Os 40 anos do livro brasileiro condenado pelo Vaticano que hoje inspira papa Francisco:slots777

O caso foi analisado primeiro pela Arquidiocese do Rioslots777Janeiro. Em seguida, encaminhado para a Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), órgão do Vaticano herdeiro histórico do temido Tribunal da Inquisição, conhecido por perseguir aqueles considerados hereges até o século 19.

No comando da CDF estava o então cardeal alemão Joseph Ratzinger, que mais tarde se tornaria o papa Bento 16, sucessorslots777João Paulo 2º (1920-2005).

Sua decisão sobre o caso Boff foi publicadaslots77711slots777marçoslots7771985. No julgamento, a congregação entendeu que o livro era uma afronta a pelo menos quatro pontos da doutrina católica.

"Examinadas à luz dos critériosslots777um autêntico método teológico […] certas opções do livroslots777L. Boff manifestam-se insustentáveis", pontua o documento final.

"Sem pretender analisá-las todas, colocam-seslots777evidência apenas as opções eclesiológicas que parecem decisivas, ou seja: a estrutura da Igreja, a concepção do dogma, o exercício do poder sagrado e o profetismo."

Entendendo que as reflexõesslots777Boff "sãoslots777tal natureza que põemslots777perigo a sã doutrina da fé", a congregação condenou o religioso brasileiro. Coube a ele um ano do chamado "silêncio obsequioso", uma espécieslots777"cala-boca" oficial que o proibiuslots777emitir opiniões ou mesmo exercer publicamente suas atividades religiosas.

Por e-mail, Boff afirmou à BBC News Brasil que "a intenção originária do livro era aplicar as intuições da teologia da libertação às relações internas na Igreja,slots777setores da Igreja".

"Uma igreja que prega a libertação na sociedade não pode ser um fatorslots777opressão nas suas relações internas", argumenta ele.

"A razão reside neste fato: todo o poder sagrado está nas mãosslots777um pequeno grupo clerical; os leigos, que são as grandes maiores, não participam dele e as mulheres são completamente excluídas. Uma Igreja que assim se organiza e exige libertação na sociedade se desmoraliza porque, internamente, não dá mostraslots777ser libertadora."

Recordando seu próprio livro, o teólogo sustenta que "na medidaslots777que a Igreja hierárquica se assenta sobre o poder emslots777forma absolutista e até tirânica na figura do papa, não há a possibilidadeslots777se converter".

"Este tiposlots777poder centralizado necessariamente é excludente e, por isso,slots777natureza viola direitos dos fiéis", diz.

Boff vê os leigos reduzidos a uma cidadania inferior, e as mulheres encaradas como "força auxiliar do clero", a despeitoslots777serem numericamente a maioria.

"O ponto crítico e extremamente sensível para as autoridades eclesiásticas foi a crítica que fiz ao poder sagrado, sobre o qual se constrói toda a compreensão da Igreja", acrescenta.

"Jesus fez uma arrasadora crítica ao poder como centralização e buscaslots777privilégio. O poder só se legitima evangelicamente como serviço e não como privilégio e elementoslots777criaçãoslots777diferenças na comunidade. A Igreja dos primórdios se construía sobre a categoria da comunhãoslots777todos com todos, no sentidoslots777uma comunidade fraternalslots777iguais, embora com funções diferentes."

Boff diz que no catolicismo contemporâneo, a comunhão foi "esvaziada" e, "no lugar do Espírito Santo, entrou o direito canônico, que tudo estabelece".

"Não me restringi a fazer crítica à Igreja hierárquica do poder sagrado. Tentei mostrar […] uma alternativa possível e fundada biblicamente,slots777uma Igreja assentada sobre o Espírito Santo e os carismas como forma diferenteslots777organização comunitária", explica. "Estes seriam os pontos nevrálgicos que provocaram minha convocação pela Congregação para a Doutrina da Fé."

