'Foram 4 dias só com leite e água': o drama das crianças brasileiras deportadas ao Haiti que o Brasil quer repatriar:xbeting

"Ali não tem serviço, tentei trabalhar, mas não tem como". Patrick acreditava que a chegada a Del Rio, no Texas, significaria o inícioxbetinguma nova vida - com emprego garantido e salárioxbetingdólar - o que permitiria sustentar a família e enviar remessas a parentes que ainda vivem no país caribenho. Não foi o que aconteceu. A família inteira foi detida pelo controlexbetingfronteiras dos EUA.

"Foram quatro dias na cadeia. Para as crianças só deram leite e água, não deram comida. Dormia no chão frio. Um dia, às 4 da manhã, (os guardas) chamaram dizendo que iam liberar a gente, mas colocaram no avião e mandaram pra cá. Pra quê? O Haiti não tem nem presidente", afirma Patrick*, que antesxbetingpartir do Brasil ganhava R$ 1,2 mil para desossar carne bovinaxbetingum frigorífico no centro-oeste do país e agora diz não ter dinheiro nem para as fraldasxbetingsua bebê.

O relatoxbetingPatrick sobre as condiçõesxbetingtratamento por autoridades americanas coincide com oxbetingoutros migrantes haitianos na mesma condição. Fotosxbetingguardasxbetingfronteira montadosxbetingcavalos avançando sobre os viajantes rodaram o mundo e causaram constrangimento ao governoxbetingJoe Biden, que ordenou a suspensão da atuação da cavalaria no trabalho com migrantes.

Repatriaçãoxbeting84 crianças

Os dois filhosxbetingPatrick são parte do contingentexbeting84 criançasxbetingnacionalidade brasileira que, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), foram deportadas nas últimas semanas pelos EUA para o Haiti,xbetingmeio às maisxbeting8 mil expulsões que o governo americano promoveu após a chegadaxbetingmassaxbetinghaitianos à fronteira.

Os EUA vivem uma crise migratória histórica: apenas no ano fiscalxbeting2021, maisxbeting1,7 milhãoxbetingpessoas foram apreendidas por agentes americanos na fronteira com o México. Diante do fluxo, o governo Biden colocouxbetingprática a regraxbetingexpulsão sumáriaxbetingmigrantes criada pela gestãoxbetingDonald Trump, a propósito da pandemiaxbetingcovid-19. Com o dispositivo, os EUA sequer deram aos haitianos a chancexbetingpedir asilo ou refúgio.

Autoridades americanas ouvidas reservadamente pela BBC explicaram que a gestão Biden levouxbetingconta o princípio da manutenção da unidade familiar e a nacionalidade dos pais no momentoxbetingdefinir o destino dos deportados - inclusivexbetingcasosxbetingque os filhos tivessem cidadania diferente daxbetingseus responsáveis.

Por isso, o governo brasileiro não foi informadoxbetingantemão pelos americanos sobre a deportaçãoxbetingcrianças brasileiras para o Haiti. O Itamaraty informou à BBC News Brasil que desconhecia a decisão dos americanosxbetingremeter menores brasileiros ao país caribenho e nenhum dos consulados do país nos EUA chegou a prestar assistência a essas crianças.

"Está muito evidenciado que existe uma política americanaxbetingdeportaçãoxbetingmassaxbetingcrianças e que isso não acontece para o Brasil e sim para o Haiti. O que é relevante e fundamental é que o Brasil intensifique o trabalho consular para que essas crianças não sofram deportação indevida. Se elas forem expulsas dos EUA, que sejam enviadas ao Brasil. E que o país dê assistência para trazerxbetingvolta ao Brasil aqueles que foram enviados ao Haiti", afirmou o defensor público da União João Chaves, especialistaxbetingmigração, que requereu a repatriação imediata das crianças ao Itamaraty.

Dentro do órgãoxbetingrelações exteriores brasileiro, a repatriação dessas crianças brasileiras se converteuxbetingprioridade zero. A expectativa é que as primeiras famílias, que já possuem a documentação correta, comecem a retornar ao Brasilxbetingaté dez dias. Outras podem demorar mais a embarcar, já que nem todas possuem documentos que comprovem a nacionalidade das crianças.

Falta ao Itamaraty ainda determinar como será feito o custeio da repatriação. Por lei, o Brasil pode bancar os custosxbetingviagens dos menores brasileiros, mas não poderia financiar as passagensxbetingseus pais, que são haitianos. "Fomos informados desses problemas e vamos avaliar com o Itamaraty se a Câmara poderia pagar a volta dos pais, como poderíamos viabilizar isso", afirmou o Deputado João Carlos Gurgel (PSL - RJ), que, depoisxbetingo caso ter sido reveladoxbetingreportagem da BBC News Brasil, passou a acompanhar o drama dessas crianças.

