Clarice Lispector: maissaque mais rapido apostas40 anos após morte, escritora desperta mais questões do que quando viva:saque mais rapido apostas

Crédito, Madalena Schwartz/Acervo Instituto Moreira Salles

Legenda da foto, Filho caçulasaque mais rapido apostasClarice quer incluir dia do nascimento da escritora no calendário cultural do Brasil

Clarice também foi uma migrantesaque mais rapido apostasbuscasaque mais rapido apostasterra nova: a escritora nasceu na Ucrânia,saque mais rapido apostas1920, mas migrou com a família para o Brasil com apenas dois anos. De origem judaica, os Lispector eram perseguidos na Europa e encontraramsaque mais rapido apostasPernambuco o refúgio que precisavam.

Nesses maissaque mais rapido apostasquarenta anossaque mais rapido apostasmorte, os escritossaque mais rapido apostasClarice têm se tornado cada vez mais conhecidos esaque mais rapido apostasobra hoje é comparada àsaque mais rapido apostasromancistas importantes da literatura internacional como Virginia Woolf, James Joyce e Katherine Mansfield.

Mulher, judia, migrante e separada do paisaque mais rapido apostasseus dois filhos, Clarice foi um dos poucos nomes da literatura brasileira a conseguir reconhecimento aindasaque mais rapido apostasvida: seu romancesaque mais rapido apostasestreia, Perto do coração selvagem, escrito aos 24 anos, lhe rendeu seu primeiro prêmio, o Graça Aranha.

"Clarice soube se impor. Foi jornalista, quando havia poucas mulheres nessa profissão no Riosaque mais rapido apostasJaneiro dos anos 1940. Foi escritora inovadora, com narrativa bem diferente das demais que a antecederam, como Rachelsaque mais rapido apostasQueiroz ou Lúcia Miguel-Pereira. E seguiu com firmezasaque mais rapido apostasvocação para a literatura", afirma a professora Nádia Battella Gotlib, autora da biografia Clarice: uma vida que se conta.

"Há que se notar que no início dos anos 2000,saque mais rapido apostasobra quase completa já havia sido toda traduzida para o inglês, francês e espanhol, com exceção, naturalmente,saque mais rapido apostassuas cartas íntimas, que foram publicadas no Brasil apenas na primeira década deste século", conta a biógrafa. A obrasaque mais rapido apostasClarice está disponívelsaque mais rapido apostascercasaque mais rapido apostas30 idiomas, incluindo o hebraico, o tcheco, o croata, o búlgaro, o finlandês, o turco e o coreano.

Desde 2011, o Instituto Moreira Salles e o filho caçula da escritora, Paulo Gurgel Valente, tentam incluir no calendário cultural do Brasil o dia 10saque mais rapido apostasdezembro como um diasaque mais rapido apostashomenagem a Clarice Lispector, chamadosaque mais rapido apostasA Horasaque mais rapido apostasClarice.

A estrangeira

Apesarsaque mais rapido apostasser ucraniana esaque mais rapido apostaster morado 15 anos da vida adulta no exterior por ter sido casada com um diplomata, Clarice se considerava pernambucana. Seu nomesaque mais rapido apostasbatismo era Haia Pinkhasovna Lispector, mas adotou somente Clarice Lispector e se naturalizou brasileira. Um olhar "estrangeiro", contudo, tem sido a principal característica usada para descreversaque mais rapido apostasobra.

"Atribuímos essa característica independente dela ser uma estrangeira", explica Rosenbaum. "O estrangeirosaque mais rapido apostasClarice se tratasaque mais rapido apostasum olharsaque mais rapido apostasquem estranha o mundo até nas coisas mais familiares. Asaque mais rapido apostasrelação com o mundo é sempresaque mais rapido apostasum pontosaque mais rapido apostasvistasaque mais rapido apostasestranheza,saque mais rapido apostassurpresa, do mesmo modo como um estrangeiro olha para um lugar novo".

