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A frustrada tentativaapostador profissional futebolMonteiro Lobatoapostador profissional futebolganhar mercado nos EUA com livro considerado racista:apostador profissional futebol
A avaliação do editor ainda alerta a Lobato que "os negros são cidadãos americanos, parte integrante da vida nacional" e promover "seu extermínio por meio da sabedoria e habilidade da raça branca" seria endossar uma "divisão violenta".
O escritor brasileiro não parece ter se convencido a mudar suas ideias. Em carta enviada ao escritor Godofredo Rangel (1884-1951), seu amigo e correspondente ao longoapostador profissional futebol40 anos, Lobato reclamou que O Presidente Negro não havia sido aceito porque "acham-no ofensivo à dignidade americana". "Errei vindo cá tão tarde", escreve. "Devia ter vindo no tempoapostador profissional futebolque linchavam os negros."
"Tinha lido há muito tempo [esse livro] e reli, mais recentemente. Tenho duas considerações, na verdade duas impressões fortes que me ficaram da obra. Primeiro, do pontoapostador profissional futebolvistaapostador profissional futeboluma análise externa, fiquei impressionada com a certeza, seguida da decepção,apostador profissional futebolLobatoapostador profissional futebolque a obra seria bem recepcionada, um grande sucesso nos Estados Unidos. Lobato fica perplexo porque seu livro não encontra editor, não entende por que os americanos o acharam ofensivo", comenta à BBC News Brasil a historiadora Lucilene Reginaldo, professoraapostador profissional futebolEstudos Africanos na Universidade Estadualapostador profissional futebolCampinas (Unicamp).
"Do pontoapostador profissional futebolvista da construção da obra, é surpreendente como Lobato se instrumentaliza das ideias eugenistas, das quais ele era um entusiasta confesso. Mas ele tinha plena clareza que a literatura era uma forma sutil, indireta e eficienteapostador profissional futebolpromover a eugenia."
Enredo
O Presidente Negro começa no Brasil dos anos 1920. Ayrton sofre um acidente e acaba resgatado por um cientista excêntrico que lhe apresentaapostador profissional futebolgrande invenção: o porviroscópio, uma máquina que mostra o futuro.
Assim, os personagens acompanham a vida nos Estados Unidosapostador profissional futebol2228,apostador profissional futebolplena campanha eleitoral. A sociedade futurista americana é descrita como uma utopia modelo. Mas, segundo a história criada por Lobato, esse sucesso era devido a algumas medidas que haviam sido tomadas: o fim da imigração, a execuçãoapostador profissional futeboltodos os recém-nascidos com malformações e a esterilização dos "doentes mentais" — balaio no qual o autor inclui prostitutas, ladrões, preguiçosos e desocupados. Outra medida implementada por esse governo futurista era a intervenção estatal na reprodução. Para poder ter filhos, o casal precisava se submeter a uma análise oficialapostador profissional futebolsuas características. A ideia era garantir que apenas os melhores passassem seus genes adiante.
É nessa sociedade que Lobato insere uma campanha eleitoral norte-americana. E vence um candidato negro, Jim Roy. Trata-se do gatilho para que Lobato apresente os negros como "o único erro inicial contido naquela feliz composição".
O livro aponta que a sorte dos Estados Unidos era que ali, devido ao ódio racial, ao contrário do Brasil não ocorreu a miscigenação — que para o autor causaria uma "degeneração" racial irreversível —, mantendo os negros segregados.
Por outro lado, segundo o livro, os negros teriam uma propensão maior a se reproduzir. O que fazia com queapostador profissional futebolpopulação aumentasseapostador profissional futebolum ritmo superior a dos brancos. Algumas "soluções" são apresentadas para esta questão. Os negros pedem a divisão do paísapostador profissional futeboldois. Os brancos sugerem extraditar todos os negros para o Amazonas.
Mas a Suprema Convenção Branca cria um plano, chamadoapostador profissional futebol"solução final" para o "problema negro". Eles desenvolvem uma tecnologia para alisar os cabelos dos negros — mas instalam no aparelho um componente que esteriliza quem usa.
"É um livro claramente racista na ideia, na proposta, no desenlace. É um livro que ficou datado, por demais preconceituoso. Não vejo motivo para ser estudadoapostador profissional futeboluniversidades nem escolas, muito diferente do universo infantilapostador profissional futebolMonteiro Lobato", afirma à BBC News Brasil a historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, professora da Universidadeapostador profissional futebolSão Paulo (USP) e coautora do livro Reinaçõesapostador profissional futebolMonteiro Lobato, uma biografia do escritor. "É um livro que serve apenas para teses e dissertações que analisam o racismo do Brasil. Não é um livro para ser adotado com alunos."