O teólogo reconhece, contudo, que os problemas não eram apenas os teológicos. "Havia dois outros, muito importantes,slots777caráter político", ressalta ele, frisando que o primeiro dizia respeito à teologia da libertação.

"Uma semana antesslots777minha convocação [para prestar esclarecimentos], a congregação [CDF] havia publicado um documento crítico a este tiposlots777teologia, acusando-aslots777politização da fé e do usoslots777categorias marxistas. Submeter-me, logo após, a um juízo doutrinário significava também colocar sob suspeição a Teologia da Libertação e, com isso, desautorizá-la."

O segundo motivo político dizia respeito às chamadas comunidades eclesiaisslots777base — grupos ecumênicosslots777que pessoas com necessidades comuns são incentivadas a se reunir para leituras bíblicas e debates sociopolíticos. Como diz Boff, lugares "onde se praticava e ainda se pratica a Teologia da Libertação".

"A intenção já antiga do Vaticano era declarar que essas comunidades não são eclesiais, mas políticas", afirma ele. "Desta forma, ficariam também desclassificadas e, junto delas, a Teologia da Libertação."

A reportagem perguntou a Leonardo Boff se, com passar do tempo, ele se arrepende ou chegou a se arrependerslots777alguma coisa do conteúdo desse livro — considerando, inclusive, a repercussão do mesmo no interior da Igreja. Ele negou categoricamente.

"Continuo sustentando as teses do meu livro, que são secundadas pela melhor reflexão teológica católica e ecumênica", esclarece.

Ele afirma que "a estruturação institucional da Igreja hierárquica é mais e mais criticada por não ser suficientemente fundada nos evangelhos e na práticaslots777Jesus e dos apóstolos".

"Sobre isso se fizeram inúmeras teses nas muitas faculdadesslots777teologia. Mais ainda, esta teologia oficial é postaslots777lado pela prática do atual papa Francisco, que explicitamente vive o modeloslots777Igrejaslots777comunhão, favorece as comunidades eclesiaisslots777base e tem dado apoio explícito à teologia da libertação,slots777onde ele mesmo mesmo veio."

Boff comentou que se corresponde com o papa Francisco "em sucessivas e amistosas trocasslots777cartas".

"O livro ['Igreja: Carisma e Poder'] resultouslots777uma sérieslots777textosslots777conferências eslots777artigos publicados. O título vai direto ao ponto", define o teólogo Luiz Carlos Susin, professor na Pontifícia Universidade Católica no Rio Grande do Sul (PUC-RS) e na Escola Superiorslots777Teologia e Espiritualidade Franciscana e membro do Comitê Internacional do Fórum Mundialslots777Teologia e Libertação.

"Na América Latinaslots777geral, mais especificamente no Brasil, a décadaslots7771970 tinha sido tensa politicamente pois nos extremos estavam as ditaduras e as guerrilhas, e no campo intelectual a situação social era analisada com categorias marxistas. A Teologia da Libertação dialogava com este pensamento crítico, embora nem Boff e nem os demais teólogos dominassem bem as categorias marxistas. Mas havia 'afinidades eletivas'."

Contexto

Em 1981, Boff já era bastante respeitado. Catarinenseslots777Concórdia, nascidoslots77714slots777dezembroslots7771938, ele civilmente se chama Genézio Darci Boff e assumiu o nomeslots777Leonardo quando se tornou membro da Ordem dos Frades Menores, ao fim da décadaslots7771950.

Ordenou-se sacerdoteslots7771964 e, depois, viveu um período na Alemanha, onde doutorou-se pela Universidadeslots777Munique.

Ao longo dos anos 1970, seu pensamento passou a ser materializadoslots777artigos e livros. Ele integrou o conselho editorial da Vozes, onde coordenou a coleção Teologia e Libertação e atuou como redator da Revista Eclesiástica Brasileira, entre outras publicações periódicas.