Como uma estrangeira, Gotlib explica que a escritora não se sentia pertencente e encaixada nas relações sociais usuais, como as relações familiares e amorosas, temas estes frequentessaque mais rapido apostasseus livros.

"Desde seu primeiro romance, Clarice centrasaque mais rapido apostasatenção no registrosaque mais rapido apostaslabirintos da intimidadesaque mais rapido apostassuas personagens, atenta a detalhes patentes na vida cotidiana, como nos laçossaque mais rapido apostasfamília esaque mais rapido apostasexperiências mais complexas, como o amor, a paixão, o ódio, a amizade, a inveja", explica a biógrafa.

Crédito, Maureen Bisilliat/Acervo Instituto Moreira Salles

Legenda da foto, Escritora nasceu na Ucrânia e migrou com a família para o Brasil aos dois anos

Rosenbaum acrescenta que essa visãosaque mais rapido apostasestranheza do mundo se aplica também à descrição dos objetos mais banais da vida cotidiana.

"As definiçõessaque mais rapido apostasClarice são sempre inusitadas. Asaque mais rapido apostasdefiniçãosaque mais rapido apostasjanela, por exemplo, é 'o ar emoldurado por esquadrias'", descreve a pesquisadora. "Clarice não usa a definiçãosaque mais rapido apostasdicionário".

Implacável

Para Gotlib, o recurso mais marcantesaque mais rapido apostasClarice é asaque mais rapido apostastruculência ao retratar as relações humanas.

Os conflitos no romance clariceano, segundo a biógrafa, atingem momentossaque mais rapido apostasextrema tensão e as relações humanas ganham múltiplas configurações, que vão desde a ordem social, àética e até estética.

"Clarice sabe ser implacável. Se por um lado escreve crônicas leves e agradáveissaque mais rapido apostasse ler, por outro lado há textos quase insuportáveis, que causam mal-estar ao leitor por mobilizarem forças talvez inconscientes, verdades até então abafadas", analisa Gotlib. "Clarice promove um encontro nem sempre agradável com nossos próprios fantasmas".

Segundo Rosenbaum, Clarice possui uma escrita reflexiva e problematizadora do subjetivo, frequentemente falando da angústiasaque mais rapido apostasser e do desamparo do indivíduo. Mas isso não faz dela uma melancólica.

"Clarice não tem fixação pelo luto e pelo perdido. Pelo contrário, ela faz uma literatura que nos traz aprendizados para a vida. Ela descortina o mundo, mostra as coisas como elas realmente são e não como queremos que sejam. Clarice fala do vivo, e o vivo causa incômodosaque mais rapido apostasClarice", explica Rosenbaum.

Se para alguns a obrasaque mais rapido apostasClarice traz uma problematização da vida, para outros, a autora pode gerar incômodo. Para a especialista, isso ocorre porque a autora não escreveu para um grande público.

"Clarice é aquele tiposaque mais rapido apostasescritor que forma seus leitores. Ela cria não somente seus personagens, mas também cria uma necessidadesaque mais rapido apostaso leitor passar por mudanças e aprendizados para conseguir entrar nasaque mais rapido apostasobra", afirma Rosenbaum. "O leitorsaque mais rapido apostasClarice é aquele capazsaque mais rapido apostasaguentar passar por uma travessia, sair da zonasaque mais rapido apostasconforto".

O universo feminino

Clarice Lispector é anterior à consolidação do movimento feminista no Brasil, tendo morrido no momentosaque mais rapido apostasformação do movimento no país. No entanto, Gotlib afirma que a obra clariceana é um importante registro da condição da mulher no século 20.

"Clarice não se declarou explicitamente feminista e fez até algumas críticas ao movimento no que se referia à burocracia. No entanto, o olhar dela registra os padrõessaque mais rapido apostascomportamento redutoressaque mais rapido apostasuma sociedade machista e patriarcal", explica a biógrafa. "Não é gratuito o fatosaque mais rapido apostasque as personagens femininas,saque mais rapido apostasrepente, se encontram num outro mundo, não domesticado, selvagem,saque mais rapido apostasque podem experimentar livremente a reinvençãosaque mais rapido apostassi mesmas".

