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'Pela primeira vez me senti acolhida': as ocupações que acolhem vítimasbwin 2024violência doméstica e correm riscobwin 2024despejo:bwin 2024
Imediatamente a assistente social procurou o coletivo. "Pela primeira vez me senti acolhida", conta Flora à BBC News Brasil. "Quando fui procurar ajuda eu tinha marcasbwin 2024chavebwin 2024fenda no corpobwin 2024quando meu marido me atacou."
Flora passou dez meses abrigada na ocupação enquanto se recuperava do relacionamento abusivo e até conseguir um local mais definitivo para morar.
O espaço, que funcionava desde 2016, foi criado pelo coletivo Movimentobwin 2024Mulheres Olga Benário, que ocupou um prédio no centro da cidade que estava abandonado havia maisbwin 2024dez anos e pertencia à UFMG ( Universidade Federalbwin 2024Minas Gerais). Primeira ocupação sóbwin 2024mulheres do país, o local foi batizadobwin 2024Casa Tina Martins,bwin 2024homenagem à ativista homônima que lutou por direitos dos trabalhadores no início do século 19.
Feminista ebwin 2024esquerda, o coletivo foi criadobwin 20242011 por 21 mulheres e atualmente tem centenasbwin 2024ativistasbwin 202418 Estados do Brasil. Hoje o grupo administra 9 espaçosbwin 2024assistência à mulheres vítimasbwin 2024violência espalhados pelo país.
Além da casabwin 2024Belo Horizonte, há ocupaçõesbwin 2024São Paulo, Florianópolis, Santo André, Recife, Porto Alegre, Riobwin 2024Janeiro, Salvador e Mauá. Quatro destes sofrem riscobwin 2024despejo - embora todos tenham sido montadosbwin 2024locais que estavam abandonados, após as ocupações, alguns proprietários entraram com pedidosbwin 2024despejo.
Segundo as organizadoras, as ocupações começaram como uma formabwin 2024pressionar o poder público a criar mais locaisbwin 2024atendimento para as mulheres que sofrem violência e a fazer uso dos espaços abandonados nos centros urbanos.
"Nosso objetivo não é substituir o que o Estado deveria oferecer", explica a estudante universitária Julia Soares, que faz parte da coordenação nacional da rede. "Fazemos como uma formabwin 2024pressionar para que esse tipobwin 2024serviço seja disponibilizado onde ele não existe, ou seja melhorado - por exemplo, a maioria das delegacias não funcionam 24 horas."
A ideia para o projeto surgiu quase dez anos antes do coletivo conseguir criar a primeira casa, conta Vivian Mendes, uma das coordenadoras da ocupaçãobwin 2024São Paulo, a partir da organização das ativistas no movimentobwin 2024moradia MLB (Movimentobwin 2024Luta nos Bairros, Vilas e Favelas).
"Percebemos que mesmo no movimento, onde existe um trabalhobwin 2024conscientização política das pessoas, as mulheres sofrembwin 2024relacionamentos abusivos. Então precisávamos nos organizar para ajudá-las", diz Mendes, que vai se lançar candidata ao Senado pelo partido UP (Unidade Popular).
Mas não é preciso fazer parte do movimento para ser atendida nas ocupações - todas as mulheres são bem-vindas, independentementebwin 2024orientação política, classe social, religião.
Fortalecer as mulheres
Em cada uma das nove ocupações, um grupobwin 2024voluntárias se reveza para ficar no espaço durante a semana e receber mulheres procurando ajuda.
As mulheres são ouvidas, acolhidas e recebem uma sériebwin 2024informações relativas à situaçãobwin 2024violência - por exemplo sobre seus direitos, sobre como buscar uma medida protetiva na Justiça, sobre saúde física e saúde mental.
Elas também podem receber encaminhamentos para serviçosbwin 2024saúde,bwin 2024assistência jurídica e psicológica e outros tiposbwin 2024ajuda - como companhia para procurar um serviçobwin 2024saúde ou para registrar uma ocorrência na delegacia, explica Vivian Mendes.
"Somosbwin 2024primeiro lugar um serviçobwin 2024escuta. Ouvimos, acolhemos e tentamos entender quais as necessidadesbwin 2024cada caso", explica Vivian Mendes. ""Temos voluntáriasbwin 2024várias áreas: psicólogas, advogadas, assistentes sociais."
"Queremos fortalecer essa mulher para que ela mesma, com apoio, consiga se libertar dessa situação. E isso é algo que muitas vezes demora, que vai alémbwin 2024denunciar o agressor à polícia, que envolve muitos outros aspectos da vida", diz Mendes.
Alguns dos locais também conseguem abrigar mulheresbwin 2024situaçãobwin 2024urgência para sairbwin 2024casa - como a ocupação Carolina Mariabwin 2024Jesus,bwin 2024Santo André, e a ocupação Tina Martins,bwin 2024BH.
Quando Flora procurou a ocupação na capital mineirabwin 20242017, a princípio não havia espaço suficiente para ela se mudar. Mas as voluntárias explicaram que ela poderia passar o fimbwin 2024semana e as quarta-feiras na casa. "Eram os dias que eu mais sofria violência: quarta, diabwin 2024jogo, e sexta, sábado e domingo", conta ela.
