Madame Satã, o transformista visto como herói da contracultura e vilão pelo governo Bolsonaro:
"Viado safado, viado vagabundo", ouviuum policialfrente ao estabelecimento. Argumentou que vinha do trabalho. "Seu trabalho é roubar os outros e dar a bunda", respondeu o guarda, batendo-lhe no rosto com um cassetete.
João Francisco debandousilêncio. No quarto, refletiu sobre o incidente. A ferida havia estancado. Já não chorava mais.
Levantou-se, introduziu um revólver no bolso e deu as caras no botequim outra vez. Apertou o gatilho. Agora, quem sangrava era o policial, caído na sarjetaplena Rua do Lavradio.
Pelo assassinato, João Francisco foi condenado a dezesseis anoscárcere. Cumpriu apenas dois. Não foi seu primeiro embate contra as autoridades, nem seria o último. Dos seus 76 anosvida, 27 transcorreraminstituições prisionais.
As acusaçõessua ficha criminal somavam três homicídios, treze agressões, quatro resistências à prisão, três desacatos, duas receptaçõesmercadoria roubada, dois furtos, um ultraje público ao pudor e um porte ilegalarma. Foi absolvidomais da metade desses processos. Morreu no dia 12abril1976, vítimaum câncer no pulmão.
João Francisco é mais conhecido como Madame Satã — ícone LGBT, figura emblemáticauma boemia já extinta e um nome recentemente excluído da listapersonalidades negras da Fundação Palmares.
Uma portaria e 72 tuítes
A coleçãoverbetes, disponível há maisuma década no site da entidade, tornou-se objetodisputa política no final2020.
Desde o dia 10novembro, uma portaria assinada por Sérgio Camargo, atual presidente da Fundação, tem justificado o cancelamentohomenagens pretéritas, embora se apresente como um norte para celebrações futuras — elas devem ser póstumas, alinhadas aos "princípios defendidos pelo Estado" e destinadas a indivíduos"relevante contribuição histórica no âmbitosua áreaconhecimento ou atuação".
No dia 2dezembro, Camargo anunciou oficialmente a exclusão27 personalidades ainda vivas, entre as quais a escritora Conceição Evaristo, a filósofa Sueli Carneiro, o artista plástico EmanoelAraújo, a atriz Zezé Motta, o pugilista ServílioOliveira e diversos nomes da música brasileira, como Elza Soares, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Leci Brandão, SandraSá e Martinho da Vila. Pelas redes sociais, alegou que certos nomes poderiam voltar à lista depoismortos, "caso merecessem".
No dia 16, o critério da relevância histórica enviesou outros dois cancelamentos — Maria Aragão (1910-1991), médica maranhense torturada pela ditadura militar, e Luiza Bairros (1953-2016), ministra da Igualdade Racial no governo Dilma. "Mera militância partidária não basta. É preciso mérito e relevância", declarou Camargo após a divulgação da medida.
O presidente da Fundação Palmares, autointitulado "negrodireita, antivitimista, inimigo do politicamente correto, livre", defende a portaria como um instrumento"moralização" da entidade. Emconta pessoal no Twitter, veicula ataques aos excluídos, a quem se refere como "oportunistas", "aproveitadores", "políticos inúteis", "pretos por conveniência" e "nomes adicionados pela esquerda ao longodécadas pelos critérios da sabujice, lealdade ideológica e promoção pessoal".
Madame Satã, suprimido da lista antes mesmo que a portaria entrassevigor, é a personalidade mais citada nas postagens. Em 1ºoutubro, ao anunciarexclusão, Camargo escreveu: "A Fundação não presta homenagem a bandidos. Defende a Cultura".
Desde então, menções ao transformista têm dominado seu perfil na rede social. "De Madame Satã a George Floyd, se o preto era um bandido, não importa como morreu, ele é imprestável como exemplovida, referência moral, modelo a ser alcançado", postou no dia 20abril2021. Camargo também descreve João Francisco como "psicopata", "infame", "abjeto", "repulsivo", "criminoso", "escória", "bosta" e "lixo humano". O termo mais rotineiro, entretanto, é "triplo homicida", repetido 37 vezes. Ao todo, foram pelo menos 72 tuítes sobre o tema até o dia 6junho deste ano.
