Por que é mais difícil para as mulheres lutar contra alcoolismo e dependência às drogas:vip poker
De tão desconfortável, Gabriela acabou abandonando as reuniões e parou o tratamento.
Ainda lidando com o vício, ela se envolveu com um homem mais velho, que também havia frequentado o AA. "Eu estava frágil e sozinha. No início ele me ajudou a ficar sóbria, mas logo se tornou um relacionamento abusivo e eu passei a beber mais ainda", conta.
Gabriela só conseguiu ficar sóbria por mais tempo ao se internarvip pokeruma clínicavip pokeralto padrão no interior do Estado - um luxo inacessível para a maior parte das alcóolatras como ela.
Esse ambiente hostil e tóxico para mulheres que buscam combater seus vícios também foi constatado pela pesquisadora Kátia Varela Gomes - que acompanhou gruposvip pokerapoio a dependentes químicos para um estudo que fez no Institutovip pokerPsicologia da Universidadevip pokerSão Paulo (USP) sobre dependência química e gênero.
"Falta um tratamento adequado. Fiquei chocada ao ver que as frases que os homens falavam eram exatamente as mesmas que eu havia encontrado na literatura (científica): 'mulher quando usa droga fica facinha', 'se é feio para homem beber, imagina para a mulher', etc", afirma a psicóloga.
"As mulheres se calavam e depoisvip pokeralgumas semanas, desistiam do tratamento."
Tratamento adequado
Diversas pesquisas apontam que o consumovip pokerálcool entre as mulheres brasileiras tem aumentado, segundo o observatório Cisa (Centrovip pokerInformações sobre Saúde e Álcool).
De acordo com a Organização Panamericanavip pokerSaúde, entre 2011 e 2016 a frequênciavip pokerepisódiosvip pokeruso abusivovip pokerálcool (BPE - Beber Pesado Episódico) aumentou entre as mulheresvip poker4,6% para 13%. O último Levantamento Nacionalvip pokerÁlcool e Drogas, feitovip poker2014, também indica o aumento desse tipovip pokerepisódio no Brasil.
O problema é que, na prática, as mulheres acabam tendo menos sucesso nos tratamentos do que os homens.
"Embora o uso abusivovip pokerálcool venha aumentando entre as mulheres, o tratamento na maioria das vezes ainda é muito feitovip pokerum pontovip pokervista masculino e voltado para os homens", diz o psiquiatra Cirilo Tissot, especialistavip pokerdependência química e diretor da Clínica Greenwood,vip pokerSão Paulo.
"Você precisa levarvip pokerconsideração questões específicas das mulheres, que muitas vezes são negligenciadas: a questão hormonal, que é diferente, necessidadesvip pokercuidados pessoais diferentes", explica.
"Nas clínicas, desodorantes e produtosvip pokercuidado pessoal são proibidos, porque a pessoa pode cheirar, ingerir. Para os homens, vir o barbeiro e cortar o cabelo uma vez durante uma internação longa é suficiente. Mas muitas mulheres querem pintar o cabelo, passar uma maquiagem. As pessoas tratam isso como futilidade, frescura. Dizem absurdos como: 'para que se maquiar, quer seduzir alguém?'. Negligenciam o que pode ser um elemento importante para trabalhar autoestima."
Segundo Kátia Gomes, o próprio planejamento dos horários do tratamento pode prejudicar as mulheres. "Se o encontro do grupovip pokerapoio forvip pokerum horário que impossibilite as mulheres que têm filhosvip pokerlevá-los à escola, elas não vão se tratar. O homem quando tem filho deixa com a mãe. As mulheres com adicção, na maioria das vezes, não têm com quem deixar", diz.
"Você tem que lidar com preconceito. Os homens falam assim: eu quero sair porque faz muito tempo que eu não transo. Se não tem namorada, ele vai num prostíbulo, e isso é visto com a maior naturalidade. Você precisa ver a coisa catastrófica que foi quando a primeira mulher disse isso na clínica. Ela avisou ao pai que queria sair no fimvip pokersemana porque fazia tempo que não transava. Foi uma crise na família", conta Tissot, cuja clínica recebe pacientes para internamentos longos e curtos.
Segundo os especialistas, até profissionaisvip pokersaúde muitas vezes reproduzem preconceitos e julgamentos. "É uma luta constante para conscientizar as colegas profissionais a terem outro olhar", diz Gomes.
Abandono
A solidão à qual as mulheres que têm algum tipovip pokervício são expostas é outro fator a enfraquecer o tratamento, segundo os especialistas.
"Os homens que estão se tratando muitas vezes têm apoio das mulheres, da mãe e do pai, evip pokeralguns casos até dos filhos. As mulheres, emvip pokermaioria, estão sozinhas enfrentando suas doenças", conta Katia.
Das cercavip poker50 mulheresvip pokertratamento no Centrovip pokerAtendimento Psicossocial (CAPS)vip pokerGuarulhos, na grande São Paulo, só duas têm companheiros que as ajudam. O problema é o mesmo na Clínica Greenwood.
"É uma percepção que tenho desde que fazia residência. Uma mulher lutando conta a dependência muito raramente vai ter o apoio do companheiro. Até a família julga mais e apoia menos quando a paciente é mulher", explica Tissot.
