Bologarrafa PET, politicamente incorreto e besteirol que vale milhões: a diversidade dos brasileiros que vivem do YouTube:
Entre elas está Whindersson Nunes, piauiense21 anos, que ocupa a segunda posição da lista global com seu canalpiadas, paródias (aAdele é o maior hit) e imitações.
Felipe Neto (terceiro lugar), Julio Cocielo, do CanalCanalha (sexta colocação), e Felipe Castanhari, do Nostalgia (sétima posição), também aparecem nesse top 10 mundial do Youtube.
Para a pesquisadora Ana Paula Nunes, especialistamídia, cultura e informação pela USP, a popularidade do Youtube se explica por fatores como facilidadeacesso e potencialidentificação da audiência com os vídeos.
"A possibilidadever anônimos mostrando a vida e produzindo conteúdo sobre o cotidiano cria uma identificação grande com as pessoas, sobretudo entre jovens. As marcas perceberam essa tendência, e o Youtube soube criar mecanismos para ganhar dinheirocima do conteúdo exposto - colaborando para tornar o youtuber,fato, uma profissão", avalia.
Para entender esse fenômeno, a BBC Brasil conversou com youtubersdiferentes posições na "pirâmide social" desse universo: webcelebridades, pessoas que vivem do site mas não são famosos, profissionais que ainda buscam renda nesse filão e quem tentou e desistiu.
Brincadeiramilhões
Pioneiro no universoyoutubers profissionais, o carioca Felipe Neto,28 anos, lançou seus primeiros vídeos2010, enquanto ainda trabalhava como designer gráfico.
Sem economizar palavrões, criticava personalidades e produtos da cultura pop, numa pegada "politicamente incorreta", como ele mesmo define. De Justin Bieber à saga Crepúsculo, passando por fãsFiuk e da trilogia Cinquenta TonsCinza, quase ninguém era poupado.
"Produzi esses primeiros vídeos para mostrar aos amigos, e eles cresceram despretensiosamente", relembra.
A história mudou quando Felipe fez a primeira campanha publicitária. Um anúnciochicletes lhe rendeu cercaR$ 20 mil e abriu os olhos do designer para o potencialmercadotorno da plataforma.
"Apesaro dinheiro ser poucorelação ao que se ganha hoje no Youtube, foi a maior quantia que já havia recebido na vida até então", afirma Felipe, aos risos.
"Foi aí que vi que era absolutamente possível transformar aquilomeu emprego, que aquela formaentretenimento cresceria ainda mais e muito mais gente iria investir nesse ramo", diz ele, que ainda2011 criou o canalesqueteshumor Parafernalha.
O sucesso do Parafernalha - canal que tem hoje 8,5 milhõesinscritos e 1,3 bilhãovisualizações - levou Felipe a montar a Paramaker, empresaproduçãoconteúdo e atraçãopublicidade para o YouTube.
Dois anos depois, a firma já era a maior rede brasileiracanais no YouTube, e Felipe a vendeu para a multinacional francesa Webedia - especula-se que o valor da transação tenha ficado na casa dos milhões.
Com a venda, Felipe, que também é ator, abandonou a vidaempresário e retomou o foco no trabalho criativo. Grava vídeos diariamente e cuida do roteiro à edição, mas sem o tom polêmico do inícioseu canal. "Hoje faço um humor mais leve e sutil, comento assuntos cotidianos sem pôr o dedo na ferida."
Olhando para trás, o youtuber diz ter feito o "devercasa". "Observei que o Youtube poderia oferecer ao jovem do Brasil algo que a TV não faria: inovação, politicamente incorreto, críticas. Fiz investimentos com baseestudos que apontaram para essas tendências. Ainda bem que deu certo", afirma.
Mas dá para ganhar dinheiro?
Casos como osFelipe Neto e Whindersson Nunes podem dar a impressãoque o Youtube é uma minaouro e um trampolim para a fama, o que não é necessariamente verdade - mesmo para quem consegue viver da plataforma.
Para o ex-publicitário Pablo Peixoto, 38 anos, do canalcultura pop "Qu4tro Coisas" (168 mil seguidores), não é preciso "estourar" para ser profissional do segmento.
