Coronavírus: alguns sentem tanto medo que precisam negar o que está acontecendo, diz psicanalista:0.0 bet365
Dunker também tem um canal no YouTube, onde fala sobre vários assuntos do ponto0.0 bet365vista da psicanálise, como os discursos do presidente Jair Bolsonaro e o filme Coringa.
Em entrevista por Skype, o psicanalista abordou temas como as implicações do isolamento social diante durante a pandemia do novo coronavírus e as consequências para crianças e idosos. Também falou sobre os efeitos do confinamento para casamentos e outras relações pessoais.
Confira os principais trechos abaixo.
0.0 bet365 BBC News Brasil - É possível saber quais os efeitos psicológicos que um isolamento social0.0 bet365longo prazo pode desencadear? Em outras palavras, o que fazer, ou que não fazer para não entrar0.0 bet365colapso?
0.0 bet365 Christian Dunker - Vou dividir0.0 bet365muitos grupos. A começar por um que vai melhorar, que vai achar essa situação um alívio psíquico.
São as pessoas que vivem0.0 bet365um estado0.0 bet365expectativa ansiosa e0.0 bet365perigo, que é uma modulação dos estados ansiosos. Elas acham que a qualquer hora vai acontecer alguma coisa: 'vou perder meu emprego, vai acabar meu casamento, vai acontecer um assalto, uma morte'.
Essas pessoas podem acelerar muito a ansiedade, ou podem dizer: 'ufa, finalmente aconteceu'. Então, a pandemia se objetifica na realidade e projeta no mundo aquilo que antes só era vivido como fantasia e possibilidade.
Outros vão se sentir melhor no começo, mais confortáveis com a situação, mas depois tendem a piorar. Por exemplo, aqueles que têm dificuldade para sair da cama para começar uma atividade, que sentem uma espécie0.0 bet365medo do mundo.
Já a maior parte das pessoas vai ter seus sintomas psíquicos piorados, porque há um aumento0.0 bet365tensão e conflito social.
E isso acontece especialmente com as pessoas mais vulneráveis, mais desprotegidas. O isolamento vai tornar mais intensos os sintomas que você já tem, como a ansiedade. O paranóico vai ficar mais paranóico, o mesmo com o depressivo, com o hipocondríaco.
Isso sem contar outros problemas que vão surgir.
0.0 bet365 BBC News Brasil - Você já falou que a pandemia criou três perfis: o tolo, o confuso e o desesperado. Quem são eles?
0.0 bet365 Dunker - Estamos0.0 bet365uma situação na qual precisamos fazer frente ao medo0.0 bet365algo que vem0.0 bet365fora: há um bicho lá fora e ele pode nos pegar. Mas esse medo vai se somar às angústias internas.
O 'tolo' sente tanto medo que precisa negar o que está acontecendo. Então, ele diz: 'isso é uma gripezinha, vai passar, foi uma invenção dos chineses, não precisamos ter medo'.
A segunda resposta do tolo é a seguinte: 'ok, isso existe, mas eu sou uma pessoa especial, alguém me protege lá0.0 bet365cima, estou imune, sou atleta'. É outra forma0.0 bet365negar o medo.
Chamo essa pessoa0.0 bet365tola porque era uma maneira que a filosofia antiga falava daquele que não era covarde nem corajoso. Para você ser um dos dois, precisa sentir medo, pois um regride e o outro ataca. Falta ciência e capacidade para o tolo ver o medo, ele não entende que ter medo é importante.
Já o 'desesperado' é o contrário: ele substitui o medo0.0 bet365fora pela exageração das angústias que já sente. Ele acha que não pode fazer nada, que a ameaça é tão poderosa que ele está perdido, mal amado, um pobre coitado. A situação só confirma seus complexos infantis. Ele sente angústia e desamparo.
Entre esses dois polos existe o tipo misto, que é o 'confuso'. Ele transita entre o tolo e o desesperado. Ele não entende direito o que está acontecendo. Uma hora acha que tudo está perdido; depois, fica mais otimista. Ou seja, ele não sabe direito como agir.
Eu diria que, se você não está confuso nesse momento, procure um psicanalista porque você tem um problema, e ele não é o coronavírus.
0.0 bet365 BBC News Brasil - De certa forma, antes do coronavírus, já vínhamos aumentando o isolamento, com condomínios cada vez mais fechados, carros blindados, medo da violência e virtualização da vida.