Em 15março, uma liminar assinada pelo juiz Diego Câmara, da 17ª Vara Federal Cível (DF), determinou que os nomes excluídos retornassem à lista — a portaria, segundo o magistrado, carece"motivação idônea e prévia". Dois dias depois, Camargo se manifestou nas redes sociais: "Madame Satã, triplo homicida amado pela esquerda, volta a ameaçar a Fundação Cultural Palmares e os negros honrados do Brasil".
Para o arquiteto baiano Zulu Araújo, que presidiu a entidade entre 2007 e 2010, os ataques a João Francisco dos Santos decorremtrês características básicas: "Ele era negro, nordestino e homossexual. São traços que afrontam o conservadorismo do nosso país", afirma à BBC News Brasil.
James Green, ativista LGBT, professorHistória da América Latina na Brown University (EUA) e autor do livro Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX (Editora Unesp), acredita que esses mesmos atributos o tenham transformadoícone.
"O Brasil tem poucas referências históricasgays assumidos", explica à reportagem. "Madame Satã é um dos únicos que conhecemos. Ele é uma figura importante para quem deseja resgatar o passado da homossexualidade no país. E o fatoser negro, dos setores mais oprimidos, realça ainda mais o seu caráter simbólico."
Desafiando historiadores
João Francisco dos Santos nasceu25fevereiro1900, no município pernambucanoGlória do Goitá, a 65 quilômetrosRecife. Quase todas as informações disponíveis sobreinfância e juventude vêm das entrevistas que concedeu na velhice.
"Esse é um grande desafio para historiadores", observa Green. "Os dados são muito escassos. Não há uma documentação mais cuidadosa sobre as classes populares brasileiras. Sabemos, por exemplo, que ao longo do século 20 milhareshomossexuais foram presos sob acusaçãovadiagem ou atentado ao pudor. No entanto, encontramos poucos registros oficiais, pois a maioria dessas prisões ocorreu ilegalmente. Há uma grande invisibilidade."
Sabe-se que o paiJoão Francisco era filho bastardoum senhorengenho com uma escravizada. A mãe,suas palavras, era "uma cabocla muito bonita e muito analfabeta". Aos oito anos, foi entregue por ela a um fazendeiro. "Não sei bem o que senti naquela hora desgraçada", lembraria já no fim da vida. "Doía como se eu morresse toda horauma doença dolorida. E pensava que tinha sido trocado por uma eguinha castanho-clara que respondia pelo nomeAmorosa. Então doía muito mais."
Por seis meses, seria mantidocondições análogas à escravidão. Seduzido por promessasestudo, fugiu para o RioJaneiro com a proprietáriaum hotel, mas uma nova rotinatrabalho forçado era tudo o que lhe aguardava na então capital federal. Cinco anos depois, libertou-se da patroa para viverfurtos pelas ruas da Lapa.
Na vida adulta, vieram os trabalhos informais — vendedor ambulante, leãochácara, garçombordel e cozinheiropensionato. Nesse último ofício conheceu Sarah Nobre, atriz emergente que apreciava suas imitaçõesCarmen Miranda e Josephine Baker. Foi por indicação dela que conseguiu a vagatravesti no teatro da Praça Tiradentes, dias antesapanhar do guarda e matá-lorepresália.
Um morcego que chupa o sangue do gado
A despeito das agressões, João Francisco encarava a homossexualidadeforma singela: "Ser bicha era uma coisa que não tinha nada demais", costumava dizer. "Eu era porque queria, mas não deixavaser homem por causa disso."
Acimatudo, apreciava o Carnaval.
"Se você fosse um cara hétero, casado, e quisesse experimentar roupamulher, estaria tudo ok naquele momento", explica Green. "Faz parte da inversão carnavalesca, ninguém te chamaria'viado' por causa disso. E os homossexuais encaravam essa brecha como uma libertação."