Mas a assistente social não chegou a fazer uso desse esquema temporário: no dia seguinte, foi fortemente agredida pelo marido. Saindo na rua com as crianças, conseguiu ajuda dos vizinhos e pegou um táxi para a ocupação à 1h30 da madrugada.
"As coisas foram piorando ao longo dos anos. Começou com violência psicológica, patrimonial [quando o homem usa a questão financeira para ter controle da esposa] e depois evoluiu para violência física e sexual", conta ela. "Nós éramos vizinhos dos meus sogros, que protegiam meu marido e também cometiam violência contra mim", conta ela.
E as instituições que deveriam ter dado suporte à ela falharam.
"Ao longobwin 2024todo o meu casamento eu falava dos problemas com o pastor e eu ouvia: 'vamos orar que passa'. Mas nunca passou", conta.
Ela também teve pouco apoio da polícia. "Na última vez que chamei, eles não queriam me levar para delegacia. Eu liguei no batalhão e falei com o coronel, que obrigou os PMs que atenderam a ocorrência a me levarem. Mas eles levaram meu agressor no mesmo carro, do meu lado. E quando chegaram na delegacia, deram informações falsas no BO.
Flora conta que chegou a ser agredida pelo marido com o bebê no colo. Na noitebwin 2024que fugiu, diz, ela apanhou durante uma hora.
"Me acolheram na casa Tina Martins e tive todo o atendimento necessário. Deram um jeitobwin 2024me abrigar", conta ela, que conseguiu manterbwin 2024rotinabwin 2024trabalho e estudo.
As ocupações que têm condiçõesbwin 2024abrigar mulheres são chamadasbwin 2024"casasbwin 2024passagem" - a ideia é que a estadia seja temporária, dando apenas o apoio necessário para que elas consigam fazer a transição do relacionamento abusivo para uma situação mais estável. Também não há espaço para que elas levem muitas coisas, como móveis - podem levar apenas os itens mais necessáriosbwin 2024uso pessoal.
Na Tina Martins, há um galpão para atividades coletivas, quartos compartilhados com camas e armários individuais, quatro banheiros, uma cozinha e uma lavanderia - tudo muito simples. As mulheres abrigadas e a coordenação dividem entre si as tarefas, como cozinhar, fazer a limpeza e manutenção.
Além disso, há uma sériebwin 2024eventos organizados no local, como feirinhas para arrecadar recursos, oficinasbwin 2024poesia, dança e música, rodasbwin 2024conversas e palestras.
Flora conseguiu manter contato com conhecidos enquanto esteve abrigada, masbwin 2024alguns dos outros espaços o usobwin 2024celular é mais restrito para proteção das mulheres.
Também há algumas outras regras, como horário para dormir - exceto para quem estuda ou sai tarde do trabalho - e a necessidadebwin 2024ser acompanhada por alguma das mulheres do coletivo para irbwin 2024festas, shoppings, etc (por questãobwin 2024segurança).
Mas a estrutura, as regras e as atividades organizadas nas ocupações podem variar muitobwin 2024cidade para cidade - e algumas estãobwin 2024riscobwin 2024despejo.
Com três quartos, uma cozinha e um banheiro, a casabwin 2024passagem no Estadobwin 2024São Paulo, que fica na cidadebwin 2024Santo André, é uma delas.
A primeira mulher abrigada no espaço, inauguradobwin 2024janeirobwin 20242021, ficou 9 anos trancada pelo maridobwin 2024casa, conta Vivian Mendes.
"Ela tentou fugir diversas vezes, mas não tinha para onde ir e seu agressor acabava levando-abwin 2024volta. Certa vez foi para a casabwin 2024uma amiga, o agressor encontrou o local e bateu nas duas. Na última vez que fugiu, para não colocar ninguémbwin 2024risco, chegou a morar na rua."
Foi então que ela encontrou a casa Helenira Pretabwin 2024Mauá. De lá ela foi transferida para Santo André, onde ficou durante um mês até conseguir um emprego e poder alugar um quartobwin 2024pensão para morar.
Riscobwin 2024despejo
Das nove ocupações gerenciadas pelo coletivo Olga Benário, quatro estãobwin 2024riscobwin 2024despejo por pedidosbwin 2024reintegraçãobwin 2024posse: o Centrobwin 2024Referência Soledad Barrett,bwin 2024Recife; a Casa Antonietabwin 2024Barros,bwin 2024Florianópolis; a Casa Helenira Preta,bwin 2024Mauá; e a Casa Carolina Mariabwin 2024Jesus,bwin 2024Santo André. Todos os espaços foram nomeadosbwin 2024homenagem a mulheres ilustres.
"Os espaços que ocupamos são sempre espaços que estavam abandonados há muito tempo, sem uso. Normalmente são espaços sobre os quais a comunidade do entorno reclama, por causabwin 2024pragas, sujeira", diz Vivian Mendes.