0.0 bet365 Dunker - Concordo, mas não colocaria0.0 bet365série. Havia sim uma tendência ao fechamento, à individualização inclusive no trabalho, com o home office, freelancer e serviços precarizados. Mas o enunciado agora é diferente: 'Não pode sair, e está coagido a ficar0.0 bet365casa'. Isso tem um impacto psíquico totalmente diferente.
Quando você está no seu condomínio, você sente e goza da possibilidade0.0 bet365sair quando quiser. E esse sentimento0.0 bet365liberdade, ainda que falso, faz com que a pessoa na prática não sinta que está se aprisionando.
Agora, temos algo que vem0.0 bet365fora e que gera uma mensagem0.0 bet365que você perdeu uma parcela da0.0 bet365liberdade0.0 bet365ir e vir. Isso é sentido como uma punição, pois aprendemos que a prisão é um dos piores castigos.
Quando somos crianças, uma das punições é ficar sozinho, pensando. O que você faz com o cara que transgride? Você o prende. Você pode achar que não é a mesma coisa, mas lida como se fosse, porque o discurso e a narrativa foram construídas com essa associação entre a prisão e punição.
0.0 bet365 BBC News Brasil - Muita gente tem percebido o quão importante é o contato humano e a relações cara a cara, não? Parece que muita gente agora quer estar junto…
0.0 bet365 Dunker - Há um geração recente que cresceu desencarnada, experimentando o vídeo e a facilidade0.0 bet365estar com o outro pelo Whatsapp, pelas redes sociais. São amores que se criam no Whatsapp, histórias inteiras vividas por e-mail… Isso tudo representou uma espécie0.0 bet365apagamento da força insubstituível da presença do corpo do outro. O corpo e seus odores, o corpo e seu tempo. A urgência da gestualidade, essa dança0.0 bet365que você precisa falar o que precisa naquela hora, não pode deixar para depois.
Perdemos essa força do contato para ter essas novas relações, para se abrir a um mundo mais diversificado, para ter mais 50 amigos nas redes sociais e entrar na vida0.0 bet365outras pessoas interessantes. E agora, com o isolamento, como mais ou menos esperado, a gente começa a ver a importância daquilo que ficou para trás, do que deixamos0.0 bet365lado.
A vida digital é legal, mas a corporal também.
0.0 bet365 BBC News Brasil - Grande parte dos idosos já vive sozinha, muitos com quadros0.0 bet365depressão. O que poderia ser feito por eles e pelos mais jovens para diminuir esses efeitos?
0.0 bet365 Dunker - O primeiro ponto que precisa ser considerado é o valor do cotidiano e da rotina para uma pessoa0.0 bet365terceira idade, algo diferente para os mais jovens.
Para um idoso, a ideia0.0 bet365ter um ciclo periódico0.0 bet365coisas a fazer é muito importante. Ela assegura uma experiência0.0 bet365permanência,0.0 bet365confiança no próximo capítulo. Mais ou menos assim: 'Depois que eu for ao banco, vou à feira, e então vou encontrar um amigo na padaria'.
O isolamento causa uma quebra desse cotidiano. Por isso, os idosos resistem mais a ficar isolados. Para os mais jovens, alterações0.0 bet365rotina são super bacanas, são uma possibilidade0.0 bet365inventar novidades,0.0 bet365quebrar com aquilo que é repetitivo e enche o saco.
Então, a reconstrução desse cotidiano dos idosos deve ser feita por filhos, netos, sobrinhos. É importante ligar para eles e introduzir uma outra conversa. Também estipular um horário e dizer: 'olha, vou te ligar às 10h0.0 bet365ponto e, se você não atender, vou ficar preocupado'.
A pandemia vai nos mostrar que muitos dos nossos idosos estavam desamparados, caminhando sozinhos, sem rede0.0 bet365proteção, porque nós, mais jovens, estávamos ocupados, trabalhando, focando as nossas coisas.
0.0 bet365 BBC News Brasil - E, na outra ponta, como lidar com as crianças?
0.0 bet365 Dunker - Vai ser muito difícil para elas também. As crianças são mais expostas aos efeitos0.0 bet365perda0.0 bet365relação social presencial e concreta.
Brincar com outras crianças é uma das coisas mais importantes e legais, que mais ajudam o desenvolvimento e a criatividade. Alguns gostam0.0 bet365brincar sozinhos também, mas0.0 bet365um contexto0.0 bet365que há outras pessoas junto. A penalização para as crianças é muito grande, porque, para elas, a compensação pelo vídeo tem muitas perdas. O pega-pega fica mais complicado, digamos.
