A jornadarealsbet botquase 20 horas das mães imigrantes brasileiras que trabalham no Japão:realsbet bot

Alessandra Higashi e o filho

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, A paulista Alessandra Higashi,realsbet bot38 anos, está há 17 no Japão; antesrealsbet botser diagnosticada com depressão, ela começava seu dia às 6h e o terminava, por vezes, à meia-noite

Cada minuto conta na família Kanda. Vanessa é uma mãe dekassegui — nome que se dá aos imigrantes descendentesrealsbet botjaponeses que buscam trabalho no país — que tem uma jornadarealsbet bottrabalhorealsbet botquase 20 horas por dia, se somados os períodos passados no trajeto, no trabalho fora e nos cuidados com a casa, a cozinha e o filho, como muitas mães brasileiras radicadas no Japão.

Marina Yoko Hungria, por exemplo, acorda às 5h30 da manhã e só para casa por volta da meia-noite. Entre breves viagens ao Brasil, a paulistarealsbet bot38 anos já está há quase 17 anos no Japão. Mas hoje, diz ela, a rotina é mais "leve".

"Sempre trabalheirealsbet botfábricas. Saíarealsbet botcasa às 5h da manhã e só voltava às 10h da noite, isso é, todo dia fazia 5 horasrealsbet botzangyo [hora extra,realsbet botjaponês]. Depois, precisei diminuir o ritmo", diz Marina, que há cercarealsbet bot5 anos passou a trabalhar como cuidadorarealsbet botidosos. Neste mês, ela se inscreveurealsbet botum curso para se especializarrealsbet botgerontologia — no país com o maior númerorealsbet botidosos no mundo (35 milhões, o que representa quase 30% da população), esse é um nichorealsbet botmercado. Entre seus pacientes atuais, por exemplo, está uma senhorarealsbet bot101 anos.

Mãerealsbet botduas meninas (de 14 e 18 anos) e dois meninos (de 5 e 9 anos), e agora grávida do quinto filho, Marina morarealsbet botToyota, mas trabalharealsbet botum asilo da cidade vizinha Okazaki.

"O trajeto até o trabalho dá uns 35 minutos. No caminho, dirigindo, vou me virando para lixar uma unha, tirar um fiorealsbet botsobrancelha. Na volta, pego o menino mais novo na creche. As meninas mais velhas adiantam o gohan [arroz,realsbet botjaponês]. Janto e confiro a lição e a leiturarealsbet botkanji do meu filhorealsbet bot9 anos. Depois, vou atender pacientes na casa deles, como home helper [auxiliarrealsbet botenfermagem domiliciar] das 20h às 21h30. Às vezes volto para casa e os pequenos já estão dormindo", narra. "Não paro nunca."

S.O.S. Mamães

No Japão, forarealsbet botcasa, as mulheres trabalham tanto quanto os homens, mas ganham salários menores, divulgados abertamente: nas fábricas, por exemplo, mulheres recebem entre 900 e 1.300 ienes (entre R$ 34 e R$ 49) por hora; homens, a partirrealsbet bot1.300 (R$ 49).

Vanessa Kanda e o filho

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Vanessa Kanda trabalha 12 horasrealsbet botuma fábrica na cidaderealsbet botToyohashi, com 40 minutosrealsbet botalmoço e três intervalosrealsbet bot10 minutos

De acordo com os dadosrealsbet bot2017 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que analisa 37 nações, o Japão é o 3º país com a maior desigualdade salarial entre homens e mulheres (24,5%), superado apenas por Estônia (28,3%) e Coreia do Sul (34,6%). E, segundo relatório do Fórum Econômico Mundialrealsbet bot2019, o Japão teverealsbet botpior marca no rankingrealsbet botigualdaderealsbet botgênero, que mede participaçãorealsbet botmulheres no mercado e na política: despencou 11 posições ante o ano anterior, ficando na 121ª posiçãorealsbet bot153 países analisados. O Brasil ficou na 92ª.

Já dentrorealsbet botcasa, elas trabalham muito mais que eles. Dados do Instituto Nacionalrealsbet botPesquisa sobre População e Seguridade Social divulgados no ano passado mostram que mulheres casadas dedicam,realsbet botmédia, 4 horas e 23 minutos aos cuidados da casa e dos filhos por dia. Entre aquelas que têm trabalho fora por tempo integral, a média érealsbet bot3 horas e 7 minutos — ela cai para apenas 37 minutos entre os homens.

A tendência também foi identificada no estudo da economista Noriko Tsuya, da Universidade Keio,realsbet botTóquio: mulheres que trabalham maisrealsbet bot49 horas semanais fora dedicam maisrealsbet bot25 horas semanais aos afazeres domésticos; homens contribuem com menosrealsbet bot5 horas.

