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Conseguiremos algum dia curar as doenças que mais matam?:
A busca para entender como nossos genes funcionam começoumeados do século 19, quando o biólogo e monge Gregor Mendel chegou a uma conclusão surpreendente sobre as características das plantas.
Mendel cruzou péservilhaflores roxas com outrosflores brancas e verificou que os pés resultantes possuíam flores roxas.
Por outro lado, surpreendeu-se ao descobrir que a terceira geração apresentava floresambas as cores.
Isso revelou uma característica importante sobre as plantas: aque as cores podem ser herdadas, porém uma pode ser mais dominante do que a outra.
De certa forma, Mendel descobriu como os genes atuam. Mas não o que eram ou ao que se pareciam.
Tal resposta chegou muito mais tarde. Foi apenas no século seguinte que a própria estrutura do DNA foi descoberta. Em 1953, com base no trabalhoRosalind Franklin e Maurice Wilkins, os cientistas James Watson e Francis Crick descobriram que nosso DNA é formado por uma estruturadupla hélice.
Foi um avanço significativo. Conhecer essa estrutura ajudou a revelar mais segredos. Quando o DNA é replicado, essa hélice se divideduas.
Isso significa que mutações podem acontecer à medida que nossas células se dividem. Mesmo um pequeno defeito genético pode, assim, causar uma doença devastadora.
Em outras palavras, o "livro" que representa cada umnós pode ser impresso ou reescrito com erros. Mas agora temos as ferramentas - incluindo a capacidadeanalisar grandes conjuntosdados - para ler esse livro mais rápido, mais barato e até mesmo interagir com ele.
Editando Genes
Cientistas já são capazeseditar genesorganismos - e essa edição vem sendo usada para tratar algumas doenças devastadoras com grande sucesso.
No entanto, o processo é muitas vezes demorado e dispendioso.
Apenas cinco anos atrás, uma formaediçãogenes foi descoberta com grande pompa. É chamada CRISPR Cas9, ou apenas CRISPR. Em outras palavras, a CRISPR usa "tesouras moleculares" para alterar um trecho muito específicoDNA - cortando-o, substituindo-o ou aperfeiçoando-o.
Atualmente, a técnica é usadalaboratóriostodo o mundo a partir da alteração e manipulação dos genesplantas e animais. A expectativa éque ela possa ser usadabreve para tratar numerosas doenças humanas.
"O que interessa à opinião pública é a possibilidadeusar a ediçãogenes CRISPR para fins terapêuticos", diz o professor Robin Ali, da Sociedade Europeia para Genética e Terapia Celular. Isso pode acontecer dentro da próxima década, se estudos iniciais forem promissores.
Os primeiros testeshumanos já estãoandamento na China e receberam aprovação para serem conduzidos nos EUA.
Nesses experimentos, cientistas injetaram células modificadaspacientes que haviam sido previamente removidas,vezeditar células dentro deles diretamente. Se as células fossem diretamente modificadas dentro do próprio corpo, muitos outros distúrbios genéticos poderiam ser tratados.
Apesar disso, eles continuam entusiasmados com a tecnologia, que poderia fornecer tratamentos efetivos para condições atualmente ainda não tratáveis, como a doençaHuntington e a fibrose cística, para citar apenas duas. Em teoria, a CRISPR poderia oferecer tratamentos rapidamente,questãodias ou semanas,vezmeses.
"Há muito poucos exemplosque uma nova tecnologia se disseminoulaboratóriostodo o mundo, onde é implementada para fazer coisas extremamente difíceisfazer", diz Ali.
O uso da CRISPR não será, no entanto, "instantânea", alerta o pesquisador.
Segundo Ali, serão necessários vários anos para que a tecnologia seja usada clinicamente.
A Intellia Therapeutics é uma das várias companhias que desenvolvem essa tecnologia para usoseres humanos. O CEO da empresa, Nessan Bermingham, acredita que a CRISPR tem o potencialrevolucionar completamente a medicina.