Autora do artigo Você Já Pensou no Impacto da Obraapostador profissional futebolLobato na Construção da Estima Negra?, a psicopedagoga Clarissa Brito, especialistaapostador profissional futebolEducação Infantil, enfatiza à BBC News Brasil que considera O Presidente Negro a "expressão explícitaapostador profissional futebolseu posicionamento político, defensor da eugenia e seu desejoapostador profissional futebolextermínio do povo negro".
Quando Barack Obama disputava a Presidência dos Estados Unidos,apostador profissional futebol2008, a editora Globo Livros relançou o romance. À BBC News Brasil o editor Mauro Palermo enfatiza que Lobato precisa ser lido considerando que ele "escreveu suas obras entre 1920 e o fim da décadaapostador profissional futebol1940". "Creio que leitores atuais encontrarão nessas histórias, além do entretenimento, uma oportunidade ricaapostador profissional futebolentender e discutir como se comportava a sociedade brasileira há um século e, a partir daí, refletir sobre o quanto já caminhamos na luta contra o racismo e o tanto que ainda precisamos nos desenvolver e aprimorar", diz. "Infelizmente nos entristece perceber que essa longa caminhada está longeapostador profissional futebolchegar ao fim."
"Não me julgo competente para opinar,apostador profissional futebolformar mais circunstanciada, sobre a tipificação do crimeapostador profissional futebolracismo na produção artísticaapostador profissional futebolgeral e literáriaapostador profissional futebolparticular. É evidente que minha posturaapostador profissional futebolcidadã dianteapostador profissional futebolum texto ou autor contemporâneo que propaga ideias racistas, xenófobas, homofóbicas, machistas éapostador profissional futebolfirme repúdio, denúncia e execração", avalia Reginaldo. "Creio que é diferente tratarapostador profissional futeboltextos e autores contemporâneos eapostador profissional futeboltextos e autores do passado, embora para mim o racismo seja execrável, um cancro maligno, no século 19, no século 20 e nos dias atuais."
Ela ressalta, contudo, que como historiadora, lê obras que formularam e propagaram ideias racistas. "São fontesapostador profissional futebolpesquisa. Por exemplo, como deverapostador profissional futebolofício e também por interesse, li maisapostador profissional futeboluma vez o livro Africanos do Brasil,apostador profissional futebolRaimundo Nina Rodrigues. Este e outros livros deste autor são fundamentais para a compreensão do ideário racista que está na base do pensamento social brasileiro do século XIX e início do XX. Mas a obraapostador profissional futebolRodrigues informa muito mais, por exemplo, para os estudiosos das religiões afro-brasileiras e dos africanos no Brasil. Um olhar crítico sobre estas produções me permite analisar texto e contexto; singularidades, diálogos intelectuais, sub-textos. Poderia dizer o mesmo sobre clássicos da literatura ocidental e brasileira. Aí também se inscreve parte da polêmica e resistência sobre o reconhecimento do racismo na obraapostador profissional futebolMonteiro Lobato. Querem lhe preservar uma aura insustentável e, quero crer, desnecessária."
Até janeiro do ano passado, quando Monteiro Lobato entrouapostador profissional futeboldomínio público, a Globo detinha a exclusividade da publicaçãoapostador profissional futebolsuas obras —apostador profissional futebolacordo com Palermo, foram 7 milhõesapostador profissional futebollivros vendidos, considerando todo o catálogo do escritor, nos últimos 12 anos. As insinuações preconceituosasapostador profissional futebolLobato não se restringem ao romance O Presidente Negro. Estão presenteapostador profissional futeboltoda aapostador profissional futebolobra, inclusive nos clássicos infantis que compõem a coleção Sítio do Picapau Amarelo.
Obras infantis
"Metaforicamente, podemos dizer que Narizinho e Pedrinho tinham duas avós. Aapostador profissional futebolsangue, que incessantemente buscava repassar seu conhecimento formal para seus netos. E a tia Nastácia que era a responsável pelos ensinamentos advindosapostador profissional futebolsua experiênciaapostador profissional futebolvida. As duas avós eram igualmente importantes na criação e na formaçãoapostador profissional futebolseus 'netos'. As referências à tia Nastácia na obra refletem o pensamento da época e isso nos choca tremendamente hoje", analisa Palermo, sobre o universo infantilapostador profissional futebolLobato.
A Companhia das Letras, outra editora que tem publicado obrasapostador profissional futebolLobato, afirma à reportagem que opta por notasapostador profissional futebolrodapé para que os mediadores da leitura — sejam eles professores, sejam eles pais — contextualizem a questão às crianças. "Ficou estabelecido que todos os livros viriam com notas que pudessem contribuir às discussões das questões problemáticas da obra dele", afirma a assessoriaapostador profissional futebolcomunicação da editora.