Nesse contexto, o teólogo fundouslots7771979, com a ajudaslots777um gruposlots777militantes e religiosos, o Centroslots777Defesa dos Direitos Humanos (CDDH),slots777Petrópolis, onde vive. Os antigos parceiros nesse projeto são os que guardam as melhores memórias da perseguição sofrida por Boff no processo junto ao Vaticano.

"Trabalhava no CDDH nos anos 1980 e convivia diariamente com Boff, principalmente no ano do famoso silêncio obsequioso [1985], afirma o teólogo e filósofo Adair Rocha, professor na Universidade do Estado do Rioslots777Janeiro (UERJ) e na Pontifícia Universidade Católica do Rioslots777Janeiro (PUC-RJ).

"Silêncio obsequioso é uma expressãoslots777uma sabedoria histórica incrível, bem mais respeitosa do que 'faz favorslots777calar a boca'."

"Igreja: Carisma e Poder se relaciona com Jesus Cristo libertador. Isso acabou incomodando os setores hierárquicos da Igreja", diz ele.

"[Boff] trabalha os pressupostos teóricosslots777natureza teológica com as questõesslots777natureza prática, numa perspectiva estruturante do modelo da circularidade da Igreja, enquanto o modelo tradicional existente é hierarco-piramidal."

"Quando isso vai para as comunidades eclesiaisslots777base, implicaslots777questões que vão interferir diretamente na vida das pessoas, e isso assume uma conotaçãoslots777natureza política que vai identificar Boff e todaslots777produção com autores preocupados com essa questão estruturante do capitalismo e como os meiosslots777produção interferem na forçaslots777trabalho", completa.

Para Rocha, a teologia trazida pelas reflexõesslots777Boff estava empenhadaslots777possibilitar que a população mais pobre adquirisse "todos os direitos". "A palavraslots777Deus vai deixando isso cada vez clara. A conotação política acaba sendo clara", acrescenta.

Professor e desenvolvedorslots777aplicativosslots777Goiânia, o filósofo José Américoslots777Lacerda Júnior recorda que foi arrebatador quando, nos anos 1980, "mergulhou" na leituraslots777Igreja: Carisma e Poder.

Em 1987, viveuslots777Petrópolis e "a proximidade com a pessoa do Leonardo trouxe ainda mais força àqueles seus escritos que tinham me marcado tanto".

"Eu vi nele a coerência entreslots777prática eslots777escrita, entreslots777ação eslots777teologia", afirma. "Práxis. Compreendi na pele e na alma a mensagem do livro: o desafioslots777manter o equilíbrio entre a força fundante do amor e a razão opressora da institucionalização."

O músico e filósofo Sérgio Messias Guimarães orgulha-seslots777ter integrado o grupo que criou o CDDHslots7771979. "[Vi] as consequências: tudo o que Leonardo sofreu a partirslots777Igreja: Carisma e Poder. A obra veio questionar práticas equivocadas internamente, liturgicamente, teologicamente e pastoralmente. Práticasslots777centenasslots777anos. O livro questionaslots777maneira contundente, daí ganhou uma importância tamanha", relata ele.

"Ratzinger, com seu conservadorismo, traduziu essa linha [conservadora]slots777João Paulo 2º. Aí chegou a bater forteslots777Leonardo, por conta dos questionamentos importantes feitos por esse livro", comenta.

"A relevância da obra continua forte porque ela evoca mudanças na Igreja. Jesus colocou muito claramente no evangelho o amor para o outro, o cuidado para o outro, principalmente para aquele que precisa mais, sofre mais as consequências da sociedade que não permite que todos tenham seus direitos básicos respeitados. Boff continua presente, atual. No papadoslots777Francisco, o livro se torna um grande pontoslots777referência."

Guimarães acredita que a condenaçãoslots777Boff tenha sido pelo conjuntoslots777sua atuação. "O livro foi a gota d'água por certos questionamentos que ele vinha fazendo e pela própria teologia da libertação", defende.