A expectativa éque a técnica poderia ser usadadoenças causadas por apenas um gene defeituoso, bem como doenças causadas por maisuma mutação genética.
"Essa tecnologia tem o potencialnos permitir atuar sobre vários trechosDNA ao mesmo tempo", diz Bermingham.
Segundo ele, estudos realizados pela Intellia revelaram que uma única injeçãoum animal pode retardar a produçãouma proteína tóxica97%.
Antes que possa ser usadahumanos, no entanto, qualquer droga terá que ser amplamente testada e regulamentada pelas autoridades. Até então, será principalmente uma ferramentapesquisa no laboratório. "Sem dúvida, o poder (do CRISPR) éfacilidade para editar genomas", diz Ali.
Muitas questões científicas ainda precisam ser respondidas antes que a Intellia possa buscar aprovação para testes clínicoshumanos. Por esse motivo, Bermingham hesitapropor uma data específica.
O dinheiro, por outro lado, continua a fluir. Embora a Intellia esteja atualmente envolvidauma batalha para obter a patente da CRISPR, Bermingham diz que isso não afastou investidores.
"Do pontovista do investidor, do pontovista científico, as pessoas estão analisando essas descobertas e dizendo "agora temos a ferramenta, estamos prontos para seguir adiante", destaca.
O procedimento também desperta polêmica. Especialmente no que se refere aos chamados "bebês sob medida".
Apesar disso, é importante notar que alterar o DNAum indivíduo só vai alterar os genes específicos que estão sendo editados. A mudança não será transmitida a seus descendentes. Esse processo é conhecido como edição somática.
A polêmica surge, no entanto, quando se editam embriões humanos unicelulares - caso resultemgravidez. Testes desse tipo já estão ocorrendo, mas apenas para finspesquisa.
A Intellia se concentra, porvez, na ediçãogenes somáticos.
"Qualquer discussão sobre a ediçãolinha germinativa - nas quais essas células ou essas edições são passadas para seus filhos e filhosseus filhos - é prematura", diz Bermingham.
Daqui a algum tempo, será possível analisar quão bem sucedidos os testeshumanos serão. Só então entenderemos se a CRISPR será um divisoráguas para doenças humanas, como se prevê.
Tratamentos inteligentes
Enquanto a CRISPR pode ser usada para tratar uma sériedoenças genéticas, incluindo o câncer, existem muitas outras empresasolhotipos específicoscâncer.
Há, atualmente, mais200 tiposcâncer, o que torna muito difícil seu tratamento.
Mas uma tecnologia recém-lançada vem usando o próprio sistema imunológico do paciente para combater a doença.
Nosso sistema imunológico é muito eficienteenfrentar infecções. Na linhafrente, estão as células brancas chamadas "células T", que buscam especificamente por sinaisinfecção. Ao detectarem um vírus, elas se multiplicam e o atacam.
O problema é que as células T não reconhecem mutações cancerosas como inimigos invasivos, pois são,última análise, versões "mutantes" das próprias células do paciente.
"Há muito tempo, a medicina queria reorientá-las para aniquilar tumores", explica Martin Pule, da University CollegeLondres.
Pule e seus colegas já conseguiram fazer isso alterando geneticamente as células T para reconhecer e atacar o câncer. Uma dessas terapias, chamada CAR-T, já foi licenciada para uso nos EUA, com um custoUS$ 475 mil (R$ 1,5 milhão) por paciente. O tratamento personalizado se volta para crianças e jovens com leucemia linfoblástica aguda.
Segundo o laboratório farmacêutico Novartis, que fabricou a droga, a taxaremissão é83%.
"Nunca houve nada do tipo na história recente", diz Pule.
Ele vê esse tipotratamento como o futuro da oncologia, com nove testes clínicos atualmenteandamento na University CollegeLondres. Várias empresas também estão trabalhandotratamentos que aproveitam o poder das células T, entre elas a Autolus e a Immunocore, ambas no Reino Unido, e a Novartis, nos EUA.