Outra opção seria contar com a ajudaxbetingorganismos internacionais, como a própria OIM, que já atuouxbetingparceria com o Itamaratyxbetingrepatriações que envolviam cidadãos brasileiros e estrangeiros, ou, mais remotamente, com uma aeronave das Forças Armadas para o transporte.

Haiti: um paísxbetingcolapso

Os responsáveis por ao menos dez crianças brasileiras deportadas ao país caribenho já fizeram contato com a Embaixada BrasileiraxbetingPorto Príncipe, a capital haitiana,xbetingbuscaxbetingdocumentos exbetinginformações sobre como voltar ao Brasil.

"Eu não tenho um centavo, se tivesse, eu pagava pra gente voltar pro Brasil agora mesmo", afirma Patrick, que pretende se apresentar à EmbaixadaxbetingPorto Príncipe para pedir ajuda. Ele passou alguns diasxbetinguma casa emprestada por parentes na favelaxbetingCité Soleil, mas nos últimos dias levouxbetingfamília para a cidadexbetingGonaives, porque "estava muito perigoso continuarxbetingPorto Príncipe".

"Não há dúvidaxbetingque, se tiverem essa opção, a maior parte dentre essas 84 famílias vão querer retornar ao Brasil", disse à BBC News Brasil Giuseppe Loprete, chefe da missão da OIM no Haiti.

Isso porque o Haiti vive um surtoxbetingsequestros - foram maisxbetingcem apenasxbetingoutubro -xbetingmeio a uma sangrenta disputaxbetingpoder entre gangues que tem gerado tiroteios urbanos e matado dezenasxbetingcivis.

Na semana passada, 17 missionários americanos foram sequestrados por um desses grupos armados, que pediram US$ 17 milhõesxbetingresgate. A força policial haitiana não têm condiçõesxbetingconter a situação e a enorme insegurança afugentou do país a ajuda internacional.

A já complexa situação do Haiti se agravou depois que o presidente do país, Jovenel Moise, foi assassinadoxbeting7xbetingjulho, lançando o governoxbetingdisputasxbetingpoder e crisesxbetinggovernabilidade. Pouco maisxbetingum mês depois, um terremotoxbetinggrande intensidade atingiu a ilha - deixando maisxbetingdois mil mortos. Os escombros deixados pelo terremoto acabaram inundados poucos dias mais tarde pela tempestade tropical Grace.

"O Haiti enfrenta muitas camadasxbetingcrise: a pobreza histórica, uma sequênciaxbetingterremotos devastadores, a violênciaxbetinggangues. E essas crianças e suas famílias chegam aqui nesse contexto, e com uma bagagemxbetingtraumas da jornadaxbetingmigração. Uma delas me contou que, no começo da travessia do estreitoxbetingDarien, sentia medo ao ver cadáveres. No final da jornada, no entanto, ela já tinha visto tantos, que tinha se tornado algo comum pra ela", afirmou à BBC News Brasil Ndiaga Seck, chefexbetingcomunicação da UnicefxbetingPorto Príncipe, uma das poucas organizações que seguem atuando no Haiti e prestando assistência aos deportados, como a famíliaxbetingPatrick.

1,7 mil crianças brasileiro-haitianas no México

Mesmo se acontecer como o esperado, a repatriação das 84 crianças hoje já deportadas para o Haiti pode não significar o fim do drama. Isso porque o Itamaraty já rastreou outras 1,7 mil crianças brasileiras, filhasxbetinghaitianos que viviam no Brasil, que estão nesse momentoxbetingterritório mexicano. E embora quase todas tenham feito pedidosxbetingrefúgio no México, as autoridades brasileiras sabem que a intenção dessas famílias é cruzar a fronteira dos EUA assim que a oportunidade surgir.

Ao menos desde o inícioxbeting2021, milharesxbetinghaitianos que viviam no Brasil têm deixado o paísxbetingmeio à crise econômica e à desvalorização do real, que praticamente inviabilizaram as remessas dos migrantes às famílias no país caribenho.

Há um mês o governo dos EUA tem pressionado o Brasil a receberxbetingvolta haitianos que possuíssem residência ou visto humanitário no país e que tenham sido encontrados no México ou na fronteira com os EUA.

Ao menos 429 dos 8 mil haitianos recém deportados pelos EUA ao Haiti estão nessa situação. Não há, no entanto, uma definição sobre se o Brasil aceitará o retorno deles.

Essa semana, o secretárioxbetingestado americano Antony Blinken voltou a pedir por isso ao chanceler brasileiro Carlos França. No Twitter, Blinken deixou claro o recado: "Gerenciar a migraçãoxbetingnosso hemisfério é uma responsabilidade compartilhada. Conversei com o MinistroxbetingRelações Exteriores do Brasil, Carlos França, sobre formasxbetingpromover a migração ordeira, segura e humana".

*O nome dos entrevistados foi alterado para garantirxbetingprivacidade.

Colaborou Will Grant, enviado da BBC a Porto Príncipe

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