Nas primeiras décadas do século 20, a homossexualidade masculina já gozavarelativa tolerânciaambientes profissionais dominados por mulheres, como cabarés, cozinhas e salõesbeleza. A maioria dos gays brasileiros, entretanto, não desfrutava dessa liberdade — eram funcionários públicos, trabalhadores braçais e empregados dos mais diversos ramos.
"O Carnaval era muito importante para a sanidade mental dessas pessoas", sustenta Green. "Naquele momento, elas não precisavam esconder seus indicativoshomossexualidade. Pelo menos por alguns dias no ano, elas podiam contar com algum respiro, com uma válvulaescape."
Durante a festa1938, João Francisco aderiu ao concursofantasias promovido pelo Teatro República, na Avenida Gomes Freire. Uma velha reminiscência o havia encorajado a seguirfrente: "Lembrei que na minha infância tinha conhecido um morcego que chupava o sangue do gado. Achei que, alémoriginal, podia ficar muito divino. Reuni meus pequenos recursos financeiros e iniciei eu mesmo a confecção. Meu dinheiro só dava para botar lantejoulas nos chifres e na máscara. O corpo da minha fantasia eu fiz com fitas douradascaixãodefunto. Um luxo."
Os foliões que assistiam ao desfile notaram certa semelhança entre aquelas vestimentasmorcego e o figurino exibido pela atriz Kay Johnson em Madam Satan, uma comédia musical norte-americana dirigida por Cecil B. DeMille1930. A premissa do filme não poderia ser mais distante da existênciaJoão Francisco — uma socialite branca descobre a infidelidade do marido e decide reconquistá-lo num bailemáscaras a bordoum zepelim, fazendo-se passar por uma loura devassa enviada diretamente do inferno.
"Naquele tempo, os jovenstrejeitos afeminados extravasavammarginalização e faltareferências atravésfantasias escapistas, sonhando com um mundo mais amigável", observa Green. "Acredito que o cinema tenha cumprido esse papel, sobretudo nos anos da Grande Depressão. Para as massas pobres que assistiam aos filmes, Hollywood representava um lugarbeleza, glamour e divertimento. Era um escape, uma fugauma realidade muito difícil."
Talvez por isso, o apelido tenha pegado — até o último diasua vida, João Francisco atenderia por Madame Satã.
Dissidências boêmias
O transformista foi descrito nos seguintes termos por um comissário que o prendera: "É pederasta passivo. Usa as sobrancelhas raspadas e adota atitudes femininas, alterando até a própria voz. Entretanto, é um indivíduo perigosíssimo, pois não costuma respeitar nem as próprias autoridades policiais. Fuma, joga e é dado ao vício da embriaguez. É visto sempre entre pessoas do mais baixo nível social."
Alçado ao postofigura folclórica, Madame Satã se equilibrava entre a repressão e o crescente prestígio na vida noturna. "Eu não tinha medo", dizia. "Minha bolachaesquerda era respeitada. Acertava sempre no ouvido do inimigo, e o sujeito demorava a voltar."
Tal violência, segundo Zulu Araújo, dirigia-se a alvos específicos — os poderosos, nunca as minorias: "Madame Satã arrebentou militares que o humilhavam e delegados que o perseguiam. Patrulhas inteiras, que iam à Lapa agredir prostitutas e boêmios, eram derrotadas por ele. E para isso ele se serviu da sabedoria, da malandragem e da capoeira, ferramentas que a cultura negra lhe propiciou."
Em depoimentos, o transformista apontavaorientação sexual como raiztodos os cercos que havia sofrido. "Eles não se conformavam com a minha valentia. Mas o que eu devia fazer?", questionava-se. "Tornar-me um covarde? Deixar que fizessem comigo o que faziam com outras bichas? Não, eu não podia me conformar com a situação vexatória que era aquela."
Com a boemia, mantinha uma relação ambivalente. "Esse universomalandragem, prostituição e samba, tudo junto e misturado no centro da cidade, acolhia muitas dissidências nos anos 30 e 40", explica Green. "Ao mesmo tempo, sempre foi um espaço bastante machista."