Para a educadora e militante Márcia Monteiro da Silva Miranda, com quem Boff vive oficialmente desde que largou a batina,slots7771992, a repercussão do livro é resultante do fatoslots777que, no período da ditadura, "setores da Igreja lutaram pelos direitos das pessoas e setores conservadores da Igreja achavam que a Igreja não podia se misturar com política".

"Como se o fatoslots777eles não falarem nada [sobre o regime ditatorial] também não fosse um posicionamento político", diz ela.

"Leonardo foi muito profético, mas ele é um homem transparente, que acredita no que fala. O que ele fala é a partir do que reflete, estuda. Mas ele não é um acadêmico que fica só estudando. Ele é um homemslots777fé e andou sempreslots777contato com a situação do povo. Isso tornou forte o pensamento dele", afirma.

Por outro lado, Miranda acredita que a punição sofrida por seu companheiro tornouslots777obra ainda mais reconhecida.

"Acredito que Deus escreve certo por linhas tortas", sentencia. "O fatoslots777ele ser punido, calado, serviu para disseminar ainda mais a teologia da libertação. Tornou-se uma coisa que se espalhou, se esparramou e vai até hoje adubando a fé, inclusive para irmãos cristãos evangélicos e outras religiões que não são cristãs."

Legado

Boff ressalta que seu livro teve o méritoslots777provocar uma grande discussão teológica no cerne do catolicismo. "[Contudo] foi um grave equívoco cometido pelas autoridades doutrinais do Vaticano terem entendidoslots777forma errônea o título do meu livro", acredita ele.

"Entenderam Igreja: Carisma ou Poder. Tenho afirmado a legitimidade do carisma e do poder na Igreja, poder para organizar internamente a comunidade no espírito dos evangelhos e carisma para abrir-se ao novo e às iniciativas exigidas pelos tempos cambiantes. Mas tenho insistido na tese: na relação entre poder e carisma deve-se partir sempre do carisma e não do poder", explica ele.

"Assim, o carisma impede o poderslots777se autonomizar e o confirma sempre como serviço. Se partirmos do poder, este enquadrará o carisma, tirar-lhe-á a formaslots777inovação eslots777aberturaslots777novos caminhos", acrescenta.

"Essa foi a tragédia do carisma na Igreja: figuras carismáticas — aqui no sentidoslots777inovadores e não do movimento carismático — e os profetas foram, geralmente, vigiados, cerceados, perseguidos, punidos e até condenados."

Para o historiador, filósofo e teólogo Gerson Leiteslots777Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, um ponto-chave para compreender Igreja: Carisma e Poder é entender que, na Teologia da Libertação, "a teologia aparece sempre como um segundo ato".

"O primeiro ato, o mais importante, é a experiênciaslots777fé dentro das comunidades. E foi dentro dessas comunidades que a experiência cristã foi mostrando para Boff que a Igreja que se conhece era uma Igreja hierárquica, europeia, medieval, uma Igreja que estrutura e combina o poder temporal com o poder espiritual. Essa Igreja estavaslots777uma direção completamente contrária. Então [sua obra] aponta para uma luta contra o clericalismo, contra essa ordem hierarquizada", explica.

"É como se ele dissesse que o poder nasce dentro da Igreja, mas da Igreja que são essas pessoas pobres, humilhadas sofridas, oprimidas."

Por tudo isso, a obra pode ser definida como profética, segundo explica o professor. Boff cobra uma Igreja que abandone o estilo monárquico, os títulos, os cargos — e brote justamente dos mais pobres.

Conforme diz Moraes, os teólogos da libertação estavam preocupados com a ortopraxiaslots777vez da ortodoxia. "Para eles, melhor do que a opinião correta, é a prática correta. É nessa direção que Boff vai", comenta.

Igreja: Carisma e Poder tornou-se fundamental nas bibliografias da área. "A obraslots777Boff vai perdurar por muito tempo ainda, porque é consistente. Éslots777uma teologia desafiadora, que faz as pessoas sonharem com um verdadeiro poder: o poder do cristianismo autêntico e não a estrutura fechada, engessada, do clericalismo que se torna protecionistaslots777coisas erradas", avalia Moraes.