A Immunocore, sediadaOxford, na Inglaterra, usa uma tecnologia chamada terapia TCR - a partir da qual uma pequena molécula atrai as células T e as cancerosas. Uma vez que ambas as células estão conectadas, permite que as células T liberem toxinas para matar o câncer.
Essa molécula foi desenvolvida para tratar um tipo rarocâncer que pode se espalhar rapidamente para o fígado. Quando isso acontece, os pacientes têm pouco tempovida. O medicamento visa tratar, portanto, tumores hepáticos. Já foram 180 pacientes tratados com resultados promissores, segundo a Immunocore.
Eva-Lotta Allan, CEO da empresa, espera que o medicamento chegue às farmácias nos próximos dois anos.
"Aumentamos a taxasobrevivência após um anotratamentoquase quatro vezes,comparação com outros (tratamentos) lá fora hoje", diz.
Se for eficaz, a tecnologia também pode ser usada para tratar doenças infecciosas, como o HIV, a tuberculose e doenças autoimunes.
Allan conta que muitos dos investidores da Immunocore, incluindo a Fundação Bill e Melinda Gates e vários laboratórios farmacêuticos, permitiram à empresa passar muitos anos trabalhando na fabricaçãouma droga para tratar um tipo tão rarocâncer, dado que apenas 4 mil pacientes são diagnosticados a cada ano com a doença, o que poderia acabar por inibir o investimento.
"Grandes laboratórios farmacêuticos com uma perspectiva exclusivamente comercial podem pensar que o investimento não vale a pena."
Arma contra a malária
E não são apenas mutações genéticas que podem causar uma sériedoenças, mas também "invasores estrangeiros".
A malária, por exemplo, mata quase meio milhãopessoas por anotodo o mundo. Há várias cepas da doença que, devido àconstante mutação, acabam tornando mais difícil o tratamento.
Para entender como o parasita da malária criou resistência a medicamentos, os cientistas costumam analisardiversidade genética.
Agora esse tipoanálise também é possíveláreas remotas, com um dispositivo manualsequenciamento chamado Nanopore MinION.
Jane Carlton, professora-adjunta do DepartamentoMicrobiologia da UniversidadeNova York, recorre a um deles para ajudá-la a entender como a malária leva a melhor sobre o tratamento.
Usando apenas um laptop e o Minion, que é do tamanhoum telefone celular e custa US$ 1 mil (R$ 3,2 mil), Carlton pode sequenciar o genoma do parasita da maláriaalgumas horas.
Trata-se do mesmo resultado obtido a partir das imensas máquinassequenciamento do tamanhogeladeiras que ela possuiseu laboratório, que exigem maior manutenção. Isso sem falar no vai e vém das amostras.
A tecnologia permite a Carlton entender rapidamente se o parasita será ou não resistente a certas drogas. Usando o dispositivo, ela conseguiu, por exemplo, identificar mutações resistentes a medicamentos no mesmo diaque os pacientes foram diagnosticados com a malária.
O MinION pode ser usado para sequenciar qualquer organismo vivo, tornando-o extremamente útil para estudar rapidamente doenças devastadoras fora do laboratório. Isso ajudou os cientistas a entender mais sobre os vírus Ebola e Zika. O dispositivo chegou a ser usado, inclusive, para sequenciar o genoma humano.
Outra pesquisadora que se beneficiou do aparelho é Kim Judge, cientistaestatísticas sênior do Wellcome Trust Sanger Institute, nos Estados Unidos. Ela diz que seu valor é inestimável no campo, dadaportabilidade. Atualmente, o MinION é licenciado para finspesquisa, mas testes estãoandamento para ver como ele poderia diagnosticar doenças mais rapidamente do que os métodos existentes.
Já o professor Yutaka Suzuki, da UniversidadeTóquio, no Japão, descobriu o potencial do Minion como ferramenta para paísesdesenvolvimento.
Ele eequipe vem usando o dispositivoclínicas e hospitais na provínciaSulawesi do Norte, na Indonésia.
