Insultos a mulheres no parto são 'ponta do iceberg' da violência obstétrica no Brasil, diz médica:baralho cassino
No vídeo do parto, o médico aparece dizendo "faz força, p*rra".
O médico argumenta que o vídeo foi "editado e tiradobaralho cassinocontexto".
"A íntegra do vídeo mostra que não há nenhuma irregularidade ou postura inapropriada durante o procedimento. Ataques àbaralho cassinoreputação serão objetobaralho cassinoprovidências jurídicas, com a análise do vídeo na íntegra", diz nota do médico enviada porbaralho cassinoassessoria.
Nos áudios privados que foram tornados públicos, Shantal afirmou que os vídeosbaralho cassinoseu parto são um "showbaralho cassinohorror".
"Ele (Kalil) me xinga o trabalhobaralho cassinoparto inteiro. Ele fala 'p*rra, faz força, filha da mãe, viadinha, ela não faz força direito. (...) Tem vídeo dele me rasgando com a mão, era só para eu ficar arrebentada e falar 'ah você tinha razão, eu deveria ter feito a episiotomia'."
Episiotomia é um procedimento cirúrgico que visa aumentar a abertura vaginal para a saída do bebê. Segundo a Federação Brasileira das Associaçõesbaralho cassinoGinecologia e Obstetrícia (Febrasgo), "atualmente, não há evidência científica suficiente para definir as indicações para a episiotomia, apenas que o uso seletivo continua a ser a melhor prática a ser adotada. (...) Ou seja, não fazer episiotomia deve ser a primeira opção".
Em nota, a assessoriabaralho cassinoKalil afirma que ele é "um dos médicos mais reconhecidos do Brasil. Ao longobaralho cassinosua carreira, já efetuou maisbaralho cassino10 mil partos, sem nenhuma reclamação ou incidente. O parto da sra. Shantal aconteceu sem qualquer intercorrência e foi elogiado por elabaralho cassinosuas redes sociais durante trinta dias após o parto".
Depois do relatobaralho cassinoShantal, a jornalista Samantha Pearson deu entrevista ao jornal O Globo dizendo que também foi insultada pelo mesmo médico durante seu acompanhamento pré-natal. Segundo ela, ele "falava da minha vagina como se eu não estivesse ali", "disse que eu tinha que emagrecer ou meu marido ia me trair". "Me senti humilhada várias vezes."
'Intervenções excessivas' e 'sofrimento desnecessário'
Para além dos casos individuais relatados acima, "(insultos) são chocantes e acontecem com muita frequência, mas são a ponta do iceberg" do cenário obstétrico no Brasil, afirma Melania Amorim.
Para mensurar a dimensão da violência obstétrica no país, argumenta ela, seria preciso juntar "o quanto as mulheres se sentiram ofendidas e agredidas com a quantidadebaralho cassinoprocedimentos desnecessários e prejudiciais na assistência pré-natal, ao aborto, ao parto e ao puerpério".
Ela cita uma revisão acadêmica feita por pesquisadoras latino-americanas (Brasil incluso)baralho cassino2019, apontando que a "faltabaralho cassinorespeito e os maus-tratos" durante partos e abortos ocorrerambaralho cassino43% das gestações observadas. Mas há indíciosbaralho cassinoque esse índice esteja muito subestimado.
Isso porque outra pesquisa, Nascer no Brasil, conduzida pela Fiocruz entre 2011 e 2012, com 23,8 mil mulheres, concluiu que "entre as gestantes que tiveram um parto vaginal, observou-se a predominânciabaralho cassinoum modelobaralho cassinoatenção extremamente medicalizado, que ignora as melhores evidências científicas disponíveis".
"A maioria das mulheres foi submetida a intervenções excessivas, ficou restrita ao leito e sem estímulo para caminhar, sem se alimentar durante o trabalhobaralho cassinoparto, usou medicamentos para acelerar as contrações (ocitocina), foi submetida à episiotomia, deu à luz deitadabaralho cassinocostas, muitas vezes com alguém apertando abaralho cassinobarriga (manobrabaralho cassinoKristeller). Esses procedimentos, quando usados sem indicação clínica, causam dor e sofrimento desnecessário e não são recomendados pela Organização Mundial da Saúde", diz o texto.
O estudo da Fiocruz prossegue: "Poucas mulheres brasileiras tiveram a chancebaralho cassinovivenciar um parto sem as intervenções anteriormente descritas, apenas 5% do total, valor muito inferior aos 40% observados no Reino Unido. O padrão se distribui por todas as regiões geográficas e tiposbaralho cassinoserviçobaralho cassinosaúde, mostrando que a medicalização do parto é uma prática disseminada por todo o país."
Para Amorim, esse "é o modelobaralho cassinoassistência obstétrica vigente, com uma necessidade literalmente abusivabaralho cassinose intrometer na cena do parto".
"Esse viés misógino ainda perpassa a nossa ginecologia e obstetrícia mesmo quando ela é muitas vezes feita por mulheres, porque é o modelo vigente, que vê o meu corpo e o seu corpo como defeituosos, que só vão parir com uma intervenção médica. É o modelo ensinadobaralho cassinomuitas escolas médicas", critica.