A coisa muda um pouco para aquelas crianças um pouco mais velhas, que gostam0.0 bet365jogos mais estruturados, grafismo, filmes, atividades que não envolvam tanto a ludicidade corporal que está na base das crianças pequenas.
Também não dá para lidar com crianças achando que despejar litros0.0 bet365trabalhos escolares vai fazê-las ficar quietinhas. Isso pode funcionar por três semanas, mas depois você vai perceber que os sintomas vão ficar mais complicados.
0.0 bet365 BBC News Brasil - Muitos estudos associam a falta0.0 bet365conexões0.0 bet365qualidade com outras pessoas como uma das causas para vícios e dependência química. Você acha que, caso esse isolamento se alongue por meses, esses quadros0.0 bet365uso abusivo0.0 bet365drogas podem se agravar?
0.0 bet365 Dunker - Acho que sim. Mas eu colocaria outro fator: a maior parte do consumo0.0 bet365drogas, ou uma parte substancial dele, pode ser atribuído a uma espécie0.0 bet365alquimia fitoterápica para tratar transtornos mentais. O cara é um deprimido, entra na cocaína, e fica tudo bem para ele. Ele é ansioso e queima dois ou três baseados por dia.
A grande questão é: você está usando drogas por prazer ou para fugir do desprazer? Você bebe uísque, por exemplo, por que não consegue relaxar sem ele? Se sim, você está fugindo do desprazer.
O que pode acontecer é esse tipo0.0 bet365uso abusivo disparar consideravelmente. E você pode colocar o álcool e a nicotina nessa conta também.
Sou a favor da descriminalização completa e radical das drogas. Mas esse cenário não muda se a droga é legal ou ilegal. Há pessoas que repetem a receita0.0 bet365antidepressivo anos a fio, por exemplo. Aí entro na0.0 bet365pergunta. O tratamento fitoterápico eficiente é a relação com o outro: compartilhar experiências, enriquecer a vida psíquica com relações produtivas e interessantes. Se você tirar o uso abusivo e colocar essas relações, vai ser muito melhor.
0.0 bet365 BBC News Brasil - Você acredita que existe algum ponto positivo nesse momento? O que podemos aprender sobre nós mesmos?
0.0 bet365 Dunker - Acho que há vários pontos positivos. Primeiro, nós estávamos vivendo uma aceleração da vida doentia. E, agora, desaceleramos.
O segundo ponto é que nós estávamos0.0 bet365uma hipertrofia narcísica, que não é só apoiada pelo mundo digital, mas também pelo modo0.0 bet365produção neoliberal e pela forma que inventamos certos modos0.0 bet365ser. A gente estava se achando muito, se achava gigante,0.0 bet365maneira que só existiam duas posições: 'Você está errado e eu estou com toda a verdade'.
Sabe uma reunião0.0 bet365pauta ou0.0 bet365departamento na universidade? As pessoas estão discutindo questões irrelevantes, mas,0.0 bet365repente, um está com um machado do Thor e outro vira a Mulher Maravilha. Os dois brigando por bobagens, mas bobagens que a gente começou a enxergar como definidoras do destino da humanidade.
De repente, apareceu um terceiro elemento, um micro-organismo, um vírus que ninguém tinha percebido e que fez todo mundo parar. Esse momento traz uma lição0.0 bet365humildade e solidariedade. Precisamos olhar para o lado. A coisa mais interessante dessa experiência é a ideia0.0 bet365repactuação0.0 bet365tudo. Precisa repactuar o aluguel, a proteção trabalhista, a circulação0.0 bet365dinheiro, o mercado financeiro.
A gente esqueceu o lastro da acumulação0.0 bet365capital sobre capital, muito além0.0 bet365qualquer referência com valor0.0 bet365uso e troca.
Esse é um momento ideal para repensarmos outras maneiras0.0 bet365realizar trocas pelo dinheiro, produção e consumo. Tivemos uma redução drástica do consumo nas últimas semanas, mas será que a situação ideal era aquela que a gente estava vivendo? A gente precisa0.0 bet365tudo aquilo (que consumia)? A sensação é que não.
0.0 bet365 BBC News Brasil - Em algumas cidades da China, que vem retornando gradualmente à rotina normal, o número0.0 bet365divórcios bateu recorde. Será que as pessoas não sabiam com quem estavam casadas ou o confinamento só acentuou problemas que já existiam? Ou as duas coisas?
