Como erro da polícia libertou da prisão 138 suspeitosblaze aposta comintegrarem o PCC:blaze aposta com

Homem presos atrás do arame farpado

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, PCC é uma das três facções que controlam o crime organizado no Ceará

Desde o início, a operação policial "Aditum 3" foi anunciada como um duro golpe da polícia na facção — uma das três que controlam o crime organizado no Ceará, junto ao Comando Vermelho (CV) e aos Guardiões do Estado (GDE).

Segundo a denúncia do Ministério Público (MP), no celularblaze aposta comSimpson havia um grupoblaze aposta comWhatsApp com 400 membros do PCC. Desses, "240 foram identificados, sendo 46 lideranças, dois suspeitosblaze aposta comocuparem cargosblaze aposta comconfiança e 192 membros".

Havia até fichas com o nome dos inscritos na quadrilha, apelido, bairroblaze aposta comorigem, data do "batismo" na facção, númeroblaze aposta commatrícula e "padrinhos". E, nos grupos, supostos integrantes decidiam até se uma pessoa deveria ser assassinada ou não.

Nos meses seguintes, 219 pessoas foram presas e acusadasblaze aposta comintegrarem a organização criminosa.

Simpson foi condenadoblaze aposta comprimeira instância a 12 anos e seis mesesblaze aposta comreclusãoblaze aposta comregime fechado. Só foi solto neste ano, depois da anulaçãoblaze aposta comtodo o processo pela Justiça.

Na denúncia, o MP apontou que ele usavablaze aposta com"condiçãoblaze aposta commicroempresário do ramoblaze aposta comfestas e buffet para passar despercebido e se inserir na sociedade". Ele teria entrado na quadrilha ao ser "batizado" por dois "padrinhos" quando esteve presoblaze aposta comuma cadeia no interior do Estado.

"(Ele) descreveu seu papel na mencionada facção como 'geral do estado', que consisteblaze aposta compropagar a disciplina e a ideologia da facção dentro dos presídios e para os integrantes que se encontram soltos. Proclama possuir funções específicas eblaze aposta comdestaque", narra a denúncia.

Segundo a investigação, o réu se comunicava com outros chefes do PCC por meioblaze aposta comconferências telefônicas, pelas quais "são tratados assuntos diversos sobre acontecimentos envolvendo membros da facção, tais como: cobrançasblaze aposta comdívidas, batismosblaze aposta comnovos membros, atualizaçãoblaze aposta comcadastroblaze aposta commembros, e as demais decisões."

'Voluntariamente'

Cela

Crédito, Getty Images

O caso começou no finalblaze aposta comdezembroblaze aposta com2018. A Polícia Civil afirmou que recebeu uma "denúncia anônima"blaze aposta comque um homem conhecido como "Irmão Simpson", moradorblaze aposta comuma casablaze aposta comuma vilablaze aposta comFortaleza, era um traficanteblaze aposta comdrogas e ocupava a funçãoblaze aposta com"conselheiro geral" do PCC no Ceará.

O Ministério Público afirmou que os policiais, ao chegarem ao local, encontraram "os portões da vila e da casa abertos". Quando entraram, viram um pó branco, duas balançasblaze aposta comprecisão e comprovantes bancários que seriam oriundos do tráficoblaze aposta comdrogas.

A Constituição determina que a polícia só pode entrarblaze aposta comuma casa com consentimento do morador oublaze aposta composseblaze aposta comum mandado judicial. Mas há exceções, como indícios clarosblaze aposta comque algum crime está sendo cometido, como um homicídio, ou para prestar socorro.

"Se os policiais tivessem feito campana na frente da casa poderiam ter elementos para pedir um mandadoblaze aposta combuscas para a Justiça. Mas eles só disseram que receberam uma denúncia anônima, e isso não é um elemento que justifica a entrada", explica um defensor público que atuou no caso — ele pediu para não ser identificado nesta reportagem.