Madame Satã se gabavater estadoserenatas com Francisco Alves — na época, o cantor mais popular do rádio brasileiro. Era próximo a músicos como Cartola, Nelson Cavaquinho, Vicente Celestino, Heitor dos Prazeres e AracyAlmeida, a quem elogiava como "grande jogadorasinuca". Noel Rosa teria se inspirado nele ao escrever Mulato Bamba, umasuas canções mais conhecidas. Por outro lado, o transformista esmurrou Geraldo Pereira,represália a supostas provocações homofóbicas — o compositor morreu no dia seguinte, 8maio1955,uma hemorragia intestinal não relacionada ao incidente.
"Madame Satã conquistou espaço ao utilizar seus dotes corporais como mecanismosdefesa", analisa Green. "Nesse sentido, lembra a pessoa trans que é trabalhadora do sexo. A travesti precisa brigar, manipular giletes, responderforma violenta. Num mundo onde ela pode ser muito facilmente assassinada, isso tudo é uma questãosobrevivência."
As dificuldades vivenciadas pelo transformista, acrescenta Araújo, eram as mesmasqualquer negro brasileiro no século 21, opina o pesquisador: "Isso ocorre ainda hoje nas favelastodo o país. A PM invade, achaca, espanca e mata. É sócia do narcotráfico e envia seus batalhões para violentar preferencialmente pretos e pobres."
'Bicha viril'
No início dos anos 1970, a verticalização engolia as esquinas da Lapa. O bairro se transformara num gigantesco canteiroobras, com empreendimentos erguidos sobre as ruínas do patrimônio arquitetônico e ruas alargadas para suportar um fluxo cada vez mais intensoautomóveis.
A exemplooutros personagens que um dia povoaram a região, Madame Satã parecia fadado ao esquecimento. Desde 1965, vivia por livre e espontânea vontade no complexo penitenciário da Ilha Grande, a 150 quilômetros da capital fluminense. Já havia cumpridopena, mas tentava se distanciaragitações e correrias.
Nos bairros ricos da zona sul, um grupojovens boêmios seguia pela direção oposta — eram os redatores do Pasquim, tabloide alternativo criado1969 sob forte inspiraçãopublicações estrangeiras, como a norte-americana The Realist e a francesa Hara-Kiri.
Suas páginas abordavam temas caros à contracultura mundial, refletidos sob uma perspectiva tipicamente carioca. De um lado estavam a psicodelia, o marxismo, as referências ao quadrinista Robert Crumb, ao cineasta Jean-Luc Godard e ao filósofo Herbert Marcuse; do outro, o samba, o Cinema Novo, as bebedeirasIpanema, os cartunsZiraldo, Jaguar e Henfil. As digressões intelectuais eram permeadas por um humor malicioso e fotografiasbeldades seminuas, que garantiam ao veículo uma tiragem250 mil exemplares semanais.
"O Pasquim foi o resultadouma combinação interessante", analisa Green. "Eramesquerda, influenciados pelo Partido Comunista, e portanto tinham ideias progressistas, uma preocupação com as raízes do povo brasileiro. Porém, sempre foram conservadores nos costumes."
O tabloide, surgido logo após o AI-5, despontava na imprensa como uma das principais vozesoposição à ditadura militar. "Mas seu conselho editorial era formado por homens heterossexuais que reproduziam o machismo da classe média carioca", aponta o historiador. "Eles objetificavam as mulheres, reforçando o tempo todobeleza e função sexual. Obviamente, eram muito críticos à homossexualidade e à militância feminista."
Num intervalouma semana,abril1971, esse contraste se manifestouforma mais estridente do que nunca.
A edição do dia 22 continha uma entrevista com Betty Friedan, autoraA mística feminina, best-seller que impulsionara a segunda onda do feminismo nos EUA. Um editorial acusava Friedansocar a mesa da redação, dizer palavrões, pregar "ódio sexual", defender o aborto, mostrar-se "intolerante a ideias contrárias" e não possuir sensohumor. A ativista, assinalava O Pasquim, era "tão inteligente que nem parecia mulher".
