Gravação inédita revela show que lançou Gil, Caetano, Bethânia e Galmrjack.bet bone1964:mrjack.bet bone

Roberto contou a novidade na varandamrjack.bet boneazulejos marrons da casa da atriz Maria Moniz, onde costumavam se reunir com Gil, Caetano, Bethânia, Gal, Tom Zé, Djalma, Perna Fróes, Orlando Senna, Emanoel Araújo, Fernando Lona e Alcyvando Luz.

Foimrjack.bet boneCaetano a ideiamrjack.bet bonechamar o grupo e o showmrjack.bet bone"Nós, por exemplo…", mas os primos Roberto e Tom Zé acharam o nome uma tremenda ousadia, com Roberto argumentando que ainda não eram exemplosmrjack.bet bonenada, apenas simples estudantes fazendo música. A ideiamrjack.bet boneCaetano prevaleceu: "O 'por exemplo' aí queria dizer não que nós éramos um modelo a ser seguido, um exemplo, mas que tínhamos a certezamrjack.bet boneque havia muitos outros, toda uma geração a que nós, 'por exemplo', pertencíamos, e que deviamrjack.bet boneexistência ao aparecimento da Bossa Nova", explicou Caetanomrjack.bet boneseu livro Verdade Tropical.

Para formar o repertório, Roberto Sant'Ana pediu uma cotamrjack.bet bonemúsicas autorais aos compositores do grupo, mesclando com os clássicos da Bossa Nova e do cancioneiro popular sugeridas por cada um dos participantes. A turma ensaiava e também dava uma ajudinha para que o Teatro Vila Velha, no Passeio Público, próximo ao Palácio da Aclamação e ao Hotel da Bahia, ficasse pronto.

Perna teve que se virar para arranjar um pianomrjack.bet bonearmário que a Companhia Teatro dos Novos tivesse condiçõesmrjack.bet bonecomprar, enquanto as cadeiras do teatro foram adquiridasmrjack.bet boneum cinemamrjack.bet boneSanto Amaro, que estava fechando as portas, graças à indicaçãomrjack.bet boneRodrigo Velloso, irmãomrjack.bet boneCaetano e Bethânia. Ativo jornalista cultural, Orlando Senna cuidou da divulgação publicando pequenas entrevistas, reportagens e fotos com a turma, preparando o clima para o grande dia.

Memórias

"Tenho muita saudade, era muito melhor viver naquela época", emociona-se Roberto Sant'Ana. "Éramos jovens, todos, impetuosos, sonhadores, felizes e cheiosmrjack.bet boneenergia, então é uma época que me traz recordações maravilhosas", diverte-se Gilberto Gil.

Alguns ensaios da turma aconteciam na casa do pianista Perna Fróes. Em textomrjack.bet bone2017, o flautista Tuzémrjack.bet boneAbreu recordoumrjack.bet bonequando conheceu Bethânia na festamrjack.bet boneaniversáriomrjack.bet bonePerna, dois dias antes da irmãmrjack.bet boneCaetano completar 18 anos. "Perna comandava amrjack.bet boneprópria festa ao piano, na casa grande damrjack.bet bonefamília, no Largo dos Aflitos. (...) De repente, vi sentar próximo ao piano uma garota um pouco mais velha que eu, muito magra, com um vestido preto, cabelos muito pretos e presosmrjack.bet bonecima da cabeça, morena, com um nariz interessante e uma expressãomrjack.bet bonepessoa muito determinada. Tinha aparênciamrjack.bet boneindiana. Começou a cantar, acompanhada por Perna, uma canção que considerei a mais bonita que jamais ouvira. Dizia: 'Na minha voz, trago a noite e o mar....'. Falavamrjack.bet boneum Sol Negro emrjack.bet boneIemanjá. Fiquei muitíssimo impressionado. Tão impressionado que consegui vencer a timidez e falar com aquela pessoa que parecia ao mesmo tempo muito interessante e muito distantemrjack.bet bonemim. Pergunteimrjack.bet bonequem era aquela canção. Ela respondeu com alguma rispidez que era do irmão dela, e que eu não o conhecia".