"Sua obra vai continuar existindo e resistindo ao tempo porque é uma fonteslots777utopia, uma fonte teológicaslots777sonhos,slots777possibilidadesslots777concretização no mundo real das expectativas da caminhadaslots777fé."

Ele ressalta que o teólogo ainda tem a habilidadeslots777tratarslots777coisas profundasslots777um jeito simples, dirigindo-se ao homem comum, sendoslots777fácil compreensão.

Doutoraslots777Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregorianaslots777Roma e pesquisadora do Institutoslots777Ensino e Assistência Social (IEAS), a religiosa Dulcelene Ceccato, da Congregação das Irmãs do Divino Salvador ressalta a relevância mundialslots777Boff.

"Ele não é apenas um autor, ele é uma escolaslots777pensamento, tanto teológico como também filosófico. Como poucos, ou melhor, como os melhores e o maiores autores contemporâneos, possui uma obra ampla, sistematizadaslots777muitos livros e artigos."

Ao condenar Boff, a Igreja tinha como "meta atingir a mente mais lúcida da América Latina e Caribe para calar o pensamentoslots777favor do mundo dos pobres", defende o o filósofo e teólogo Fernando Altemeyer Junior, professor da Pontifícia Universidade Católicaslots777São Paulo (PUC-SP). "A estratégia persistiu até a eleição do papa Francisco, quando voltamos a ter oxigênio para fazer teologia. Superou-se o verdadeiro inverno eclesial e eclesiástico que durou 40 anos. Um verdadeiro deserto para os intelectuais católicos", diz o professor.

"A cristologia latino-americana que se fez a partir da dor humana, especialmente da humanidade padecente emslots777carne e corpo, nas ditadores militares foi calada e perseguida dentro da própria Igreja", comenta Altemeyer. "A cristologia européia se fez a partir do conhecimento humano e da angústia existencial emslots777alma e mente. A cristologia latino-americana vemslots777baixo para cima. Do históricoslots777Jesus ao serslots777Jesus. Do serslots777Jesus ao serslots777Deus. É alinhada à escola teológicaslots777Antioquia, ao pensamento dos primeiros evangelistas e a São João Crisóstomo. Fazer teologia muda a vida dos teólogos."

Para Susin, a riqueza intelectualslots777Boff acabou se tornando mais visível com a "mudançaslots777foco" depoisslots777desligar-se do sacerdócio,slots7771992. "Ele vinha prestando atenção, pesquisando e começando a escrever a respeitoslots777ecologiaslots777diálogo com as ciências. Sua decisão foi privilegiar a interlocução com a sociedade e não mais com a Igreja, ao menos no foco centralslots777seu trabalho", analisa.

"Continua tendo lealdadeslots777pertença à Igreja e fala dela com propriedade, mas cresceu emslots777liderançaslots777termosslots777ética e espiritualidade ecológicas. Inovou emslots777insistência numa ecologia integral, assumida agora pelo papa Francisco", comenta ele. "Mas seus livrosslots777teologia da primeira fase têm ainda consistência e conservam atração por uma das característicasslots777seu estilo, uma linguagem quase jornalística,slots777crônica e algoslots777poesia. Este outro lado místico e entusiasta, e não apenas crítico, ou profético,slots777termos mais bíblicos, está presente ao longoslots777sua produção, o que o torna um escritor rico e complexo."

Pontificadoslots777Francisco

"A teologiaslots777Boff e tantos pensadores do hemisfério sul participa da esperança libertadora dos povos crucificados. É uma cristologia ascendente, inspiradaslots777textos clássicos dos aristotélicos e tomistas", explica Altemeyer. "[Por outro lado,] a teologia europeia trabalha a encarnação do Verbo como manifestação salvíficaslots777Deus. É uma teologia descendente, inspiradaslots777textos clássicos dos platônicos e agostinianos."