Camila, que ficou internada na clínica durante quatro meses, é um exemplo da situação. Enquanto tentava ficar sóbria, os amigos se afastaram e a relação nunca mais foi a mesma.
"Eu comecei a beber no cursinho pré-vestibular para me enturmar. Sempre fui a baladeira, que não queria ir embora e insistia pro pessoal beber mais. Mas os homens sempre me viam como 'um dos caras' por eu beber muito. Servia para ser amiga, mas não para ter um relacionamento", diz ela.
"Depois, meus amigos sempre procuravam por essa antiga Camila e quando não a encontravam, rolava esse estranhamento", conta a administradoravip pokerempresas.
Ela conta que os pais, embora a tenham apoiado, nunca a entenderam direito.
"Eu contava das dificuldades, e eles falavam que não, não era tão grave, que a gente conseguiria resolvervip pokerfamília. Era uma negação mesmovip pokerque a filhinha deles pudesse ter um vício. Tive que contar sobre as outras drogas que estava usando para eles entenderem que era sério", afirma.
Camila enfrentou a dependência química por maisvip pokerdez anos e acabou, durante esse tempo, substituindo um vício pelo outro. Teve períodosvip pokercompulsão alimentar,vip pokerconsumo compulsivo evip pokercompulsão por sexo.
Já Gabriela não teve o apoio da família para se internar. "Quando eu estava no fundo do poço meu namorado saiuvip pokercasa e minha mãe disse que eu tinha me afundado porque quis. Não me deu um centavo para o tratamento. Tive que me demitir do emprego para ficar três meses na comunidade terapêutica e ainda não termineivip pokerpagar a dívida enorme que fiz para pagar o tratamento."
Julgamento
"O estigma colocado sobre pessoas com dependência química sempre existiu, mas a gente percebe, tratando ambos os sexos, que no caso das mulheres isso é muito mais proeminente. O julgamento é muito maior", afirma Cirilo Tissot.
"O vício não é visto como uma doença, mas como uma falha moral, uma questãovip pokerforçavip pokervontade. Ainda mais quando se tratavip pokerum problema como compulsão sexual", explica Tissot. "Em vezvip pokerser vista como uma pessoa que precisavip pokertratamento e apoio, a mulher é vista como pervertida."
Camila fala tranquilamente sobre o problema com álcool evip pokerdrogas, mas hesita quando o assunto é compulsão sexual.
Ela conta que seu atual namorado entendeu e apoiou quando ela revelou seu problema com drogas e álcool, mas não aceitou muito bem ao descobrir o víciovip pokersexo. "Até então ele entendia que eu estava doente, queria cuidarvip pokermim, me ajudar. Mas no aspecto do sexo ele não enxergou do mesmo jeito", conta.
Tissot diz que as descobertas científicasvip pokerque vícios estão relacionados a desequilíbrios químicos do corpo foram mudando a visão sobre o tema ao longo do tempo, mas que o julgamento moral sobre as mulheres permanece até hoje.
"A repressão que existe sobre a mulher é tal que quando a pessoa fica desviante dessas expectativas, o quadro é considerado mais grave", diz ele.
Kátia Gomes diz que a dependência química feminina "configura-se como porta-voz do que é intolerável na feminilidade".
"Uma mulher que está grávida e tem uma adicção é vista como um monstro. Mas se é uma patologia ela não tem controle. Esse tipovip pokercondenação é um tiro pela culatra, porque só aumenta o nívelvip pokeransiedade dessa mulher, que muitas vezes foi o que a levou a desenvolver o víciovip pokerprimeiro lugar", explica Gomes.
Tissot afirma que mulheres que têm filhos se sentem muito mais culpadas que os homensvip pokerse afastar por alguns meses para se tratar. "A gente explica que ela precisa estar bem. Não adianta estar aqui fora e não ter condiçõesvip pokercuidar dos filhos."
Centenas pesquisas feitas nos EUA apontam as diferenças entre os gêneros na questão da dependência química.
Segundo uma revisão da literatura científica publicada por pesquisadoras como Shelly F. Greenfield, da Escolavip pokerMedicinavip pokerHarvard, e Susan M. Gordon, da Universidade do Arizona, estudos feiros entre 1990 e 2005 já indicavam que as mulheres com a patologia têm menor chancevip pokerobter tratamento adequado.
Já no Brasil, a pesquisavip pokerKatia Varela Gomes, publicadavip poker2010, foi apenas a quinta a estudar as especificidades da dependência e do tratamentovip pokermulheres.
"A própria faltavip pokerpesquisas na área por aqui mostra essa desigualdade", afirma a psicóloga, ressaltando que,vip pokercondições não preconceituosas e equânimes, as mulheres teriam tanta chancevip pokerrecuperação quanto os homensvip pokerum tratamento.
Hoje ela trabalha no CAPs (Centrovip pokerAtendimento Psicossocial)vip pokerGuarulhos com gruposvip pokerapoio exclusivos que atendem as demandas específicas das mulheres. Ela afirma que a chancevip pokeruma mulher se recuperar não é diferente davip pokerum homem se ela receber apoio e tratamento apropriado. "Eu vejo muitas históriasvip pokersucesso,vip pokermulheres que estão recuperadas e levando uma vida bem mais funcional e feliz."
* Sobrenomes ocultados a pedido das entrevistadas.