"A internet é como o futebol: nem todo mundo será o Neymar, mas muitos viverão - e bem - daquilo. Sou uma espécieclasse média do Youtube, que nunca virou celebridade, mas conseguerendaseu conteúdo online. Hoje ganho mais do que quando trabalhavaagência, mas trabalho mais também", afirma Peixoto.
No canal, Pablo faz críticasfilmes e séries, unboxings (vídeosque desembala e avalia produtos), listas, resenhas, esquetes e entrevistas.
Um campeãoaudiência são os quadros"cospobre" (referência ao cosplay, práticase caracterizar como personagens),que o youtuber usa recursos toscos para se transformar.
"Também é um recurso para driblar direitos autorais, porque estarei infringindo os termos do Youtube se exibir um trechofilme ou série", afirma Pablo, que já encarnou Wolverine, Superman, Batman, mutantesX-Men e até a Mulher Maravilha.
Qualquer produtorconteúdo que tenha mais4 mil inscritos pode passar a fazer parte do chamado sistemaparcerias do Youtube, e passa a ganhar uma porcentagem pelo conteúdo veiculado, desde que o material seja original e atenda certas diretrizes.
"É preciso respeitar direitos autorais e políticas como evitar palavrões, nudez e outros conteúdos impróprios. Para citar uma marca, por exemplo, é preciso se adequar à políticaanunciantes", afirma Cauã Taborda, gerentecomunicação do YouTube Brasil.
O material veiculado por produtoresconteúdo também não pode usar recursos que o próprio YouTube utiliza para gerar receita. "Os canais não podem, por exemplo, usar publicidadebanner ou aqueles anúncios que passam entre os vídeos. Essas são ferramentaslucro exclusivas da empresa."
Na prática, o sistema distribui anúncios contratados entre canais parceiros, que precisam se cadastrar na ferramentaanúncios do Google, a Adsense. É como se os associados alugassem espaço no canal para os anúncios captados pelo Google, que repassa uma porcentagem do valor pago pelo anunciante.
Segundo Taborda, a maior parte deste dinheiro fica com o criador do conteúdo, mas não há porcentagem fixa. "Não depende sólikes, visualizações ou inscritos no canal. É algo muito variável, medido por critérios subjetivos e volúveis."
Entenda a conta
Quando o YouTube fala que a basecálculolucroum canal é "subjetiva" e "variável", as expressões remetem a uma espécie"moeda" característica da internet: o engajamento.
Por definição, engajamento se refere ao usoum conteúdo online e ao envolvimento e participação do públicorelação a ele (por compartilhamentos, comentários e outras ferramentasinteração).
Quanto mais engajamento tiver um canal, mais relevante ele será nos mecanismosbusca e recomendações, influenciando no preço das visualizações dos vídeos.
Apesaro algoritmo do YouTube ser altamente secreto, sabe-se que o valor que o dono do canal receberá é baseado no CPM (abreviação"custo por mil"), quantia que o anunciante paga ao YouTube a cada mil visualizaçõesum vídeocanal parceiro da plataforma.
Segundo estimativa publicada pela editora Abril2015, o CPM podia variarUS$ 0,60 (R$ 1,90) a US$ 5 (R$ 15,90), com alguns casosyoutubers que recebiam um pouco acima ou abaixo deste teto.
Seguindo essa lógica, um único vídeo com cerca13 milhõesvisualizações, como um dos mais acessados do canalWhindersson Nunes, poderia gerar algo entre US$ 7,8 mil (R$ 24,7 mil) e US$ 65 mil (R$ 207,7 mil), dependendo da cotação do CPM do youtuber.
Em um mercadoque alguns canais possuem bilhõesvisualizações totais, as cifras podem ser milionárias, mas nem toda a renda acaba no bolso do produtorconteúdo.
Embora não divulgueporcentagemlucro com as visualizações, o Youtube fica com uma cota do valor repassado ao dono do canal. Veículos especializadosmídia, tecnologia e finanças, como o Business Insider, sugerem que essa taxa fiquetorno45%.