Embora o juizblaze aposta comprimeira instância não tenha considerado isso um problema, os desembargadores do TJ-CE concordaram com a tese da Defensoria Pública. "Nesse caso se observa situaçãoblaze aposta comflagrante nulidade absoluta, na medidablaze aposta comque se constata que houve violação injustificada do domicílio do réu", escreveram.

"Fica evidente que a diligência policial foi originada tão somenteblaze aposta comvirtudeblaze aposta comuma denúncia anônima, não tendo sido mencionada a existênciablaze aposta comqualquer investigação para apurar a ocorrência do comércio espúrio na localidade ou para monitorar as ações do acusado", disseram os magistrados.

Outro ponto crucial foi o celular.

Os policiais encontram Simpson com um aparelho. "O denunciado voluntariamente teria fornecido a senha para acesso às informações nele contidas", narra a denúncia do MP.

Guarda no complexo penitenciárioblaze aposta comItatinga

Crédito, Reuters

Legenda da foto, O PCC sugiu dentro dos presídios paulistas e se espalhou pelo Brasil

A palavra "voluntariamente" é a chave para entender por que o processo criminal foi anulado quase quatro anos depois.

O juizblaze aposta comprimeira instância considerou que o microempresárioblaze aposta comfato forneceu a senhablaze aposta comseu celular aos agentes.

Mas, na segunda, os desembargadores disseram que todos os dados extraídos do aparelho foram obtidos ilegalmente, porque a polícia não tinha autorização judicial para acessar o celular, como manda a lei.

"Eles consideraram que não fazia sentido o réu ter dadoblaze aposta comsenha voluntariamente. Por que ele produziria provas contra ele mesmo? A denúncia também não explicablaze aposta comque circunstâncias isso aconteceu", diz o defensor.

O tribunal então inocentou o microempresário por conta das ilegalidades, o que gerou um efeito cascata nos outros processos que se seguiram.

'Frutos da árvore envenenada'

O argumento seguiu uma teoria jurídica conhecida como "frutos da árvore envenenada". Ela sustenta que se a provablaze aposta comum crime foi obtidablaze aposta commaneira ilícita, isso contamina todo o processo e invalida outras evidências — ou seja, uma árvore envenenada só dá frutos envenenados.

"Não é apenas uma elaboração teórica, mas uma determinação expressa do Código Processo Penal", explica Maíra Zapater, professorablaze aposta comDireito Penal da Universidade Federalblaze aposta comSão Paulo (Unifesp).

"A lei diz que tudo o que decorreblaze aposta comuma prova ilícita é nulo. Esse é um limite que se coloca para que o Estado investigue um cidadão dentro da lei, que não seja por meioblaze aposta comtortura, por exemplo, ou com invasãoblaze aposta comdomicílio."

Mas nem sempre a Justiça brasileira segue essa determinação, segundo defensores e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil. Condenaçõesblaze aposta comréus que tiveram suas casas invadidas por policiais sem mandado, por exemplo, costumam chegar a cortes superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunalblaze aposta comJustiça (STJ).

"É muito frequente o usoblaze aposta comprovas ilícitas nos processos penais no Brasil. Muitas vezes, isso só é discutido quando o processo chegablaze aposta comtribunais superiores. Quando aplicam a lei, todo aquele conteúdo probatório precisa ser refeito", afirma Zapater.

No caso cearense, os desembargadores disseram que os policiais deveriam ter investigado o empresário antesblaze aposta comentrar na casa dele, e que um pedidoblaze aposta comautorização judicial provavelmente seria atendido.

"Teria sido possível obter as provas necessárias validamente para instruir a ação", escreveram.

Segundo eles, os policiais fizeram uma "investigação especulativa, sem objetivo certo ou declarado, que 'lançou' suas redes com a esperançablaze aposta com'pescar' qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação."

O Ministério Público não recorreu da decisão, e o processo foi encerrado.

