Melatonina, 'hormônio do sono', está liberado no Brasil, mas médicos pedem cautela:
"E é um conceito estranho enquadrá-la como suplemento alimentar. Não há consenso algumquando há uma deficiência desse hormônio no organismo", aponta a neurologista Dalva Poyares, pesquisadora do Instituto do SonoSão Paulo. "Não existe sequer uma diretriz no mundo que indique a melatonina como tratamento para insônia", emenda a especialista, que também é professora da Universidade FederalSão Paulo (Unifesp).
"Precisamos deixar claro que a melatonina pode até ser uma ferramenta terapêutica, mas não vai ser indicada para todo mundo", concorda o médico Paulo Augusto Miranda, vice-presidente da Sociedade BrasileiraEndocrinologia e Metabologia (SBEM).
Mas, para entender toda essa polêmica, é preciso saber antes o que é a melatonina eimportância para o funcionamento do corpo.
A maestrina do crepúsculo
"É muito bonito pensar que o dia e a noite são incorporados no nosso organismo pela melatonina", raciocina Louzada.
Esse hormônio é produzido pela glândula pineal, uma estrutura que fica bem no centro do cérebro.
E há um aspecto muito importante nesse processofabricação: ele só acontece na ausêncialuz.
Conforme anoitece e o Sol se põe, a produção da melatonina começa a ocorrer na nossa cabeça. A meta é preparar o organismo para o sono ao longo do período noturno.
"Já parou para pensar como o fígado, o estômago, todos os demais órgãos e o próprio metabolismo sabem se é dia ou se é noite? A sinalização do tempo, dos ciclos24 horas, é dada justamente pela melatonina", explica o professor da UFPR.
No raiarum novo dia, quando a claridade volta a aparecer, a produção da melatonina é interrompida, o que prepara o corpo para despertar e se preparar para as atividades diárias.
Só que esse ciclosono e vigília, ditadogrande parte por esse hormônio, pode ser atrapalhado por uma sériefatores, a começar pela exposição à luz durante a noite.
"Desde que a humanidade passou a conviver com a eletricidade, houve uma alteração na secreção da melatonina. Se eu ficar acordado até meia noite assistindo TV ou mexendo no celular, essa substância vai acabar inibida", acrescenta Louzada.
Com baixa na melatonina, a qualidade do sono, ou até mesmo a quantidadehoras dormidas, acabam prejudicadas.
Mas, além das comodidades do mundo moderno, a fabricação do hormônio do sono também pode ser afetada por algumas doenças específicas ou pelo próprio avançar da idade — idosos tendem a produzir uma menor quantidademelatoninacomparação com os mais jovens.
Mas será que tomar um suplemento pode resolver alguns desses problemas?
Sinal verde para a venda
Ao anunciar que tinha liberado a melatonina no dia 15outubro, a Anvisa argumentou que "a substânciaquestão já é utilizadadiversos países como suplemento alimentar e como medicamento, com condiçõesuso variadas".
A agência também declarou que decidiu avaliar a segurança e a eficácia da molécula "devido ao interesse dos consumidores e do setor produtivo no acesso e na ofertaprodutos contendo essa substância".
Antes, esse produto só estava disponívelfarmáciasmanipulação, com exigênciareceita assinada por um médico.
Embora a melatonina seja enquadrada agora como um suplemento alimentar e possa ser comprada sem prescrição nas drogarias convencionais, a Anvisa impôs algumas restrições ao seu uso.
A primeira é que ela só poderá ser tomada por pessoas com mais19 anosidade e a dosagem é de, no máximo, 0,21 miligramas por dia.
Em outros locais, como Estados Unidos e Europa, é possível encontrar doses bem maiores, que chegam a até 5 mg.
O órgão regulatório brasileiro também determinou que as embalagens devem conter a advertênciaque esse produto não deve ser consumido por "gestantes, lactantes, crianças e pessoas envolvidasatividades que requerem atenção constante".
Além disso, orienta-se que indivíduos com alguma enfermidade ou que tomam medicamentos procurem um médico antesconsumir esse suplemento por conta.
Poyares avalia que a dose aprovada no país,0,21 mg, fica muito próxima àquilo que é produzidomédia pelo próprio organismo, o que diminui o riscoeventos adversos mais preocupantes.