Na contracapamrjack.bet boneseu LPmrjack.bet bone1968, Caetano deixou um post scriptum dizendo a Gil que "hoje não tem sopa na varandamrjack.bet boneMaria". O pontomrjack.bet boneencontro era lá, mas a sopa nem sempre. "O lugar básico era na casamrjack.bet boneMaria Moniz,mrjack.bet bonelá íamos tomar uma sopa na casamrjack.bet bonetia Canô", esclarece Djalma, com o carinhomrjack.bet bonequem chama a mãe dos amigosmrjack.bet bonetia.

"Sempre me vêm à cabeça Gil, Bethânia e Gal, além, é claro, da anfitrioa, cuja conversa era sempre muito engraçada e inteligente. Não tenho certezamrjack.bet boneter visto Tom Zé ou Alcyvando lá, embora seja possível que eles e outros participantes dos shows do Vila Velha tenha frequentado a varandamrjack.bet boneMaria", reconstitui Caetano à BBC News Brasil, por email. "(...) Maria tinha tiradas geniais. Ela é donamrjack.bet boneum estilo únicomrjack.bet bonepensar, agir e expressar-se. Acho que a sopa era sempre boa, mas as cantorias e as conversas eram ainda melhores. Eu morava perto. (...) Posso me imaginar cantando Não posso me esquecer do adeus lá. E ouvir Gil cantando Serenatamrjack.bet boneteleco-teco ou uma canção lenta, como Maria. Bethânia cantando Noel, Gal cantando Meditação e Vagamente", continua. "O namoradomrjack.bet boneMaria me propôs fazer um pocket-show na boate Anjo Azul, que nunca se realizou, mas para o qual escrevi Clever boy samba, que era meio crônica, meio sátira (mas diferente dasmrjack.bet boneTom Zé) e que serviumrjack.bet bonesugestão para Alegria, alegria, que compus anos depois. O 'eu' que anda pela rua da cidade era mais satirizado do que o que andamrjack.bet boneAlegria, alegria, mas pensei naquele quando retratei este", completa Caetano.

Noitemrjack.bet boneestreia

Às 21 horas do sábado, 22mrjack.bet boneagostomrjack.bet bone1964, no Teatro Vila Velha, com produção e iluminaçãomrjack.bet boneRoberto Sant'Ana (21), subiram ao palco Caetano Veloso (22), Gal Costa (18), Gilberto Gil (22), Maria Bethânia (18), Fernando Lona (27), Perna Fróes (20), Djalma Corrêa (21) e Alcyvando Luz (26). Caetano, Gil e Roberto assinaram a direção. Tom Zé (27) só participaria no mês seguinte. "Estávamos nervosíssimos", confessa Roberto.

"Foi a primeira vez que eu pisei num palco na minha vida, assim com público na minha frente, e eu cantei Se é tarde me perdoa e outras músicas mais. Foi maravilhoso, inacreditável", contou Gal Costa, três décadas depois, no programa Ensaio. Presente ao espetáculo, o jurista e músico Carlos Coqueijo (1924-1988) foi um entusiasta do grupo. Uma críticamrjack.bet bonepublicada no Jornal da Bahia foi o mais completo relato sobre o "Nós, por exemplo…" a sair na imprensa. "Haverá vozmrjack.bet bonemenina moça mais afinada, mais maviosa, mais meiga, mais instrumental do que amrjack.bet boneMaria da Graça? Essa, pra mim, foi a novidade-revelação do grupo", escreveu.

Gilberto Gil interpretou O menino das laranjas, famosa na vozmrjack.bet boneGeraldo Vandré, além das suas Maria e Samba ainda sem nome, indo às lágrimas. "É verdade que Gilberto Gil comprovou suas excepcionais qualidadesmrjack.bet bonemúsico, compositor e futuroso diretor musical. E ele, que tantas e tantas vezes já se exibiumrjack.bet bonepúblico, principalmente na Televisão, emocionou-se às lágrimas — que foram gerais e compunham o rio da felicidade do exemplomrjack.bet bonevocês — porque sabia que aquele fora o seu grande momento musical", desmanchou-se Coqueijo. Gil não se recorda, mas não duvida do choro: "Eu não me lembro, gozado. É possível, primeiro porque Carlos Coqueijo não ia inventar isso da cabeça dele, segundo porque eu sou chorão mesmo", admite.