Parcerias publicitárias
Segundo Pablo Peixoto, do canal Qu4tro Coisas, o sistemaparcerias do YouTube é importante porque retribui o trabalho dos criadoresconteúdo, que alimenta a plataforma. Mas ele diz recorrer a outros caminhos para lucrar com seus vídeos.
"(O dinheiro do YouTube) banca o investimento no canal: equipamentos, microfones, câmera melhor. Mas não paga meu aluguel, minha gasolina - nem espero que faça isso. Meu lucro vemparcerias comerciais, anúncioprodutos e contratos com marcas coerentes com meu conteúdo", diz o youtuber.
O mesmo acontece com a gaúcha AnaCesaro,28 anos, do canal "Tá, e daí?" (142 mil seguidores),assuntos como autoestima, beleza e feminismo.
Nos vídeos, Ana registra momentossua rotina, como uma ida à academia; indica produtos femininos, como o coletor menstrual, e faz entrevistas, receitas e tutoriaisdecoração e maquiagem.
Em 2010, épocaque hoje gigantes do YouTube como Felipe Neto e PC Siqueira começaram a produzir, Ana fechouescolaartes marciaisPorto Alegre e se mudou para São Paulo,olho no filão da produçãoconteúdo na internet.
A temporada na maior cidade do país serviu para fazer contatos e adquirir conhecimentomídias sociais. Em 2012, voltou a Porto Alegre para atuartempo integral como influenciadora digital.
"Sou uma youtubernicho, então as marcas me procuram para ações patrocinadas específicas, que serão mais efetivas para seu público-alvo do que seriam com alguém que tenha milhõesseguidores sem um perfil definido", diz Ana, que também fatura com eventos, palestras e pela vendaprodutos ligados ao canal.
Fama = lucro?
A donacasa Jane Loures,JuizFora (MG), viu seu canal no Youtube (hoje com 605 mil seguidores) ganhar milharesinscritos do dia para a noite.
O motivo foi um vídeooutubro2015que ensinava uma receita curiosa, o "bolo na garrafaCoca-Cola", que acabou atraindo atenção da imprensa.
"Meu sonho era escrever um livro, mas meu filho me convenceu que atingiria mais pessoas pela internet, e ele estava certo", diz a youtuber, que prefere não revelar a idade. "O que já diz que não sou muito nova", brinca.
Parceira do YouTube, Loures publica vídeos com receitas às segundas, quartas e sextas-feiras. Todo o material é gravado e editado pelo filho Bruno, analistasistemas,suas horas vagas.
"Estamos lançando um vídeo extra aos domingos, para tentar aumentar as visualizações. Temos muitos inscritos, mas poucos views. Não ganho muito dinheiro, mas não tomo prejuízo. Já deu para comprar uma câmera melhor e panelas mais bonitas, mas queria ter anunciantes e lucrar o suficiente para melhorar o canal, gravar foracasa, e ajudar mais pessoas na cozinha", diz.
Eder Nascimento,33 anos, chegou a frequentar programas dominicais da TV aberta pelo sucesso viralalguns vídeosseu canal "Tem graça ou não?" (21 mil inscritos),piadas e trocadilhos, aberto2010.
Sem produzir conteúdo desde 2015, Eder conta que desistiu da carreirayoutuber por não acreditar que o mercado digital pudesse proporcionar uma renda tão estável como seu emprego.
"As coisas estavam no início, o próprio Whindersson estava começando, tudo era incerto. Não quis arriscar. Hoje, se tivesse que escolher, talvez pensasse diferente, porque o mercado cresceu muito e meu canal já tinha um alcance relevante naquele período."
Para ele, as tecnologias móveis, tantoaparelhos (smartphones, tablets) comointernet (3G, 4G e a ampliação das redes wi-fi), tiveram um papel decisivo para a relevância mercadológica do YouTube.
"Hoje dá para assistir a um vídeoqualquer lugar, porque as conexões são relativamente boas e os aparelhos, mais baratos", diz. E acrescenta, com aresquem pode reaparecer na rede a qualquer momento.
"Não digo que nunca voltarei. Tenho esquetes escritas que acabei não fazendo, e acho que meu humor tem nicho, daria para evoluir. Quem sabe?"