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'Sou cuidadora e não tenho quem cuide dos meus filhos': 3 milhõesaposte jacrianças não têm vaga no ensino infantil:aposte ja
As dificuldades são compartilhadas por maisaposte ja3 milhõesaposte jacrianças brasileiras que não têm vaga na educação infantil, ciclo que vaiaposte ja0 a 6 anos e é garantido como um direito pela Constituição nacional. Sem vagas, muitos pais recorrem à Justiça (veja como mais adiante neste texto).
"Na minha comunidade, tem um centroaposte jaeducação infantil, chamado Olga Benário. Eu inscrevi meus filhos desde cedo, mas toda vez somos sorteados para outros bairros", conta Valdirene, que entra no serviço às 8h e sai às 17h, o que inviabiliza para ela o deslocamento para bairros vizinhos. A família viveaposte jaDoron, a cercaaposte ja10 km do centro histórico da capital baiana.
A trabalhadora doméstica chegou a matricular os filhos numa creche comunitária, pelo projeto Mais Infância do governo estadual. Pagava R$ 200 por criança, mas enfrentava problemas frequentes, como faltaaposte japrofessores,aposte jaágua eaposte jaluz, que interrompiam as aulas.
"A gente que é trabalhadora doméstica não tem como justificar para o patrão que não vai trabalhar porque não tem ninguém para ficar com nosso filho", diz Valdirene.
Durante a pandemia, pagando sem as crianças poderem frequentar, optou por tirá-las da creche comunitária. Agora, enquanto segue aguardando vaga na rede pública, Valdirene deixa os filhos com uma vizinha, que cuida na própria casaaposte jaseis crianças.
"É uma situação desconfortável, sou uma trabalhadora doméstica, conheço meus direitos como trabalhadora, lutoaposte japrol desses direitos, mas 'casaaposte jaferreiro, espetoaposte japau'", diz Valdirene, que é secretáriaaposte jaassuntos jurídicos do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstico).
Com seu salárioaposte jacuidadoraaposte jaidososaposte japouco maisaposte jaR$ 1.200 e R$ 120aposte jaauxílio do Programa Primeiro Passo, da prefeituraaposte jaSalvador para ajuda às mães que não conseguem vaga na educação infantil, ela diz que não teria condições para assinar a carteira e pagar um salário mínimo pelo cuidado dos filhos. Também não poderia pagar por uma pré-escola privada.
Um problema que afeta a renda das mulheres
O Instituto Rui Barbosa, organização ligada aos Tribunaisaposte jaContas dos Estados, estima que o Brasil precisaria criar pelo menos 3,4 milhõesaposte javagas na educação infantil para cumprir as metas estabelecidas no Plano Nacionalaposte jaEducação (PNE).
Por essas metas, todas as criançasaposte ja4 e 5 anos deveriam estar na pré-escola até 2016 e 50% dos pequenosaposte ja0 a 3 anos deveriam ter acesso à creche até 2024.
A pandemia deixou o Brasil ainda mais distante desses objetivos, com maisaposte ja650 mil criançasaposte jaaté 5 anos tendo deixado a escola entre 2019 e 2021, segundo o Censo Escolar 2021, divulgado pelo Inep (Instituto Nacionalaposte jaEstudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
Embora agravado pela pandemia, o problema do baixo acesso das crianças mais novas à educação não é novo. Ele dificulta que milharesaposte jamulheres possam trabalharaposte jatempo integral, garantindo uma renda maior para suas famílias.
Tays Aparecida Alves Fazzio,aposte ja30 anos e moradoraaposte jaAraquari,aposte jaSanta Catarina, enfrentou dificuldades para conseguir vagaaposte jacreche para seus dois filhos.
Para a mais velha, hoje com 8 anos, só conseguiu vaga após acionar o conselho tutelaraposte jasua cidade — ela morava entãoaposte jaBauru, no interioraposte jaSão Paulo.
A educação infantil é um direito da criança garantindo pela Constituição. Dos 0 aos 3 anos, a matrículaaposte jacreche é opcional, já a inscrição na pré-escola para criançasaposte ja4 e 5 é obrigatória. Em casoaposte jafaltaaposte javagas tanto na creche, como na pré-escola, os pais podem acionar o Conselho Tutelar ou a Defensoria Pública, como fez Tays comaposte jafilha mais velha.
Para o mais novo, atualmente com 5 meses, o problema é o horário das crechesaposte jaAraquari: das 7h às 13h para o turno da manhã ou 12h às 18h para o período da tarde.
"Para mim não compensava, eu tive que pedir a conta do serviço e agora estou cuidandoaposte jauma criança além dele, trabalhandoaposte jacasa,aposte jababá", conta Tays.
Formadaaposte japedagogia e antes trabalhando com telemarketing, ela viuaposte jarenda reduzida aos R$ 400 que ganha atualmente pelo trabalhoaposte jababá, mais uma pensãoaposte jaR$ 600 que a filha mais velha recebe pelo fatoaposte jaseu pai ser falecido. Tays conta da dificuldade que foi para ela deixar o emprego para ficaraposte jacasa.
"Para mim foi difícil, eu tinha planosaposte jatentar concurso e sempre trabalhei fora, eu trabalho desde os meus 12 anos. Foi bem complicado,aposte jarepente ter que abrir mão e ficaraposte jacasa, mesmo gostandoaposte jacuidaraposte jacriança por ser pedagoga formada. Mas se eu tivesse que pagar alguém para ficar com eles, seria pagar para trabalhar, não ia sobrar quase nada."