Na edição do dia 29, o tabloide trouxe um novo entrevistado — o idoso, pacato e esquecido Madame Satã. Millôr Fernandes, um dos entrevistadores, lhe disse: "Você sabe que nós aqui fazemos um jornal que é marginal. De modo que o fatovocê ter uma vida um pouco à margem da sociedade só faz com que nós tenhamos uma grande emoçãofalar com você". Paulo Francis o elogiou: "Você é muito mais autêntico e muito mais sofisticado do que o (escritor, homossexual e ex-detento francês) Jean Genet".
As perguntas, que João Francisco respondia com gentileza, falavam sobre porres, brigas, perseguições, fugas, tiroteios e navalhadas. A hostilidade lançada contra Friedan se diluíareverências ao imaginário da velha Lapa — o transformista era enaltecido como um sobrevivente da "verdadeira contracultura brasileira", um gunfighter (pistoleiro,inglês), um ser"extraordinária masculinidade" e o "homossexual mais macho que já houve na história do RioJaneiro".
A entrevista, afirma Green, foi uma tentativaO Pasquim inserir a si mesmo numa perspectiva histórica mais ampla.
"Eles reivindicavam uma tradição dentro da cultura brasileira. O resgate da vida noturna nos anos 1930 era uma justificativa para a boemia na década1970", diz. "Além disso, Madame Satã confundia os papéis tradicionaisgênero. Ele gostavadar, mas também era um cara briguento e viril. Reforçava todos os estereótipos, mas também os subvertia. E, para O Pasquim, isso soava exótico e conveniente. Eles podiam seguir com todas aquelas matérias que inferiorizavam mulheres e bichas, e ao mesmo tempo tomar cerveja com aquele cara nos baresIpanema."
Paísmaricas
Sob influência direta do Pasquim, a figuraJoão Francisco se multiplicaria nos mais diversos produtos culturais. Ao longocinco décadas,história foi narradalivros, filmes, cordéis, músicas, históriasquadrinhos e peçasteatro — seu apelido batizou até mesmo uma das casas noturnas mais importantes do país, o Madame Satã, redutopunks e góticos paulistanos nos anos 1980.
Até o final2020, tais homenagens nunca haviam sido objetocontrovérsia. Os recentes ataques à memória do transformista, segundo Green, constituem um esforço mal sucedido da extrema direitaregressar a um passado imaginário, no qual as minorias permaneciam supostamente silenciadas.
"Estão querendo reverter um processo muito avançado", diz. "Há milhõespessoas nas paradas gays, é impossível enfiar toda essa gentevolta no armário. O movimento LGBT geroutodos nós um sentimentofirmeza e autoaceitação. Eles podem até destruir a Fundação Palmares e barrar ações afirmativas nas universidades, mas não irão muito longe, pois a juventude já tem outras perspectivas sobre as possibilidades do mundo."
Para Zulu Araújo, a atuaçãoSérgio Camargo não representa uma grande surpresa. "Figuras como ele eram denunciadas pelos Panteras Negras (grupo ativista americano)", diz. "Na década1930, os integralistas já tentavam cooptar afrobrasileiros para a extrema direita. Malcolm X e diversos líderes anticoloniais africanos, como Thomas Sankara, Amílcar Cabral e Patrice Lumumba, foram assassinados por outros negros."
O espanto com os rumos da Fundação Palmares, emopinião, decorreuma associação equivocada entre raça e ideologia: "Trata-seuma ingenuidade alimentada pelo próprio movimento negro", afirma. "Dizem que a gente, só por ser preto, tem que se juntar. O problema é que os indivíduos se movemacordo com seus convencimentos ideológicos e interessesclasse. Na luta contra o racismo, a consciência política é fundamental para que a gente não se torne vítima desse tipofigura."
As novidades trazidas pelo atual cenário, conclui o arquiteto, se resumem a dois fatores interconectados — uma subordinação caricata ao governo federal e a consequente exposição do problema.
"Jair Bolsonaro declarou que o Brasil está sendo maricas no enfrentamento do coronavírus", recorda. "Dianteuma fala dessas, o que nos resta? Quando o presidente da República associa até mesmo vacinas, máscaras e medidasisolamento social a um suposto comportamentoviado, no sentido mais pejorativo que esse termo pode carregar, a fixaçãoseus subalternos por Madame Satã adquire significados muito óbvios. É um caso psicanalítico."
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