A megacidade que está afundando e pode ficar submersatrês décadas:
"A possibilidadeJacarta ficar submersa não é brincadeira", diz o pesquisador Heri Andreas, do institutotecnologia Bandung, que estuda há 20 anos o afundamento do soloJacarta.
"Se observarmos os padrões,2050 cerca95% do norteJacarta estará submerso."
E isso já está acontecendo. O norteJacarta afundou 2,5 metros10 anos e continua "descendo" até 25 centímetros por ano, o que é mais do que o dobro da média global para megacidades costeiras.
Em média, Jacarta está afundando1 a 15 centímetros por ano, e quase metade da capital indonésia está agora abaixo do nível do mar.
O impacto já é visível no norte do município. No distritoMuara Baru, um edifício corporativo está completamente abandonado. O prédio abrigava uma empresapesca, mas a varanda do primeiro andar é a única parte funcional que resta.
O primeiro andar da construção está alagadodecorrência das enchentes. Como o terreno ao redor está mais alto, a água não tem para onde escoar.
Prédios inundados raramente são abandonados assim, porque, na maioria das vezes, os proprietários tentam consertar, reformar e encontrar soluções no curto prazo para o problema. Mas, neste caso, eles não conseguem impedir o solosugar essa parte da cidade para baixo.
Um mercadopeixe, a apenas cinco minutoscarro do local, também sofre com as consequências das enchentes:
"As calçadas são como ondas, se curvam para cima e para baixo, as pessoas podem tropeçar e cair", alerta Ridwan, moradorMuara Baru. À medida que o nível da água no subsolo está diminuindo, o piso por onde os frequentadores do mercado passam está afundando e se deslocando, criando uma superfície irregular e instável.
"Ano após ano, o solo continua afundando", diz ele, um dos muitos moradores do bairro que estão preocupados com o que está acontecendo na vizinhança.
Jacarta é historicamente uma cidade portuária, e a parte norte abriga até hoje um dos portos marítimos mais movimentados da Indonésia: Tanjung Priok. A localização estratégica, onde o rio Ciliwung desemboca no MarJava, foi uma das razões pelas quais os colonizadores holandeses decidiram transformá-loseu principal porto no século 17.
Hoje, 1,8 milhãopessoas vivem na região, que se tornou uma curiosa misturaempresas portuáriasdecadência, comunidades costeiras pobres e uma população significativachineses indonésios ricos.
Fortuna Sophia viveuma mansão luxuosa com vista para o mar. O afundamento do solo ainda não é visível na casa, mas ela diz que, a cada seis meses, aparecem novas rachaduras nas colunas e nas paredes.
"A gente só tem que continuar consertando", conta Fortuna, ao lado da piscina, com um cais privado a poucos metrosdistância.
"Os homensmanutenção dizem que as rachaduras são causadas pelo deslocamento do solo."
Ela mora na mesma casa há quatro anos, mas relata que já houve várias inundações:
"A água do mar entra e cobre a piscina toda. Temos que levar todos os móveis para o andarcima."
Mas o impacto para as pequenas residências à beira-mar é muito maior. Moradores que já tiveram uma vista para o mar agora veem apenas um dique cinza, construído e reconstruídouma brava tentativaconter o avanço das águas.
"Todos os anos a maré aumenta cerca5 cm", afirma Mahardi, um pescador.
Nada disso deteve, no entanto, os agentes imobiliários. Cada vez mais apartamentosluxo são erguidos no norteJacarta, independentemente dos riscos.
Eddy Ganefo, chefe do conselho consultivo da AssociaçãoDesenvolvimento Habitacional da Indonésia, disse que pediu ao governo que impedisse a realizaçãonovos empreendimentos na região. Mas, segundo ele, "enquanto for possível vender apartamentos, as construções continuarão".
Outras partesJacarta também estão afundando, emboraum ritmo mais lento: cerca15 cm por ano na zona oeste do município, 10 cm no leste, 2 cm no centro e apenas 1 cm no sul.
Cidades costeirastodo o mundo estão sendo afetadas pelo aumento do nível do mardecorrência das mudanças climáticas. O fenômeno acontece devido à expansão térmica da água - ela esquenta e aumentavolume - e ao derretimento do gelo polar. Mas a velocidade com que Jacarta está afundando é alarmante.
Pode ser surpreendente, mas há poucas reclamações entre os moradores da cidade. Para eles, a inundação é apenas um entre os diversos desafiosinfraestrutura enfrentados diariamente.
E isso faz parte do motivo pelo qual isso está acontecendo.
A velocidade dramática com que Jacarta está afundando se deve,parte, à extração excessivaágua subterrânea para ser consumida como água potável, para banho e para ser usadaoutras tarefas cotidianas. A água encanada não é confiável, tampouco está disponível na maioria das regiões. Assim, as pessoas não têm escolha a não ser recorrer ao bombeamentoágua dos aquíferos subterrâneos.