Suzuki diz que pode fazercinco horas o que os sequenciadores anteriores demandavam cinco dias. Isso permite aos médicos um diagnóstico rápido e preciso. "Normalmente, o paciente não pode esperar, especialmente quando infectado com perigosos agentes patogênicos... eles precisamdecisões imediatas", diz.
"E as estratégiastratamento podem ser diferentes, dependendo dos agentes patogênicos ou se eles são resistentes a medicamentos ou não."
Investimento maciço
Essas são apenas algumas da empresasbiotecnologia que vêm se aproveitando do rápido avanço sobre o conhecimento da genética.
Investidores estão interessadosganhar dinheiro com tratamentos inovadores, mas os lucros não são garantidos - e muitas startups vão fracassar no primeiro momento. Muitas empresas que realizam pesquisas aindaestágio inicial, como a Immunocore, não terão nenhum retorno por muitos anos.
Então, por que tamanho investimento?
Para começar, se a droga ou o produtouma empresa for bem-sucedido, os retornos podem ser extremamente lucrativos, explica Hitesh Thakrar, sócio do fundoinvestimento Syncona, voltado para pesquisas médicas.
No caso da ediçãogenes, por exemplo, as estimativas sugerem que o tratamento com CRISPR poderia custar até US$ 1 milhão por paciente. O governo britânico também oferece incentivos fiscais para investimentosnegócios qualificados no âmbito do PlanoInvestimento Empresarial.
"Invistostartups à medida que mais inovações estão acontecendobaixo para cima", diz Thakrar.
Os objetivos monetários podem ser o único fator para alguns, mas ele também está entusiasmado com os avançosponta no campo da medicina.
"Pela primeira vez na história da medicina, estamos prestes a curar as pessoas - é um momento bastante excitante para ser expostoempresas que estão curando doençasvezsintomas", afirma ele.
Quando as empresas investem no campo das ciências apenasbuscaaltos retornos financeiros, outros impactos negativos também podem ocorrer. O volumedinheirojogo pode acabar tirando fundos da chamada "blue-sky research" - como é chamada a busca do conhecimento a partir da qual descobertas inesperadas e inovadoras acontecem. Alguns veem essa mudança no direcionamento das pesquisas como preocupante.
"É um propósito ligeiramente diferente", diz Timothy Weil, biólogo molecular da UniversidadeCambridge, na Inglaterra. "Muitas startsups e investidoresrisco estão tentando solucionar um problema, buscando a resposta a um conhecido desconhecido. Um dos aspectos mais excitantes da pesquisa básica do céu azul é a perspectiva das incógnitas desconhecidas."
Outro problema é que, quando as patentes estão envolvidas, as descobertas científicas nem sempre são compartilhadas com outros cientistas, apesarmuitas vezes serem pesquisadores universitários que fazem as primeiras e vitais descobertas.
O financiamento para a pesquisa acadêmica, no entanto, pode levar tempo e ser competitivo. Pule divide seu tempo entre a academia e seus negócios. Segundo ele, "o investimento industrial permite a aplicação rápidagrandes somasdinheiro para objetivos muito singulares".
Para Pule, o CAR-T é um exemploque o desenvolvimento tecnológico e clínico avançou muito rapidamente. "É um bom exemplo do poder do capitalismo."
Não há dúvida, contudo,que o investimentotecnologia emergente está crescendo a um ritmo acelerado. É por isso que Ali acredita que nunca houve melhor momento para trabalhar na biotecnologia.
"O influxoinvestimento e a criaçãomuitas novas empresas apenas demonstraram quanta convicção existe no que a tecnologia vai nos proporcionar."
Também mostram que os avanços na medicina podem e são provenientesmuitas áreas diferentes. "Esses são desafios geracionais. Quanto mais formas tivermos para abordar o problema, melhor a chanceencontrar soluções", diz Weil.
Foi um longo caminho desde Mendel e seus experimentos com ervilhas. O conhecimento avançado do genoma humano significa que essas empresas - e outras como elas - vão ajudar os seres humanos a entrarum mundo onde a medicina personalizada, adaptada aos genomas individuais, se tornará a norma.
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