Como foi a maior fugamassamulheres presasque se tem notícia:
No início da década70, no entanto, a fugamassa das prisioneiras, emmaioria, militantes do grupo guerrilheiro MovimientoLiberación Nacional-Tupamaros (MLN-T), mais conhecido como Tupamaros, causou grande comoção e pegousurpresa as autoridades - que levaram cercatrês meses para descobrir como o plano havia sido realizado.
Mais tarde, uma das protagonistas da fuga, Graciela Jorge, descreveu a fuga no livro Historia13 Palomas y 38 Estrellas (História13 Pombas e 38 Estrelastradução livre), publicado1994.
No entanto, o assunto voltou à tonaforma quase acidental.
Em 2011, a jornalista argentina Josefina Licitra, editora da revista cultural Orsai, entrevistou a então senadora e primeira-dama uruguaia Lucía Topolansky para um perfil que estava escrevendo sobre o marido dela, o então presidente José "Pepe" Mujica.
Durante a entrevista, Topolansky falou sobrevida e dos eventos políticos e pessoais que marcaramjuventude.
"Ali, sem mais detalhes, ela citou a Operação Estrela", diz a jornalista, que a partir daquele momento ficou sabendo que Lucía eirmã gêmea, María Elia, tinham participado da fuga histórica.
Investigação
Intrigada com este episódio do qual nunca tinha ouvido falar, Licitra decidiu investigar e ficou surpresa com a pouca informação que encontrou.
Isso a levou a buscar informações mais profundamente, assim como a procurar as outras protagonistas da história.
O resultado do seu trabalho foi o livro 38 Estrellas (38 Estrelas), publicado no ano passado.
O livro tem como base as memórias das 15 "estrelas" com as quais a autora conseguiu falar para reconstruir o que aconteceu há quase meio século.
Em conversa com a BBC News Mundo, Licitra diz que as protagonistas tinham,média, 25 anos quando os principais fatos ocorreram.
"Elas foram presas por motivos diferentes, algumas simplesmente por distribuir panfletos do Tupamaros, outras por crimes mais sérios, como andar armadas, roubar carros ou provocar incêndios", explica.
As presas tupamaras eoutros gruposesquerda eram separadas des presas comuns e tinham seu próprio pavilhão dentro da prisão Cabildo - que tinha uma estrutura interna mais parecida com uma casa do que com uma prisão, já que não havia celas.
Até um ano antes, a prisão tinha sido controlada exclusivamente por freiras, mas isso mudou depois que 13 prisioneiras escaparam da capela durante uma missa. A partir daí, foram colocados guardas do ladofora da prisão.
O plano
Mas isso não dissuadiu os líderes do movimento tupamaro, que começaram a planejar a ousada Operação Estrela.
"O plano começou a tomar forma a partirfora (prisão), mas exigiu coordenação com as presas", diz Licitra, que destacou a importância particular das militantes que estudavam arquitetura.
O papel delas era fornecer informações precisas para que colegas que estavamliberdade soubessem onde escavar o túnel a ser usado na fuga.
Para fazer medições, as prisioneiras usavam o que tinhammãos, como fios e itenscostura.
A trocainformações era feita por meiopequenas mensagens ou desenhospapéiscigarro, trocados durante as visitas.
Apenas as mulheres mais graduadas do Tupamaros sabiam do plano. A maioria das fugitivas ficou sabendo do plano apenas alguns dias ou até mesmo horas antessua execução.
As gêmeas Topolansky
Uma das pessoas que estavam a par a operação era Lucía Topolansky, que se juntou aos tupamaros1969, quatro anos após a criação do grupo guerrilheiro.
"La Tronca", como seus colegas a chamavam por seu caráter duro, chegou à prisãoCabildo1971. Ela tinha 27 anos e era acusadadelinquência e conspiração para violar a Constituição.
Licitra conta que logo que Lucía chegou à prisão passou a fazer parte da comissão encarregada dos detalhes.
O livro da jornalista argentina também revela o mau relacionamento que Lucía tinha comirmã gêmea María Elia - apelidada"La Parda", pertencente ao Tupamaros desde 1966, presa elevada a Cabildomaio1971, três meses depoisLucía.