"Se vão fazer a reintegraçãobwin 2024posse, então onde o serviçobwin 2024atendimento às mulheres vai ser disponibilizado? Muitos locais não têm delegacias da mulher, e mesmo onde tem o atendimento não é amplo, não levabwin 2024conta as muitas necessidades das vítimas."
Foi fazendo este tipobwin 2024questionamento às autoridades que as ativistas do coletivo conseguiram regularizar a situação da Casa Tina Martins, que saiu do espaço que ocupava inicialmente e hoje funciona umbwin 2024imóvel cedido pelo governo do Estado - mas é sustentado e mantido pelas mulheres.
Sem o mesmo apoio do poder público, os outros espaços lutam para sobreviver. Além do riscobwin 2024despejo, o coletivo precisa conseguir manter as casas funcionando.
Financiamento coletivo
Parte do apoio vem das próprias mulheres que foram ajudadas pelo coletivo e agora querem retribuir. Flora hoje atua como voluntária no mesmo espaço, recebendo outras mulheresbwin 2024situaçãobwin 2024risco.
Mas embora o trabalho seja feito por voluntárias e ativistas, cada uma das casas têm gastos diferentes com contas, manutenção dos imóveis e a própria assistência dada às mulheres. Hoje todos os gastos são cobertos por doações, vaquinhas, arrecadaçãobwin 2024feirinhas e muitas vezes contribuição dos próprios ativistas.
No espaço Laudelinabwin 2024Campos Melo,bwin 2024São Paulo, por exemplo, só a reparação do telhado do galpão ocupado custou R$ 15 mil, conta Mendes. Foi feita uma vaquinha para arrecadar o dinheiro.
Localizado ao ladobwin 2024uma praça ocupada por barracasbwin 2024sem-tetobwin 2024uma região comercial do Canindé, zona norte da capital paulista, o espaço é a ocupação mais recente do coletivo. Os trabalhadores, imigrantes e muitos moradoresbwin 2024rua que passambwin 2024frente costumam espiar curiosos para dentro das portas abertas do grande galpão industrial, que estava abandonado até 2021.
O local ainda tem paredes descascadas, chãobwin 2024concreto e janelas quebradas. Mas agorabwin 2024vezbwin 2024entulho, tem móveis que parecembwin 2024uma casa vó: um sofá antigo, poltronas aconchegantes, tapetes felpudos feitos à mão, toalhinhasbwin 2024tricô e vasinhosbwin 2024plantas e flores. Também há um canto para cozinhar com uma geladeira e um fogão antigos, provenientesbwin 2024uma doação.
As voluntárias que organizam o espaço tentam pouco a pouco deixá-lo mais aconchegante e lutam diariamente contra a poeira e as pombas que se alojam nos vãos do telhado.
"Nós mesmas retiramos toneladasbwin 2024lixo e entulho, religamos a luz e a água e pedimos para amigos engenheiros avaliarem se isso aqui não ia cair, se a estrutura aguenta", conta Mendes.
Mesmo ainda precisandobwin 2024reparos, a casa já recebe muitas imigrantes, moradoras e trabalhadoras da região e também mulheresbwin 2024situaçãobwin 2024rua.
Por causa da localização, o tipobwin 2024demanda ali no dia a dia vai além das vítimasbwin 2024violência. Diversos moradoresbwin 2024rua passam pedindo para usar as torneiras para encher seus galõesbwin 2024água. Um armário próximo à entrada tem itensbwin 2024higiene - fraldas, sabonete, absorventes - para serem doados às mulheresbwin 2024situaçãobwin 2024necessidade. As voluntárias também eventualmente usam a cozinha para fazer marmitas para pessoas com fome.
"Às vezes as mulheres que chegam nem querem denunciar uma violência no começo, mas conversar, perguntam o que é o espaço. Muitas vezes elas ainda não estão fortes o suficiente nem para pedir ajuda diretamente", afirma Mendes.
Foi o casobwin 2024uma imigrante boliviana, Olívia*, que inicialmente visitou a casa Laudelina para conhecer a feirinha e passou a frequentar o espaçobwin 2024vezbwin 2024quando.
Conversando com ela, as voluntárias descobriram que ela ficava vários dias acorrentada no trabalho, onde também morava,bwin 2024uma situação análoga a escravidão. Olívia também sofria violência sexual no local.
Com ajuda das voluntárias, ela conseguiu sair do local e encontrar outras formasbwin 2024se manter. Hoje ela morabwin 2024uma ocupaçãobwin 2024São Paulo que não é organizada pelo Olga Benário e trabalha fazendo bicos e faxinas.
Flora, que moravabwin 2024um bairrobwin 2024classe média alta quando vivia com o marido, também foi morarbwin 2024outra ocupação - não exclusiva para mulheres - após sair da casabwin 2024passagem.
"Saíbwin 2024uma casabwin 2024quatro quartos para morarbwin 2024um cômodo apertado, mas nunca estive tão feliz", conta ela.
"Eu digo que nós [e os filhos] nascemosbwin 20242017. Não é nem renascimento, é nascimento mesmo, porque o que eu tinha antes não era vida", diz ela. "Na igreja eu ouvia que Jesus salva. Mas eu fui salva por outras mulheres."
*Nomes alterados para segurança das mulheres
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