Por outro lado, essa quantidade pode não ser suficiente para servirtratamento para pessoas que realmente apresentam algum distúrbiosono e que eventualmente até se beneficiariamuma carga extramelatonina.
"Ainda não existe um consensoqual é a dose adequada para obter um efeito terapêutico nos pacientes que têm indicaçãouso", diz a neurologista.
A especialista também lembra que não estão disponíveislarga escala exames para medir a quantidadehormônio do sono e determinar se há uma deficiência dele no organismo.
"A melatonina não é igual a vitamina D, que a gente consegue facilmente mensurar no sangue e ver se há necessidadesuplementação ou não", compara.
"Ou seja: ninguém sabe quando realmente é preciso 'repor' a melatonina. Não temos, portanto, evidências científicas do benefício da suplementação desse hormônio na população geral", conclui.
Quando o suplemento pode ajudar
Embora o tema seja recheadocontrovérsias, os médicos admitem que a reposição da melatonina pode auxiliaralguns cenários bem específicos.
"Um indivíduo idoso que apresenta dificuldades para dormir, por exemplo, se beneficiaria da suplementação, desde que exista uma avaliação e uma prescrição médica", defende Miranda, da SBEM.
"Existem também alguns distúrbios do sono bem específicos que são tratáveis com essa substância", complementa.
Uma terceira indicação seria para aqueles indivíduos que viajam para outro país com um fuso horário muito diferente. Nesses casos, o suplemento facilitaria a entrada na nova rotina sem passar pelo fenômeno do jet lag — distúrbio temporário do sonoque o relógio biológico está forasincronia com o horário local.
"E vale ressaltar que, ao contrário do que dizem algumas propagandas e postagensredes sociais, não existem estudos comprovando que esse suplemento ajuda a controlar ou perder peso", chama a atenção o endocrinologista.
Antescomprar o produto na farmácia, portanto, vale buscar um especialista se você apresenta constantemente dificuldades para pegar no sono (ou manter-se dormindo), ronca durante a noite, tem sonolência ao longo do dia ou fica com aquela sensaçãoque o descanso noturno não foi reparador.
Esse profissional, que costuma ter uma formaçãomedicina do sono ou cronobiologia, pode fazer uma avaliação aprofundada e entender os motivos que estão por trástodas essas dificuldades.
"Muitas vezes, antespensarprescrever a melatonina, podemos tentar uma sériemudançascomportamentos e hábitos para melhorar a quantidade e a qualidade do sono", informa Louzada.
Os médicos costumam chamar essas intervençõeshigiene do sono. Uma das principais modificações é justamente aumentar a exposição à luz durante o dia e diminuir o contato com telas e lâmpadas no período noturno.
Essa alteração já pode fazer toda a diferença na produção naturalmelatonina e garantir um descansomelhor qualidade.
"A gente não corrige hábitos errados com uma medicação. Na maioria das vezes, precisamos justamente alterar esses hábitos para alcançar uma melhor qualidadevida", concorda Miranda.
"E, mesmo nos casosque há realmente a necessidadesuplementaçãomelatonina, é preciso pensar com muito cuidado na dosagem e no horárioingestão do produto", aponta Louzada.
"A sensibilidade à melatonina varia muitopessoa para pessoa e é preciso o acompanhamento com um profissionalsaúde para evitar o efeito contrário ao desejado", sugere.
Os eventos adversos mais comunstomar a melatoninaforma errada são dorcabeça, irritação e sonolência ao longo do dia.
"Em longo prazo, porém, o principal problema do uso inadequado é que o suplemento pode não resolver as queixas relacionadas ao sono que aquela pessoa apresenta. Por isso, é tão importante o acompanhamento médico", conclui Miranda.
Sabia que a BBC está também no Telegram? Inscreva-se no canal .
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube ? Inscreva-se no nosso canal!
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".
FinalYouTube post, 1
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".
FinalYouTube post, 2
Este item inclui conteúdo extraído do Google YouTube. Pedimosautorização antes que algo seja carregado, pois eles podem estar utilizando cookies e outras tecnologias. Você pode consultar a políticausocookies e os termosprivacidade do Google YouTube antesconcordar. Para acessar o conteúdo clique"aceitar e continuar".
FinalYouTube post, 3