"Quando 'La Parda' entrou no pavilhão,irmã nem se deu ao trabalholevantar-se para recebê-la. 'La Parda' notou o desprezo, cumprimentou suas companheiras que se aproximaram e então foi até a mesa onde Lúcia estava", relata 38 Estrellas.
A inimizade entre as irmãs tinha causas políticas: María Elia tinha divergências com a liderança do Tupamaros e fundara uma dissidência, razão pela qual muitos do grupo a consideravam uma traidora.
Mirtha Fernández Pucurull, outra militante fugitiva, disse a Licitra que na prisão elas chamavam Lucía"a oficial", para distingui-lasua irmã gêmea.
Ao contráriosua irmã, que foi uma das pessoas que planejou a fuga, "La Parda" ficou sabendo da operação pouco antes daconcretização.
Como aconteceu
Os tupamaros descobriram que a redesaneamento na áreaCabildo era antiga, o que significava que os canaisesgoto eram longos e largos.
Decidiram então construir dois túneis: um da prisão para os esgotos e outro para uma casa próxima, alugada pelo grupo.
A escavação dos túneis (com 18 metroscomprimento, 1,20altura e 80 cmlargura) demorou cercacinco meses e exigiu uma coordenação precisa com as presas, por causa da localização e para combinar táticasdistração para impedir que seus cúmplices no exterior fossem detectados.
Por exemplo, o buraco dentroum dos quartos do pavilhão foi feito usando um macaco hidráulico enquanto as prisioneiras celebravam um aniversário para cobrir o som.
Quando tudo estava pronto, no finaljulho, elas esperaram até as 22h, quando todos já estavam dormindo, para começar a grande fuga - com os quadros mais graúdos do Tupamaros indo à frente.
Licitra tentou reconstruir a ordem das prisioneiras na fuga para seu livro, mas se deparou com memórias divergentes das protagonistas.
Tampouco ficou claro quem eram as quatro prisioneiras que decidiram não participar da operação - ou que estavam pertoconcluirpena, ou estavamestágio avançadogravidez.
Segundo a jornalista Virginia Martínez, do jornal El País, Elena Quinteros, provavelmente a desaparecida política mais icônica do períododitadura militar do Uruguai (1973-1985), foi uma das que ficou.
No entanto, Licitra e outros jornalistas afirmam não ter encontrado evidênciasque Quinteros estavaCabildo quando ocorreu a fuga.
Esquecimento
A passagem do tempo e o esquecimento do episódio deixaram essas lacunas na memória - e mostram o que acontece quando eventos importantes não são devidamente documentados.
A jornalista acredita que há pelo menos três razões para este esquecimento.
A primeira, baseada no que as próprias protagonistas contaram, é que, embora essa história seja excepcional para uma pessoa comum, "na vida desses ativistas, foi apenas mais umuma sérieepisódios extraordinários".
Quase todas as 38 "estrelas" foram novamente capturadas, e muitas, como a vice-presidente uruguaia, passariam maisuma década atrás das grades - mas desta vezuma forma muito mais cruel e violenta, durante o regime militar.
A segunda razão tem a ver com a pouca relevância que foi dada ao importante papel das mulheres dentro do movimento tupamaro, especialmente a nível do registro.
Mas a razão mais forte para o esquecimento da Operação Estrela está no fatoela ter sido ofuscada por uma fuga bem mais ressonante - a Operação Abuso, que ocorreu apenas semanas depois da primeira e chegou a ser alçada ao LivroRecordes do Guinness.
Nesse episódio, 111 ativistas políticos, incluindo a cúpula tupamara, escaparam da prisãoPunta Carretas, tambémMontevidéu. Isso foi6setembro1971.
Esta foi considerada uma das ações mais impressionantes dos tupamaros e, como certamente muitos uruguaios se lembram, teve como um dos protagonistas "Pepe" Mujica.
Isso sim foi registrado nos livroshistória - os mesmos que agora, diante da nova onda feminista, começam a ter que olharnovo para o passado.
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