Caetano Veloso cantou Émrjack.bet bonemanhã e Não posso mais dizer adeus. Trouxe também Vai pra frente, parceria com Bethânia, cantada por Gal Costa. "Lendo o título, me lembrei confusamentemrjack.bet boneNão posso mais dizer adeus, mas até agora nada me veiomrjack.bet boneVai pra frente. Em menosmrjack.bet boneuma tarde, recordei grande parte da primeira. É uma valsa lenta com melodia sentimental, mas tem parentesco com a canção moderna pré-bossa nova e também com a bossa nova já dominante. Ou é — se eu ou alguém lembrarmrjack.bet boneletra,mrjack.bet bonemelodia emrjack.bet boneharmonia. Acho que era bonita. Quanto a Vai pra frente, não me lembro sequer desse título", escreve Caetano, por email.

O grande momento do show foimrjack.bet boneSol Negro. "É certo que Caetano se consagrou, naquela noite memorável, um dos melhores compositores brasileiros populares contemporâneos — assim, na galeriamrjack.bet boneJobim e Vinicius, sem exagero. Suas composições são fabulosas. Aquela do duo feminino, então, não se fala", decretou Coqueijo. Com Bethânia numa ponta do palco,mrjack.bet bonevestido branco, e Gal na outra,mrjack.bet bonevestido preto, Caetano tocava violão no centro. Primeiro, Bethânia começava a cantar, para depois dar a vez a Gal, e no fim as duas cantavam ao mesmo tempo. "Bethânia e Gal cantando Sol Negro, a canção que escrevi para as duas cantarem juntas,mrjack.bet bonecontraponto, foram ovacionadas como se fossem divas consagradas", disse Caetano à Revista Muito,mrjack.bet bone2014.

Outros números incluíram a instrumental Temamrjack.bet boneCandomblé,mrjack.bet bonePerna Fróes, a futurista Bossa 2000 D.C.,mrjack.bet boneDjalma Corrêa, misturando solomrjack.bet bonebateria com música eletrônica, as cançõesmrjack.bet boneprotesto com temáticas nordestinasmrjack.bet boneFernando Lona (1937-1977) e o virtuosismomrjack.bet boneAlcyvando Luz (1937-1998), que tocava violão com afinação particularíssima. Roberto Sant'Ana quebrou vários galhos, fazendo um poucomrjack.bet bonetudo, desde cenário e figurino até a iluminação. "Sempre tinha aprovaçãomrjack.bet boneCaetano emrjack.bet boneGil", observa.

O show terminou ao sommrjack.bet boneSamba da bênção, com a turma dando a bênção a grandes compositores da música brasileira e a amigos como o "irmão ausente e querido" Tom Zé, Maria Moniz, Orlando Senna e Carlos Coqueijo. Após o show, Coqueijo foi ao palco e pediu a bênção a Caetano.

Um públicomrjack.bet bone461 pessoas comprou ingresso e assistiu ao show ao ladomrjack.bet bone52 convidados. A rendamrjack.bet boneCr$ 138.400 — cercamrjack.bet boneR$ 4 mil atuais — foi toda doada para a Companhia Teatro dos Novos. Presente ao Vila Velha naquela noite, o cineasta José Walter Lima, então um estudantemrjack.bet boneBelas Artesmrjack.bet bone18 anos, lembra damrjack.bet bonereação: "Adorei, achei uma coisa diferente, fiquei fascinado".

Tom Zé e novos shows

O sucesso do "Nós, por exemplo…" proporcionou novas apresentações nos dias 7 e 8mrjack.bet bonesetembro, agora com Tom Zé no lugarmrjack.bet boneFernando Lona. "E era lindo a gente cantar naquele Teatro Vila Velha, nós todos jovens, e a gente descobrindo que a gente podia falar com as pessoas, que as pessoas reagiam com alegria ao que a gente dizia. Era uma verdadeira descoberta, assim, gostosa", encantou-se Tom Zé, no programa Ensaio,mrjack.bet bone1991.