Sobre O Presidente Negro, a editora afirma que a polêmica obra "não está e não estaráapostador profissional futebolcatálogo".
O racismo na obra infantilapostador profissional futebolMonteiro Lobato chegou até o Supremo Tribunal Federal. A história começouapostador profissional futebol2010, quando o Conselho Nacionalapostador profissional futebolEducação (CNE) determinou que o livro Caçadasapostador profissional futebolPedrinho não fosse mais disponibilizado às escolas do sistema público, por conta do conteúdo racista. "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macacaapostador profissional futebolcarvão" e "Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia, que tem carne preta" foram trechos utilizados para justificar a medida.
Dianteapostador profissional futebolrecurso do Ministério da Educação, o caso chegou ao Supremo. Os debates foram encerrados apenas no mês passado.
"Tratava-seapostador profissional futebolmandadoapostador profissional futebolsegurança do STF com o qual se pretendia obter indiretamente a anulaçãoapostador profissional futebolpareceres do Conselho Nacionalapostador profissional futebolEducação. Referidos pareceres trataram da aquisiçãoapostador profissional futebolobras literárias pelo Ministério da Educação destinados ao Programa Nacional Biblioteca na Escola. Alegavam os impetrantes que o Ministério da Educação, ao autorizar a aquisiçãoapostador profissional futebollivros que contenham expressões reforçadoresapostador profissional futebolestereótipos raciais, viola frontalmente as normas gerais da Administração Pública e a legislação internacional sobre o racismo", contextualiza à BBC News Brasil o jurista Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-Direito.
"A tentativaapostador profissional futebolproibir os livrosapostador profissional futebolLobato parece estar baseada na ideiaapostador profissional futebolque a ficção literária não poderia, sob penaapostador profissional futebolpraticar crime, tratar do racismo sem fazerapostador profissional futebolcrítica explícita. É uma visão que reclama que toda literatura, para ser lícita, seja militante. A visão é compreensívelapostador profissional futebolfunçãoapostador profissional futebolnosso grave problema, não superado, com o racismo. Mas não há fundamento jurídico para a proibiçãoapostador profissional futebollivrosapostador profissional futebolcasos assim, o que seria incompatível com a liberdade, um valor fundamental, cuja prevalência justifica uma orientação muito restritiva quanto ao poderapostador profissional futebolo Estado intervir no mundo das palavras", afirma Sundfeld.
"Para que se proíba a circulaçãoapostador profissional futebolum livro não basta que ele incorpore, nos personagens, nas situações, nas frases ou nas palavras, algum tipoapostador profissional futebolelemento que, sem condená-lo, remeta ao racismo. É preciso que se trateapostador profissional futebolum caso extremo, difícil, aliás,apostador profissional futebolocorrerapostador profissional futebolobras apenas literárias,apostador profissional futebolapologia e incitação inequívoca e grave ao racismo."
O assunto foi encerrado no Supremoapostador profissional futebol22apostador profissional futebolmaio, mas sem julgar o mérito. "O STF entendeu que não lhe cabia analisar o assunto, pois o que se estava impugnando era o atoapostador profissional futebolhomologação, pelo Ministro da Educação, desses pareceres. Mas o STF não tem competência originária para julgar mandadosapostador profissional futebolsegurança contra atosapostador profissional futebolministrosapostador profissional futebolEstado", explica o jurista.
Especialistas e educadores acreditam que a obra infantilapostador profissional futebolLobato deve ser lida e debatidaapostador profissional futebolescolas. "Não se trataapostador profissional futebolretirar suas obras do mercado. Muito melhor do que isso é que a obra venha acompanhada por notas que problematizem a questão do racismo", defende Schwarcz. "Sempre acho queapostador profissional futebolhistória precisamos problematizar esses termos para que eles não passem 'em branco', com muitas aspas. É preciso fazer com que fique evidente o racismo presente nessa obra, isso é fazer muito mais do que censurar o autor."
Ela defende a necessidade de, no ambiente escolar, formar e informar os professores, para que eles saibam como tratar livros assim. "Que o professor alerte o aluno a todo momentoapostador profissional futebolque houver personagens ou situações ou contextos racistas. Chamar a atenção, perguntar por que a Tia Nastácia tinha apenas saberes localizados enquanto os personagens brancos conheciam história, ciência, civilização. Por que personagens negros foram descritos a partirapostador profissional futebolseus beiços alargados eapostador profissional futebolcor, enquanto os brancos, não, como se brancura fosse uma não cor. Minha atitude como professora nunca éapostador profissional futebolcensura, e simapostador profissional futebolinterpelar essas narrativas com outras questões, que são as questões do nosso momento", afirma.