Uma redeaposte jacuidado informal
Diante da faltaaposte javagas para todos, mulheres como Tays e a vizinhaaposte jaValdirene suprem a necessidadeaposte jacuidados para milharesaposte jacrianças, principalmente nas periferias.
Isso porque, alémaposte jainsuficiente, a ofertaaposte jacreches e pré-escolas é muito desigual.
Conforme o Anuário Brasileiro da Educação Básica 2021, do Todos pela Educação, 54% das criançasaposte ja0 a 3 anos dos domicílios mais ricos do país estavam matriculadasaposte jacrechesaposte ja2019, contra apenas 28% das mais pobres. Entre as criançasaposte ja4 e 5 anos, os percentuais eramaposte ja98% e 93% para ricos e pobres na pré-escola, respectivamente, segundo esse cálculo.
Por regiões, enquanto os númerosaposte jamatrículasaposte jacreches chegavam a 44% no Sul e Sudeste, eramaposte jaapenas 33% no Nordeste, 30% no Centro-Oeste e 19% na região Norte do país.
Vitóriaaposte jaAndrade Lourenço,aposte ja18 anos, cuidaaposte jacrianças desde que ela mesma era pouco mais do que uma, aos 14 anos.
Ela seguiu os passos da mãe, Sueli, que cuidouaposte jacriançasaposte jaHeliópolis, bairroaposte jabaixa renda da zona sulaposte jaSão Paulo, durante anos, até deixar a atividade devido a uma dor no braço que a impedeaposte jacuidaraposte jacrianças menores.
Atualmente, Vitória toma contaaposte jaapenas um meninoaposte ja3 anos, mas já chegou a cuidaraposte jaquatro crianças ao mesmo tempo. Em alguns casos, ela busca os pequenos na creche e fica com eles até os pais voltarem do trabalho.
"Também tem criança que não vai para a creche e aí fica comigo o dia todo", diz Vitória.
Com seu trabalhoaposte jacuidadora, Vitória possibilita a outras mulheres trabalharem. Mas ela mesma sonha com um trabalho mais bem remunerado.
"Eu gostaria muitoaposte jaencontrar um serviço fixo. Eu gostoaposte jacuidaraposte jacriança, mas não é um trabalho com estabilidade e um salário mínimo às vezes te deixa na mão", conta.
Quando cuidavaaposte jaquatro crianças, Vitória chegou a fazer R$ 800 por mês. Agora, com uma só, recebe R$ 250, que complementam a pensão recebida pela mãe, após o falecimento do pai. Com a irmã desempregada, essas são as únicas fontesaposte jarenda da família.
Vitória gostariaaposte jatrabalhar na área da beleza, com designaposte jasobrancelhas, o que daria a ela a possibilidadeaposte jater um negócio próprio. Ela diz que também pensaaposte javoltar a estudar.
"Eu penso bastante nisso, queria fazer pedagogia para trabalharaposte jacreche, mas por enquanto está um pouco apertado. Tenho que ajudaraposte jacasa e nem todo curso éaposte jagraça, alguma coisa eu teriaaposte japagar... Mas eu quero muito", afirma.
'Educação infantil beneficia a sociedade como um todo'
Segundo especialistasaposte jaeducação, apesar do carinho e dedicação das mulheres que cuidamaposte jacrianças informalmente, esse cuidado não substitui a educaçãoaposte jainstituiçõesaposte jaensino.
Mais do que um lugar para deixar as crianças pequenas, as creches e pré-escolas têm papel fundamental na formação infantil, na igualdadeaposte jaoportunidades entre homens e mulheres e no combate à pobreza, já que a possibilidadeaposte jaas mulheres trabalharem aumenta a renda das famílias.
"90% do desenvolvimento da criança acontece na primeira infância. Ela desenvolve as habilidades físicas e motoras — engatinhar, caminhar, dar tchau na fase certa —, mas há também o desenvolvimento cognitivo e sócio-emocional", explica Mariana Luz, diretora da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, organização com foco na primeira infância.
"O primeiro diz respeito à capacidadeaposte jaaprendizagem,aposte jaabsorçãoaposte jaconhecimento e criativa. O segundo, a habilidades que serão úteis para toda a vida, como trabalharaposte jaequipe, lidar bem com o estresse, ter habilidadesaposte jacomunicação. Tudo isso, que são capacidades muito demandadas hoje no mercadoaposte jatrabalho, se forma na primeira infância", acrescenta.
Segundo Mariana, uma boa educação infantil aumenta a capacidade da criançaaposte jaaprender ao longoaposte jatodaaposte jajornada educacional.
A educação infantilaposte jaqualidade também tem reflexos positivos na saúde pública, com melhora na nutrição das crianças, e na segurança pública, pois crianças mais bem desenvolvidas teriam menor probabilidadeaposte jasofrer aliciamento pelo crime.
"No longo prazo, uma boa formação inicial pode resultaraposte jamaior renda para a criança ao longoaposte jatodaaposte javida, com benefícios para a geração futura e a quebra dos ciclos intergeracionaisaposte japobreza", diz a especialista.
Procurado, o Ministério da Educação não respondeu a pedidoaposte japosicionamento da BBC News Brasil.
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