Se a maioria da turma do "Nós, por exemplo…" ainda iria encontrarmrjack.bet bonemelhor assinatura musical, Tom Zé já tinha estilo próprio, desenvolvido desde os temposmrjack.bet boneIrará, enquanto Bethânia arrebatavamrjack.bet boneprimeira quem a ouvisse. Em textomrjack.bet bone2009, o poeta Ildásio Tavares (1940-2010) ressaltou a originalidade dos dois: "No grupomrjack.bet bonejovens que estreou no Vila, todo mundo começou imitando João Gilberto; menos Tom Zé e Maria Bethânia, que se afirmou desde cedo por uma voz pessoal, inconfundível e carregadamrjack.bet boneemoção".

No fimmrjack.bet bonenovembro, também no Vila Velha, a turma emplacou o "Nova Bossa Velha & Velha Bossa Nova". Nos dias 12 e 13mrjack.bet bonedezembro, dessa vez no Teatro Castro Alves,mrjack.bet bonereconstrução após o incêndio que impediumrjack.bet boneinauguração oficial, apresentaram os dois espetáculos. "O que aconteceu foi uma propaganda espontânea, as pessoas falando sobre o assunto, os estudantes falando sobre os showsmrjack.bet boneseus colégios e faculdades. Ainda não existia o termo, mas podemos utilizá-lomrjack.bet boneretrospectiva: viralizou", sintetiza o cineasta Orlando Senna, produtor desses shows.

Gravações inéditas

As fotos que sobraram da turma no palco do Teatro Vila Velha são escassas, mas Djalma Corrêa tem as gravações dos três diasmrjack.bet boneshows do "Nós, por exemplo…", remasterizadasmrjack.bet boneLos Angeles por iniciativa própria e jamais tornadas públicas. Ele pretende gravar um documentário com a presença dos participantes que, a exceção dele, nunca ouviram o registro do que protagonizaram naquelas noites inesquecíveismrjack.bet bone1964. Trata-semrjack.bet boneum dos maiores tesouros não revelados da história da música brasileira. "Eu tô cuidando disso com muito carinho", enternece Djalma.

Mas se estava no palco tocando bateria e percussão, como Djalma conseguiu gravar o espetáculo? "É uma história interessante", sorri. Como teria que usar uma parafernália para apresentarmrjack.bet bonemúsica Bossa 2000 D.C., ele teve a ideiamrjack.bet bonecolocar um gravador ao lado da bateria para gravarmrjack.bet boneperformance. "Já que o gravador estava no palco, por que não gravar o show todo?", questionou-se. Roberto Sant'Ana não gostou da ideia, causando uma discussão que transformou-semrjack.bet bonebriga. "Fomos para o jardim, e foi um puxa daqui, puxa dali. Caetano segura um, Gil segura outro", conta Djalma. Como num paradoxo temporal, os dois brigavam pela relíquiamrjack.bet boneum momento marcante que sequer havia acontecido.

Passado o entrevero, eles são amigos até hoje. Seja pela razão ou pela força, Djalma ganhou a disputa e levou ao palco seu gravador caseiromrjack.bet bonedois canaismrjack.bet bone¼mrjack.bet bonepista da marca Philips.

Do "Nós, por exemplo…"mrjack.bet bonediante, passando pelos outros shows no Vila Velha, no TCA incendiado, Bethânia no Opinião, Arena Canta Bahia, os Festivais, a Tropicália, o exílio, Gal a todo vapor, os Doces Bárbaros, Tom Zé redescoberto por David Byrne, Caetano e Gil juntos no Tropicália 2 e no Dois Amigos, Um Séculomrjack.bet boneMúsica, o big bang sonoro que há 55 anos explodiu numa Salvador vanguardista,mrjack.bet boneplena velha Bahia, continua a se expandir até hoje.

"Foi um tiro certo, um tiro na mosca", dispara Roberto Sant'Ana.

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