Mas quando a água subterrânea é bombeada, o terreno acima dela cede, como se estivesse sobre um balão vazio, levando ao afundamento do solo.
A situação é acentuada pela regulamentação falha, que permite que praticamente qualquer pessoa -proprietários locais a operadoresshopping centers -, realizeprópria extraçãoágua subterrânea.
"Todo mundo tem o direito,moradores a indústrias,usar a água subterrânea, desde que isso seja regulamentado", diz Heri Andreas. O problema é que eles usam mais do que é permitido.
Os moradores dizem que não têm escolha, uma vez que as autoridades não conseguem atender suas necessidades. E os especialistas confirmam que os órgãos responsáveis pela gestão da água só conseguem atender 40% da demandaJacarta.
O proprietárioum kos-kosan, espéciedormitório, no centroJacarta, bombeia por conta própria do lençol freático há 10 anos para abastecer os inquilinos. Conhecido apenas como Hendri, ele é um dos muitos moradores que fazem isso.
"É melhor usar nossa própria água subterrâneavezconfiar nas autoridades. Um kos-kosan como esse precisamuita água."
O governo só admitiu recentemente que a extração ilegalágua subterrânea é um problema.
Em maio, a prefeitura inspecionou 80 prédios no bairro Jalan Thamrin, no centro da cidade, cercado por arranha-céus, shoppings e hotéis. A fiscalização descobriu que 56 prédios tinhamprópria bombaágua subterrânea e que 33 estavam extraindo água ilegalmente.
O governadorJacarta, Anies Baswedan, afirmou que todos devem obter uma licença, o que permitirá às autoridades medir a quantidadeágua subterrânea que está sendo bombeada. Aqueles que não cumprirem a nova regra terão o certificado do prédio revogado, assim como outros negócios que funcionem no mesmo edifício.
As autoridades também esperam que a Grande Garuda, um murocontenção32 km que está sendo construído ao longo da BaíaJacarta, juntamente com 17 ilhas artificiais, ajude a salvar a cidade.
O projeto, que tem um custo estimadoUS$ 40 bilhões, está sendo apoiado pelos governos holandês e sul-coreano. Ele prevê a criaçãouma lagoa artificial, na qual os níveis da água podem ser controlados para permitir a drenagem dos rios da cidade. A ideia é ajudar a conter as inundações, um dos grandes problemas quando chove.
Mas três organizações holandesas sem fins lucrativos divulgaram um relatório2017, questionando se o muro e as ilhas artificiais poderão resolver,fato, o problema do afundamento do soloJacarta.
Jan Jaap Brinkman, especialistahidrologia do instituto holandêspesquisa Deltares, argumenta que o empreendimento é apenas uma medida provisória. Segundo ele, vai oferecer a Jacarta apenas mais 20 ou 30 anos para encontrar uma soluçãolongo prazo para o afundamento do solo.
"Há apenas uma solução, e todos sabem qual é", diz ele.
A saída seria proibir a extraçãoágua subterrânea e recorrer apenas a outras fontes, como água da chuva, dos rios oureservatórios feitos pelo homem. Segundo ele, Jacarta precisa fazer isso até 2050 para evitar que a cidade afunde.
Mas a mensagem ainda não está sendo levada a sério. E o governadorJacarta, Anies Baswedan, acha que uma medida menos drástica funcionará.
Ele diz que as pessoas devem ser capazesbombear água subterrânea legalmente, desde que utilizem o chamado método biopori.
A técnica prevê cavar um buraco10 cmdiâmetro e 100 cmprofundidade no terreno para permitir que a água seja reabsorvida pelo solo.
Os críticos dizem que a medida só vai repor a água superficialmente - e,Jacarta, a água costuma ser extraída a partircentenasmetros abaixo do nível do solo.
Existe tecnologia capazrepor a água subterrâneafontes profundas, mas é extremamente cara. Tóquio usou esse método, conhecido como recarga artificial, quando enfrentou um afundamento severo do solo há 50 anos. O governo também restringiu a extraçãoágua subterrânea, e as empresas foram obrigadas a usar água reciclada. O processoimersão foi interrompido na sequência.
Mas Jacarta precisafontes alternativaságua para isso funcionar. O pesquisador Heri Andreas diz que pode levar até 10 anos para limpar a água dos rios, barragens e lagos, para permitir que seja canalizada ou usada como substituto aos aquíferos subterrâneos.
Os moradoresJacarta adotam uma atitude um tanto fatalistarelação ao futuro.
"Viver aqui é um risco", diz Sophia Fortuna emcasa. "Todas as pessoas que estão aqui aceitaram esse risco."
Reportagem adicionalTomSouza. Elementos interativosArvin Surpriyadi, Davies Surya e Leben Asa.