Hoje, Marina conta com a ajuda das filhas. "Antigamente, meu marido ajudava mais, mas ele teve dois infartos. Ele precisa tomar remédio e cuidar dos batimentos cardíacos e, ainda assim, faz 3 horas extras todo dia, trabalhando das 8h às 20h. Quando estárealsbet botfolga, faz arubaito [bico,realsbet botjaponês]. É extremamente corrido para todos nós."

Já Vanessa conta com a ajuda da mãe. "Como minha mãe trabalha 'só' 8 horas por diarealsbet botuma fábrica mais tranquila, ela cuida da casa na minha ausência: deixa a janta pronta e a louça lavada. Meu marido trabalha nikotai [em turnos alternados]realsbet botoutra fábrica — quer dizer, uma semana durante o dia, uma semana durante a noite. Quando dá tempo, ele tira o lixo e busca água mineral. No fimrealsbet botsemana, faço tudo: lavar roupa, lavar louça, cozinhar... E, finalmente, passar tempo com meu filho", diz.

Para ter mais oportunidadesrealsbet bottrabalho fora, Vanessa matriculou o garotorealsbet botdois colégios: das 8h30 às 15h ele frequenta a escola japonesa (que lhe cobra mil ienes por mês, o equivalente a R$ 38) e das 15h às 19h30, a escola brasileira particular (que pode custar até 45 mil ienes por mês, R$ 1,7 mil).

Ainda nos primeiros dias no Japão, ela descobriu um centro comunitário que reúne doaçõesrealsbet botrandoseru, a famosa mochila quadrada, feitarealsbet botcouro ou couro sintético, que as crianças devem levar à escola — uma randoseru nova pode custar até 60 mil ienes (R$ 2,3 mil).

A descoberta aconteceu na página Mamãesrealsbet botToyohashi, uma divisão regional do grupo SOS Mamães no Japão no Facebook, que reúne informações para ajudar as mulheres no dia a dia, como indicaçõesrealsbet bottrabalho, ofertarealsbet botdoações (como material escolar, móveis e eletrodomésticos) e orientaçõesrealsbet botserviços (consultórios pediátricos com apoiorealsbet botintérprete japonês-português, atendimentorealsbet bothospitais, horáriosrealsbet botônibus, entre outros).

Fundadorealsbet bot2015, o gruporealsbet botToyohashi (que contempla cidades vizinhas como Gamagori, Shinshiro, e Toyokawa) tem 3 mil membros; já o grupo maior, SOS. Mamães no Japão, fundadorealsbet bot2012, tem maisrealsbet bot34 mil membros — e, diferentemente da divisão regional, não permite doações.

Feliz Natal

No domingo 29realsbet botdezembro, as mamães realizaram uma festarealsbet botNatalrealsbet botum centro comunitáriorealsbet botToyohashi — já que, nos dias 24 e 25realsbet botdezembro, todos trabalham normalmente no Japão, onde não se celebra a data católica. A confraternização, que teve direito a árvore, brindes e Papai Noel, reuniu cercarealsbet bot100 adultos e crianças.

A paulista Alessandra Higashi,realsbet bot38 anos, há 17 no Japão, é uma das moderadoras do grupo no Facebook. "Como muitas famílias chegaram há pouco tempo e ainda estão se adaptando, a ideia era dar um climarealsbet botfesta brasileira. Incluímos brinquedos como fliperama e cama elástica, pois muitas mães são solteiras e não têm condiçõesrealsbet botlevar as crianças aos centrosrealsbet botgames. Foi um diarealsbet botdiversão para os filhos erealsbet botencontro para as mães, para elas não se sentirem tão sozinhas nessa épocarealsbet botfimrealsbet botano", diz.

Mãerealsbet botum meninorealsbet bot3 anos, Alessandra pretende montar um negócio próprio como confeiteira. Antes da maternidade, trabalhava 12 horasrealsbet botfábrica; depois, passou a trabalhar "apenas" 8 horas.

A rotina não diferia muito dasrealsbet botMarina e Vanessa: Alessandra acordava às 6h, arrumava-se, preparava o café e a marmita do marido, levava o filho para a creche, trabalhava das 8h às 17h10, pegava o filho na creche, dava banho, brincava, fazia janta, lavava louça e, por volta das 22h, quando a família ia dormir, adiantava afazeres do dia seguinte como lavar roupa, preparar mochilas, verificar agendas. De quarta a sábado, também fazia doces e bolos sob encomenda. Às vezes, encerrava o expediente à meia-noite.

Entretanto, Alessandra se afastou da fábricarealsbet botsetembro, após um diagnósticorealsbet botdepressão. A ideia é voltar à ativarealsbet botfevereiro, "se tudo der certo", diz.

