego e não podiam pagar as contas, então empresas cortaram a água.
Em alguns países, na América Central, por exemplo, governos tiveram que suspender os cortesbrasilsports betságua por faltabrasilsports betspagamento.
brasilsports bets BBC News Mundo - A globalização estábrasilsports betsxeque? Haverá uma mudançabrasilsports betsparadigma?
brasilsports bets Santos - Acho que não é uma mudança radical, mas muitos países estão realmente pensando que a questão industrial deve ser repensada, para que bens essenciais estejam disponíveis no país e não dependam, como vimos, da China.
Não faz sentido que o país mais poderoso do mundo, os Estados Unidos, não produza luvas, máscaras, respiradores. Enfim, coisas essenciais. Temos que realocar parte da indústriabrasilsports betsbens essenciais.
brasilsports bets BBC News Mundo - brasilsports bets A pandemia impôs mudanças drásticasbrasilsports betsnossas vidas. Em alguns países, foram decretadas quarentenas duras. As ruas estavam vazias. Você acha que as sociedades estão preparadas para viverbrasilsports betsmaneira diferente,brasilsports betsuma alternativa a essa vidabrasilsports betsconsumo constante?
brasilsports bets Santos - Elas não estão prontas, mas o importante é saber que somos capazes. Podemos não ir ao supermercado a qualquer hora ou não passar o fimbrasilsports betssemana no shopping. Somos capazes, mas porque fomos forçados a isso.
O importante é que exista a possibilidade, que exista uma alternativa para que as pessoas possam cuidarbrasilsports betsseus filhos, ficar maisbrasilsports betscasa, consumir menos... Mesmo que seja porque as pessoas foram cruelmente forçadas.
Agora, acho que devemos ver ensinamentos nisso, porque esse modelobrasilsports betsdesenvolvimento e consumo que temos nos trará outras pandemias.
Vamos entrarbrasilsports betsum período que chamobrasilsports betspandemia intermitente, ou seja, saímos para a rua, vamos para os bares, por alguns meses e, então, chega o inverno e as coisas pioram... Porque não sabemos quando vamos ter uma vacina e também porque obviamente outros vírus podem surgir, talvez ainda mais mortais.
As pessoas devem se preparar para issobrasilsports betsoutra maneira, por meio da ação política e educacional.
Nossos produtos são feitos para durar um curto períodobrasilsports betstempo. Um relógio pode durar a vida inteira, mas as pessoas trocam os relógios a partir da corbrasilsports betssuas roupas. Além disso, há o que chamamosbrasilsports betsobsolescênciabrasilsports betsum produto, que está programado para durar muito pouco e consumir mais recursos naturais.
brasilsports bets BBC News Mundo - O senhor citou antes a recomendação da OMS sobre higiene das mãos. Algo que vimos e que o senhor apontabrasilsports betsseu ensaio é que instituições globais, como a OMS, fizeram recomendações que apenas uma pequena parte da população poderiabrasilsports betsfato seguir. O senhor acha que essas instituiçõesbrasilsports betsgovernança global estão distantes das sociedades?
brasilsports bets Santos - Estão, são instituições que realmente não refletem a realidade, porque são especializadas. A OMS não tratabrasilsports betsdesigualdade, isso é com outro departamento da ONU, e é por isso que ele faz recomendações, mas não se preocupa se as pessoas têm a possibilidadebrasilsports betslavar as mãos ou não.
Sabemos que 30% da população mundial sofre com faltabrasilsports betságua potável e que até 2050 metade da população não terá água potável. E no casobrasilsports betsmuitas pessoas, a pouca água que têm é para beber e cozinhar, não para lavar as mãos.
Por outro lado, há a disparidade física e sanitária. Como? Se você morabrasilsports betsfavelas, onde você tem 10 ou 15 pessoas no mesmo lugar. Como podem teletrabalhar os uberizados que fazem entregas? Eu posso me proteger por meio do teletrabalho, mas alguém vai me trazer a comida, e essa pessoa não está protegida. Isso não pode continuar nesse caminhobrasilsports betsvulnerabilidade.
brasilsports bets BBC News Mundo - E qual o senhor acha que é o papel dos intelectuais neste cenáriobrasilsports betscrise e no cenário pós-crise?
brasilsports bets Santos - Os intelectuais precisam acompanhar as aspirações das pessoas, e trabalhar não apenas no ambiente universitário, mas nas comunidades.
Eu trabalho muito nos bairros mais pobres da Colômbia, México, Argentina, Brasil etc., com as spessoas que vivem ali, para aprender com elas. Não podemos seguir teoriasbrasilsports betsvanguarda dizendo que vamos mudar tudobrasilsports betsum dia para o outro, porque isso não me parece possível. Eu acho que temos que ir devagar e teremos que ser instrutores dessa alternativa.
Aprendo mais com os povos indígenas do que com os outros. Em termos ecológicos, aqueles que me ensinaram foram os indígenas e os camponeses. São eles que sabem cuidar da Mãe Terra e ser o porta-voz dela.
Penso que os intelectuais devem ser porta-vozesbrasilsports betsmuitas vozes silenciadas no mundo e que são vozes voltadas para o futuro e não para o passado.
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