Em nota à BBC News Brasil, a Polícia Civil do Ceará afirmou que a operação "Aditum 3" respeitou "as normas do Códigoblaze aposta comProcesso Penal, atravésblaze aposta comdiligências policiais, levantamentosblaze aposta comcampo e constataçãoblaze aposta comdenúncias sigilosas da população."

E continuou: "Cabe destacar que o argumento utilizado pelo Poder Judiciário se baseoublaze aposta comum entendimento, ainda não consolidado e vinculante, que somente passou a ser utilizado no início deste ano".

Tribunal do crime

Balas no chão

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O microempresário foi acusadoblaze aposta comparticiparblaze aposta com'tribunais do crime', quando membros da facção decidem se uma pessoa deve ou não ser assassinada

Na denúncia, o MP acusou Simpsonblaze aposta comparticipar dos chamados "tribunais do crime", quando membrosblaze aposta comfacções decidemblaze aposta comconjunto qual seria a punição para alguém.

Em uma das conversas, Simpson e outros homens discutiram se um rapaz deveria ser assassinado — ele fora acusadoblaze aposta comestuprar uma mulher na periferiablaze aposta comFortaleza. Depois do apelo da mãe do jovem eblaze aposta comum morador do bairro, eles desistiramblaze aposta comcometer o crime.

Em outra discussão, supostos integrantes do PCC, entre eles o microempresário, foram cobrados por uma mulher cujo marido havia sido assassinado por criminosos da quadrilha rival, os Guardiõesblaze aposta comEstado. Ela pedia proteção à família, que estava sendo ameaçada.

Relatos como esses e outros dados do celularblaze aposta comJames Machado Cordeiro levaram a prisão dele,blaze aposta com216 homens e mais três mulheres.

A Justiça dividiu os processosblaze aposta comgruposblaze aposta com10 a 15 réus, mas todos foram absolvidosblaze aposta comserem membros da facção depois da decisão sobre Simpsonblaze aposta commaio deste ano. Essas ações secundárias eram os "frutos" da "árvore envenenada" do processo anterior — ou seja, eles foram anulados pela Justiça.

Ao todo, 138 pessoas foram soltas nos últimos meses — o restante cumpre penas por outras condenações.

Quando foram detidos, todos prestaram depoimento à polícia. A grande maioria já tinha cumprido penablaze aposta comalguma prisão do Ceará — grande parte das cadeias do Estado nordestino é dominada por alguma facção.

Mas a maioria negou ter ligação com a quadrilha, segundo os testemunhos anexados ao processo. Outros disseram que só entraram para a facção para ter proteção nos presídios — um deles relatou que foi obrigado a se filiar, pois "em caso contrário, seria morto."

Um dos acusados, por exemplo, afirmou que o PCC não fazia grandes exigências para batizar novos membros no Ceará. "Só pediam o nome completo, o bairro, e a caixinha", disse.

"Caixinha" é a contribuição que os integrantes têmblaze aposta compagar mensalmente. Segundo os depoimentos, a taxa variava entre R$ 20 e R$ 30, mas o valor "dependia da situação financeira do preso".

Outro réu contou ter conhecido membros do PCC ao ser mandado para um presídio dominado pela organização. "A depender da cadeia onde você entra, vai para um lado ou para o outro", disse,blaze aposta comreferência às outras facções. Mas ele negou a filiação. "Eles exigem que você mate, roube. Falam um monteblaze aposta combaboseiras para te convencer", disse.

Em outro caso, um homem reconheceublaze aposta cominscrição, mas disse que isso não rendia muito dinheiro. O que ganhava com o tráficoblaze aposta comdrogas só "servia para a subsistência" e para criar uma filha bebê, disse. Embora o PCC exigisse 30%blaze aposta comseu lucro, "não pago nada, porque não sobra nada."

Já uma mulher, mãeblaze aposta comum bebê nascido um mês antesblaze aposta comsua prisão, contou ter feito parte da quadrilha por alguns meses por ordem do ex-marido, que a obrigava a transportar drogas.