A influência do pensamentoslots777Boff sobre o papadoslots777Francisco transpareceslots777algumasslots777suas manifestações eslots777documentos oficiais, como na encíclica dedicada ao meio ambiente, a Laudato Si',slots7772015.

Para o frei Marcelo Toyansk Guimarães, da Comissão Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Frades Capuchinhos e assessor da Comissão Justiça e Paz da CNBB-SP, é visível como esse modoslots777pensar ecoa no atual pontificado. "Podemos ver nas homilias do papa, que ele chama fortemente a cúria romana à conversão", pontua. "Isto está escancarado, estamos à beiraslots777uma reforma mais consistente da própria cúria."

"[No livro,] Boff discorre sobre violaçõesslots777direitos humanos no interior da Igreja. A Igreja precisa estar aberta a críticas para ajudar na revisãoslots777posicionamentos", prossegue. "Vemosslots777Francisco como isso aconteceslots777forma mais fluida, quando ele diz tolerância zero com relação a abusos e quando ele se posicionaslots777forma muito firmeslots777relação aos clericalismos, dizendo que é um grande mal da Igreja."

"O debate trazido por Boff é repetido pelo papa, que nos provoca hoje a fazer uma Igreja a partir dos pobres, que tenha o leigo como protagonista, que seja sinodal", resume o religioso.

Susin atenta que a Igreja, pelo "peso do dinossauro", enfrenta a "dificuldade da reforma". "A tradição, que éslots777riqueza eslots777glória, é tambémslots777miséria quando se trata da estruturaslots777poder, e na submissão da doutrina e até do evangelho ao direito canônico, comenta. "A cúria romana tem a estruturaslots777uma corte do século 17I na França, cheiaslots777títulos, vênias e medalhas. É nas áreas missionárias,slots777fronteiras, exatamente onde ela parece mais precária, que ela apresenta mais criatividade carismática e mais vitalidade genuinamente evangélica."

"Com a enorme extensão dos pontificadosslots777João Paulo 2º somando-lhe a continuidadeslots777Bento 16 acabou se fortificando na Igreja o que o papa Francisco tem chamadoslots777clericalismo, um interesse ligado ao poder que se afirma sobre a posturaslots777que o clero é a única mediação da salvação", explica ele. "As atuais tensões dentro da cúria romana e as contraposições nem sempre tão veladasslots777um clero mais conservadorslots777diversos países, como os Estados Unidos, e o papa Francisco mostram que a análise do poder ainda precisa ser feita, é tarefa incompleta."

Ceccato lembra que o teólogo brasileiro foi pioneiro nas reflexões sobre "a grave problemática ecológica", propondo "os parâmetros para uma ecologia integral, que o papa Francisco retoma na encíclica Laudato Si'". "Pode ser dizer que essa é a obraslots777Leonardo Boff que continua sendo escrita com criatividade, inteligência e, cada vez mais, marcada por uma profunda mística franciscana que aponta para o amor misericordiososlots777Deus e a fraternidade universal."

"Não cabe dúvidas que a teologia sul-americana, nos últimos 50 anos, deu muitos passos na reflexão teológica", afirma a religiosa. "Basta ver a importância da problemática ecológica."

Boff não esconde que há um alinhamento entre seu pensamento e o atual pontificado. "A prática e a mensagem do atual papa se situam perfeitamente dentro da perspectiva carismática defendida por meu livro 'Igreja: Carisma e Poder'. Ele disse sucessivas vezes que não vai dirigir a Igreja com o uso do poder, que não condenará ninguém e que fará o possível para viver uma Igreja sinodal que é outro nome para uma Igrejaslots777comunhão", ressalta ele.

"Pelo fatoslots777se negar viver num palácio mas preferir a casa da hóspedes, mostra na prática a distância do símbolo do poder, um palácio, eslots777proximidade do lugar comum a todos, uma casa. Ele está mais perto da grutaslots777Belém do que dos palácios dos príncipes renascentistas, muitos deles eleitos papas."

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