Emy Ueda, outra moderadora do Mamãesrealsbet botToyohashi, também preferiu desacelerar. "Trabalhava muito,realsbet bot3 a 4 horas extras por dia. Um dia, meu filho me perguntou: 'Mamãe, por que você nunca tem temporealsbet botme levar ao parque?' Isso me pesou o coração. Tive uma criserealsbet botestresse, depois descobri que estava grávida pela segunda vez. Aí decidi pararrealsbet bottrabalharrealsbet botfábrica e passar a investirrealsbet botoutros projetos. Gostorealsbet botartesanato", conta a paulistarealsbet bot28 anos, há 4 no Japão, hoje mãerealsbet botum meninorealsbet bot5 anos e uma meninarealsbet bot11 meses.

Diáspora

Emy Ueda e Marina Yoko Hungria

Crédito, Arquivo Pessoal

Legenda da foto, Emy Ueda (esq.) e Marina Yoko Hungria são duas das mães brasileiras que buscam um futuro melhor para os filhos no Japão

Segundo as entrevistadas, os dirigentes das fábricas não são muito compreensivos com os compromissos das mães. Apreensivas diante do riscorealsbet botseus filhos brasileiros se tornarem alvorealsbet botbullying nos colégios japoneses, por serem diferentes e não dominarem o idioma, elas fazem questãorealsbet botparticipar das atividades escolares, como jogos e reuniõesrealsbet botpais e professores. Elas pedem, mas nem sempre são liberadas do trabalho. A faltarealsbet botflexibilidaderealsbet bothorários é um dos principais motivos para os pedidosrealsbet botdemissão.

No estudo "As brasileiras no Japãorealsbet botlonga duração", publicado na coletânea Histórias Migrantes: Caminhos Cruzados (Humanitas, 2016), organizada pelo sociólogo Sedi Hirano e pela historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, a socióloga Yumi Garcia dos Santos aborda papéis diferentes desempenhados por brasileiras moradorasrealsbet botcidades periféricasrealsbet botmetrópoles como Tóquio e Osaka: como trabalhadoras, companheiras e mães.

"Quando se tratarealsbet botmães, a questão da educação dos filhos se torna objeto central no processorealsbet botconstrução familiarrealsbet botum país estrangeiro, onde elas reveem arealsbet botidentidade brasileira e pensamrealsbet botrepassar aos filhos os valores que condizem com o que entendem por 'ser brasileiro'", diz o artigo. Segundo a autora, as mães tentam oferecer aos filhos uma educação bicultural (o aprendizado dos dois idiomas, por exemplo), mas também buscam apresentar a eles um "estilorealsbet botvida brasileiro". Assim, elas dão corpo a uma comunidade — "uma diáspora brasileira no Japão", na expressão da autora.

As mães ouvidas pela BBC News Brasil dizem que querem criar seus filhos como brasileiros — e, no futuro, eles poderão escolher entre viver no Japão ou voltar ao Brasil.

Yumi, que atualmente é professora da Universidade Federalrealsbet botMinas Gerais, lembra, entretanto,realsbet botuma similaridade negativa entre os dois países:realsbet botambos, as mulheres ocupam posições menos promissoras e estáveis no mercadorealsbet bottrabalho do que os homens.

"A maior diferença é que a divisão sexual do trabalho operarealsbet botmaneira mais típica no Japão: as mulheres se retirando do mercadorealsbet bottrabalho quando se tornam mães, principalmente por pressão social. Ainda é considerado que o cuidado das pessoas dependentes é responsabilidade exclusiva da esposa/mãe. Assim,realsbet botmaneira importante, elas retornam ao mercadorealsbet bottrabalho depois que o filho caçula passa a ser escolarizado. Há mães trabalhadoras, sim, mas com forte desaprovação social", observa a socióloga.

Desde fins da décadarealsbet bot1980, muitas famílias brasileirasrealsbet botascendência japonesa buscam trabalhorealsbet botfábricas. Ainda atualmente, a expectativarealsbet botmuitos é trabalhar o maior númerorealsbet bothoras possível para poupar dinheiro e, aproveitando a atual alta do dólar e do iene, convertê-lorealsbet botreal. Um saláriorealsbet bot1.250 ienes (R$ 47) a hora, com 3 horas extras diárias, pode render cercarealsbet bot270 mil ienes no fim do mês, isso é, aproximadamente R$ 10 mil.

É o casorealsbet botVanessa, que pretende trabalhar pesado e poupar por 2 ou 3 anos. "Tudo é diferente. No Brasil, eu tinha tempo ao lado do meu filho. No Japão, eu só o vejo no café da manhã e no fimrealsbet botsemana. É pouco? É, mas é tempo. Foi uma aposta que a gente fez: trabalhar, trabalhar, trabalhar e juntar dinheiro, pra garantir um futuro melhor pra ele. Na minha infância, quando eu tinha 10, 11 anos, meus pais vieram para cá e me deixaram no Brasil — e tudo o que eu queira era estar ao lado deles. Então, eu quis fazer diferente e vir com a família toda. É mais difícil, mas é melhor estar junto."

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