Essa percepção, ressalta Amorim, "pode ferir a sensibilidade dos profissionais, (ao) se reconhecerem como perpetradoresbaralho cassinoviolência obstétrica, muito mais dói nas mulheres que foram vítimas".
Essa violência pode acontecerbaralho cassinodiversos momentos do pré-natal, do parto ou pós-parto e não é necessariamente perpetrada pelos médicos, mas também por outros profissionais da saúde ou mesmo pelo sistemabaralho cassinosaúde quando este não oferece as condições adequadas para um parto que, nas palavrasbaralho cassinoAmorim, "seja baseadobaralho cassinoevidências científicas".
"A cesárea desnecessária, contra a vontade da mulher (quando ela é enganada ou induzida a escolher a cesárea, por pretextos fúteis ou enganosos), também é uma formabaralho cassinoviolência obstétrica", explica a médica.
"(Nesses casos) há uma falsa dicotomia: escolher entre um parto 'normal', violento, e uma cesárea 'limpinha' é uma escolhabaralho cassinoSofia que ninguém deveria ser obrigada a fazer. Porque existe uma terceira via, que deveria ser a regra: da assistência ao parto baseadabaralho cassinoevidências, (termo) que eu até prefiro do que humanização da assistência ao parto, porque o sentido é menos esvaziado do que o rótulo 'humanizado'. Isso inclui o respeito à autonomia e ao protagonismo feminino, inclui só usar procedimentos respaldadosbaralho cassinoevidências sólidas, inclui o significado do parto como um evento psicossocial, e não como um ato médico. E isso é totalmente possível sem que você seja obrigado a fazer uma falsa escolha."
'Violência obstétrica é naturalizada'
Um dos problemas, segundo Amorim, é que partos com intervenções nem sempre necessárias ou métodos pouco eficazes são naturalizados tanto na formação dos médicos quanto na forma como o nascimento humano é retratado na nossa cultura popular.
"Nas novelas, tem sempre alguém dando comandos (a uma mulherbaralho cassinotrabalhobaralho cassinoparto), dizendo 'força, força', geralmente a uma mulher deitadabaralho cassinopernas abertas. E você começa a normalizar que aquilo ali é o padrão, é a forma correta do parto. Geralmente são partos medicamentosos, e com muita violência", argumenta.
"(...) Falo isso com muita tranquilidade porque sou médica, mas a residência nos prepara basicamente para agir nos partosbaralho cassinoalto risco, nos partos complicados. Aí se cria uma falsa sensaçãobaralho cassinoque a mulher é uma bomba-relógio prestes a explodir e que essas intervenções se justificariam. Com o tempo isso se normaliza, e você começa a intervir mesmo quando não é necessário."
Segundo Amorim, dois procedimentos bastante invasivos - e comuns - são a manobrabaralho cassinoKristeller e episiotomias feitas sem consentimento da mulher, ou manualmente, sem anestesia.
"A violenta atroz pressão no fundobaralho cassinoútero, a manobrabaralho cassinoKristeller, é uma das formas mais frequentes, e paciente não percebe aquilo como violência. Pode passar despercebida por trásbaralho cassinoprocedimentos incorporados pela prática médica, mas que não são naturais", diz.
Essa manobra, também chamadabaralho cassinopressão fúndica no período expulsivo do parto, não é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Sobre a episiotomia feita à força, há "casosbaralho cassinoque a mulher fez um planobaralho cassinoparto dizendo que não queria episiotomia, o médico (parece ter) ficado muito irritado com aquilo e faz uma manobra com muita força e rasga o períneo da mulher com a mão. Não vi isso uma ou duas vezes, foram vários casos -baralho cassinoperíneos abertos a mão, sem anestesia. Me choca pelo caráterbaralho cassinoretaliação,baralho cassinovingança. É como dizer 'você (mulher) ousou ditar as normas, agora você vai ver'", diz Amorim.
"E tem a episiotomia feita com pontos sem anestesia. A gente não concebe issobaralho cassinonenhuma outra circunstância da medicina - cortar e suturar tecidos (humanos) sem anestesia. E numa região tão íntima e sensível, e num momento tão especial como o parto."
Dizer 'faz força' também é prejudicial, diz médica
Amorim defende que, durante um trabalhobaralho cassinoparto, "qualquer formabaralho cassinopressão é nociva, não é efetiva, e, portanto, deve ser abolida".
"Amarrar as pernas da parturiente, obrigá-la a parir na posição deitada - que só é boa pro médico - e (dar) os comandos durante o período expulsivo - como 'faça força', 'trinca os dentes e faça força' -, a gente já tem evidênciabaralho cassinoque (esses procedimentos) não são necessários, mesmo que não sejam francamente agressivos", argumenta.
"Porque o parto é uma força da natureza - um evento incontrolável, que tem uma dimensão transformadora, um tsunami. Na tentativabaralho cassinocontrolar o incontrolável, os profissionaisbaralho cassinosaúde, embebidos desse modelobaralho cassinoformação machista, lidam com esse medobaralho cassinoalgo tão intenso impondo um controle rígido. Isso explica, mas não justifica oprimir outra (pessoa), minarbaralho cassinoautoestima. Em várias circunstâncias a gente pode ter necessidadebaralho cassinointervenção (no parto), mas essa intervenção pode ser, quase sempre, salvo nas emergências, pactuada com a parturiente."
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