No conto A Fuga, por exemplo, Clarice narra a históriasaque mais rapido apostasuma mulher que, ao dar uma volta sozinha na praça, decide pedir a separação para o marido. "Eu era uma mulher casada", diz a protagonista sobresaque mais rapido apostasdecisão. "Agora sou uma mulher".

Crédito, Luxardo/Acervo Instituto Moreira Salles

Legenda da foto, A obrasaque mais rapido apostasClarice já foi traduzida para cercasaque mais rapido apostas30 idiomas

Afinal, teria Clarice sido feminista? Para Rosenbaum, ela provavelmente não gostariasaque mais rapido apostasser lembrada assim por não aceitar classificaçõessaque mais rapido apostassua obra, até quando dizia respeito a gênero literário.

"A condição feminina é um tema recorrentesaque mais rapido apostasClarice e, principalmente por ela escrever nos anos 1940 e 1950, quando esse tema não era comum e não existia o movimento feminista, Clarice foi revolucionária na questãosaque mais rapido apostasgênero, mas não foi militante", defende a professora.

"É muito mais uma literatura que mostra como se dá a construção dos papeissaque mais rapido apostasgênero na sociedade e como as relações familiares tradicionais podem ser sufocantes", aponta Rosenbaum.

Multifacetada

Considerada uma escritora completa, Lispector escreveu romances, ensaios, crônicas, relatossaque mais rapido apostasviagem e atuou como jornalista para jornais cariocas e para a Agência Nacional. E apesarsaque mais rapido apostasuma "Clarice selvagem e intensa", como descreve Rosenbaum, ainda sobrou espaço para a romancista se dedicar ao público infantil.

"Convivem a escritora intensa para adultos e a escritora materna para crianças porque o tema, para ambos os públicos, é a questão da existência", explica a pesquisadora.

Escrever para este público não estava nos planos da romancista, até que um dia seu filho caçula, Paulo, então com 6 anos, pediu à mãe que lhe escrevesse uma história. Inspirada nos animaissaque mais rapido apostasestimação do filho, vários coelhos, Clarice, escreveu O Mistério do Coelho Pensante, que se tornou o primeiro livro infantil da escritora.

"Clarice usa uma linguagem mais amena quando fala com as crianças, mas ainda assim diz as mesmas verdades que escreve para os adultos", afirma Rosenbaum.

No conto Uma Galinha, por exemplo, Clarice falasaque mais rapido apostasmorte e intimidade ao narrar a históriasaque mais rapido apostasuma galinha que reflete sobre não querer virar a comida da famíliasaque mais rapido apostashumanos que a cria.

"Às vezes, parece que não é uma literatura para crianças, mas isso pode ocorrer porque Clarice trata as criançassaque mais rapido apostasmaneira singular: não as infantiliza mais do que se deve e é capazsaque mais rapido apostasestabelecer um diálogo respeitoso com elas", explica a pesquisadora.

Legado

Rosenbaum afirma que o maior legadosaque mais rapido apostasClarice,saque mais rapido apostasmodo geral, foi quebrar tabus sociais,saque mais rapido apostasgênero e linguísticos, mas ainda não temos ideia do tamanho dessa herança cultural.

"Clarice deixou uma obra muito vasta e diversificada, ainda há muito material dela para ser estudado", afirma Rosenbaum. "Penso que ela ainda será descobertasaque mais rapido apostasoutros níveis e planos, pois cada época fazsaque mais rapido apostasClarice", defende.

Enquanto este 9saque mais rapido apostasdezembro recorda os 41 anos da morte da escritora, o dia 10 celebra os seus 98 anossaque mais rapido apostasvida.

"O que Clarice não falaria hoje, da nossa época? Dá vontadesaque mais rapido apostassaber, porque o olhar dela para a sociedade era muito revelador", reflete Rosenbaum.