"Os livrosapostador profissional futebolLobato devem estarapostador profissional futebolcatálogo, com notasapostador profissional futebolrodapé", prossegue. "E essas notas precisam servirapostador profissional futebolgatilho para que a classe discuta a questão do racismo no Brasil. Isso é fundamentalapostador profissional futebolum país que vive um racismo estrutural e institucional."
"Sou favorável às edições críticas", complementa Reginaldo. "Parece que há algumas iniciativas nesse sentido neste momento, o que mostra a importância e ressonância do debate iniciadoapostador profissional futebol2010. Há tempos, circula uma nota crítica nas Caçadasapostador profissional futebolPedrinho sobre a proibição da caça das onças. Num artigo publicadoapostador profissional futebol2010, Ana Maria Gonçalves chama a atenção para a a mea culpaapostador profissional futebolLobato reconhecendo seu preconceito contra os camponeses representados pelo personagem Jeca Tatu, que foi incorporado na quarta ediçãoapostador profissional futebolUrupês. Mas como já confesseiapostador profissional futeboloutra ocasião, ao ler Caçadasapostador profissional futebolPedrinho e outros para meu filho com então 6 anos, me vi na obrigaçãoapostador profissional futebolmãeapostador profissional futebolprotegê-lo. Editei e omiti termos que me soavam impronunciáveis. Mas sei que isso também foi praxe nas versões televisivas do Sítio do Picapau Amarelo."
Importânciaapostador profissional futebolLobato para crianças
"Não tenho nenhuma ressalva — na verdade acho fundamental — que se publique a obraapostador profissional futebolLobato na íntegra. Lobato deve ser lido", comenta Reginaldo.
"Como historiadora, vejo aí uma fonte preciosa para os estudiosos e para reflexão crítica sobre o Brasil. Com outras preocupações e recursos analíticos,apostador profissional futebolrazão do seu valor literário — que aliás, aqui não se discute, também é fonte para os estudiosos da literatura eapostador profissional futeboloutras áreas. No ambiente escolar, especialmente para jovens e adolescentes, acompanhadoapostador profissional futebolboas edições críticas, pode ser lido. Mas nas mãos do público infantil, no qual a literatura é sobretudo expressão do lúdico, mas que ao mesmo tempo introjeta valores, creio que não se pode ignorar o debate que vem sendo feito desde 2010, pelo menos. Ouvi muita gente dizendo que leu Lobato na infância e não se tornou racista. Mas acho que, por meioapostador profissional futebolprocessos indiretos sem ódio, sem truculência, podem ter aprendido a naturalizar as hierarquias raciais, se colocarem como personagens centrais e protagonistas da história, tornado-se, por conseguinte, insensíveis às dores e humilhações alheias. Defender ardorosamente a auraapostador profissional futebolLobato é um lugarapostador profissional futebolprivilégio!"
Para a especialistaapostador profissional futebolEducação Infantil Clarissa Brito, é preciso atentar para o fatoapostador profissional futebolque expressões da obraapostador profissional futebolLobato — como "negra corapostador profissional futebollodo", "carne preta" ou próprio uso do termo "negra" no vocativo — sejam compreendidas como ferramentaapostador profissional futebolreprodução do racismo. Ela defende que as obras do autor sejam utilizadasapostador profissional futebolescolas, mas não na Educação Infantil, tampouco nas séries iniciais do Ensino Fundamental. É para alunos mais maduros, opina.
"Monteiro Lobato pode atravessar salasapostador profissional futebolaula no momentoapostador profissional futebolque são estudadas as marcas da opressão colonial e os recursos políticos, sociais e econômicos para a perpetuação da segregação racial", defende ela.
"Acredito que as crianças não precisam entrarapostador profissional futeboldiálogo com uma obra que por anos vem estigmatizando figuras negras, reproduzindo um imaginário social que agride a estimaapostador profissional futeboltantos homens e mulheres negras", completa. "Vejo a iniciativaapostador profissional futebolcomentário e notas, como uma questão forte que assola nossa sociedade, que são os recursos que tratamapostador profissional futebolminimizar o racismo e buscar caminhosapostador profissional futebolnão legitimar o crimeapostador profissional futebolinjúria racial."
Editor da Globo Livros, Palermo acredita que livrosapostador profissional futebolLobato, sejam os infantis, seja o polêmico O Presidente Negro, "podem ser usados como subsídio à discussão do racismoapostador profissional futebolescolas". "Proibir me parece a negação da existência", comenta ele. "Entender o passado é o melhor atalho para mudarmos o presente e melhorarmos o futuro."
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