0.0 bet365 Dunker - As duas coisas. Mas eu diria que vai acentuar o número0.0 bet365divórcios, mas também o0.0 bet365gravidez. Me lembro0.0 bet365uma experiência0.0 bet365psicologia dos anos 1970 que testou o comportamento0.0 bet365ratos0.0 bet365uma compressão territorial. Pegaram um monte0.0 bet365ratos e colocaram dentro0.0 bet365uma mesmo lugar. O resultado foi que eles só faziam duas coisas: se matavam ou copulavam.
De fato, vai haver uma reaproximação e certos defeitos vão se tornar intoleráveis. As pessoas precisam tomar muito cuidado com isso.
Nesse estado, passamos a deslizar e enovelar pensamentos, afetos e atitudes. Digamos que você comece a potencializar aquela raiva que já sentia, porque alguém pisou no seu pé. Então, você começar a pensar: 'Mas ele não só pisou, como foi0.0 bet365propósito'. E esse sentimento0.0 bet365raiva vai aumentando. Isso tende a acontecer com todos os afetos: tristeza, perseguição.
Esse cenário suprime o que seria o tratamento espontâneo para esse deslizamento e continuidade, que são os cortes da situação que produzem mudanças0.0 bet365humor: seu chefe pediu uma tarefa, você conversou com alguém num café. Esses cortes te fazem esquecer aquele modo mental para entrar0.0 bet365outro. Na situação0.0 bet365isolamento, isso é mais difícil.
Então, há uma tendência, sim,0.0 bet365maiores acirramentos e intolerâncias. Os casais que já têm seus pontos frágeis e vulneráveis tendem a se aprofundar nisso, e é possível que a coisa evolua muito mal.
0.0 bet365 BBC News Brasil - Ninguém ensinou a gente como lidar com esse isolamento social...
0.0 bet365 Dunker - Exato, ninguém está avisando que estamos0.0 bet365estados alterados0.0 bet365consciência.
Eu diria: não tome grandes decisões na vida, vá ao banheiro pensar na hora que vier aquela ideia ruim, conte até 152 mil. Mas, voltando aos divórcios, esses dados não são só um efeito negativo. Há uma coisa nova, importante e positiva.
É aquela mensagem básica: você pode mudar,0.0 bet365forma0.0 bet365vida pode ser outra. A pessoa que sente o gosto do sangue e experimenta o veneno, tende a pensar: 'Se eu pude mudar para sobreviver, por que não posso mudar0.0 bet365novo?' É o melhor impulso para justamente se separar e procurar ser mais feliz.
Separações não são só porque os casamentos estão ruins, mas porque a gente quer mais, a gente quer outras coisas. E isso é bom, não é um efeito necessariamente negativo.
Esse tempo pode ser ideal para olhar melhor para nossas relações. Vi uma pesquisa no (jornal científico) The Lancet sobre efeitos residuais0.0 bet365quarentena0.0 bet365ebola,0.0 bet365H1N1 e outras epidemias. As quarentenas maiores foram0.0 bet36530 dias, e os pesquisadores perceberam efeitos0.0 bet365até três anos0.0 bet365termos0.0 bet365estresse pós-traumático.
Então, esse isolamento vai ferrar… e não vai ser só agora, não. Vai ser lá na frente também.
0.0 bet365 BBC News Brasil - Você acha que, ao final da quarentena, as pessoas vão sair0.0 bet365casa se importando mais com outras, ou com as relações? Ou isso vai durar apenas alguns dias?
0.0 bet365 Dunker - Vão se importar um pouco mais, mas não muito mais.
Estamos vivendo um efeito conhecido na teoria do luto como barganha. Chegou um sujeito malvado no lugar, e todo mundo fala que vai se comportar daqui para frente. É uma relação benigna, mas não duradoura. Você está querendo comprar a0.0 bet365culpa, como se dissesse: 'Papai do céu, me salva porque sou um bom menino'.
O que vai fazer a diferença é a história que vamos contar. As soluções e laços novos. É um momento imprevisível, não consigo imaginar a história que vai se colocar0.0 bet365uma maneira mais pujante.
O que pouco tem se falado é a repactualização econômica. A pandemia pode ser um pretexto óbvio para que governantes conservadores metam a faca, alegando que vivemos uma crise e cortar na carne é a solução.
Pode ser que venha um contrafluxo, dizendo que não dá mais para retirar as proteções sociais e trabalhistas desse jeito, no atacado, porque você mata as pessoas.
Ou talvez a história que apareça seja um meio termo mais integrado, algo menos polarizado do que simplesmente destruir o Estado, como muita gente vinha pregando.
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