"Eu fugi para outro bairro, pois não aguentava mais fazer tudo o que ele mandava. Ele me ameaçoublaze aposta commorte. Fugi dele e da facção", relatou.

Para um defensor que atuou nos processos, a investigação e a denúncia do MP não conseguiram demonstrar como cada um dos acusados atuava na organização.

"Não ficou provado qual era o papelblaze aposta comcada um, quais crimes eles cometeram, o que eles faziam dentro da facção...", disse.

Para outra defensora, que também pediu anonimato, "basicamente, as pessoas foram acusadas porque estavam na listablaze aposta comcontatos do empresário. Em alguns casos havia fotos com eles fazendo símbolos e gestosblaze aposta comalusão à organização, mas não havia outras provas robustas para condenar. O MP sequer recorreu", afirma.

Em nota à reportagem, a Secretariablaze aposta comSegurança Pública e Defesa Social do Ceará afirmou que a operação Aditum 3 "foi fundamental para a desarticulação da estruturablaze aposta comuma organização criminosa e as capturasblaze aposta comseus integrantes envolvidosblaze aposta comhomicídios, tráficoblaze aposta comdrogas, associação para o tráfico e lavagemblaze aposta comdinheiro no Estado."

Facções no Ceará

Veículo incendiadoblaze aposta comFortaleza

Crédito, AFP

Legenda da foto, Caminhões também foram alvoblaze aposta comataques incendiários na capital cearenseblaze aposta comjaneiroblaze aposta com2019

O PCC divide e disputa o controle do crime organizado no Ceará com outras duas facções, o carioca Comando Vermelho e a local GDE — essa última surgiublaze aposta com2016,blaze aposta comcontraposição aos dois grupos nacionais.

Nos últimos anos, houve episódiosblaze aposta comviolência atribuídos às quadrilhas, como assassinatosblaze aposta comsérie, alémblaze aposta comataques a ônibus e a prédios públicos.

Segundo Luiz Fábio Paiva, coordenador do Laboratórioblaze aposta comEstudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), as facções atuamblaze aposta comdiversas frentes no Estado: tráficoblaze aposta comdrogas eblaze aposta comarmas, roubosblaze aposta comcarga, assaltos a bancos, vendablaze aposta comserviçosblaze aposta combairros da periferia e extorsãoblaze aposta comcomerciantes.

"Já tivemos períodosblaze aposta comenfrentamento entre essas facções, gerando violência e assassinatos. Mas hoje há consolidação dos grupos nacionais, pois a facção local, a GDE, não teve força e estrutura para se tornar hegemônica como pretendia", diz.

Ele explica que há diferentes níveisblaze aposta comvinculação às organizações — pessoasblaze aposta comfato envolvidas com ações criminosas e outros que "vestem a camisa" por proteção ou proximidade geográfica.

"Há pessoas que se dizem do PCC porque moramblaze aposta comum bairro controlado por ele, mas isso não significa que elas tenham uma ligação estreita com o grupo, e que participam ou planejam atividades criminosas. Funciona mais ou menos como vestir a camisablaze aposta comuma torcida organizada", diz.

"Há outros que entram para se proteger na cadeia ou mesmo no território onde vive. Às vezes a pessoa se filia para não ser assassinado por membros da própria facção. Ou seja, elas vendem proteção contra elas mesmas", afirma.

Em nota à reportagem, a Polícia Civil cearense disse que, nos últimos quatro anos, "um totalblaze aposta comR$ 187 milhõesblaze aposta combens pertencentes a organizações criminosas foram confiscados, o que fortalece o trabalhoblaze aposta comdescapitalização desses grupos, por meio das açõesblaze aposta cominteligências eblaze aposta cominvestigação."

Segundo a pasta da Segurança Pública, o númeroblaze aposta comhomicídios diminuiu 18,3% no Ceará no ano passadoblaze aposta comrelação a 2020. Ao todo, 3.299 pessoas foram assassinadas no Estadoblaze aposta com2021.

- Este texto foi publicado originalmente em http://vesser.net/brasil-62654177

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