A grávida que perdeu o bebê ao ser baleada durante ação policial na Bahia:aposta gol e meio

Crédito, Arquivo pessoal

Legenda da foto, Jucilene e Angelo no diaaposta gol e meioseu casamento; casal esperava seu terceiro bebê, mas ela levou três tiros na portaaposta gol e meiosua casa durante confronto entre policiais e suspeito

"A minha menina mais velha ainda pergunta: 'meu irmão morreu?'", conta Angelo.

Ele, que trabalha como serventeaposta gol e meiopedreiro, precisou pedir um adiantamentoaposta gol e meioR$ 500 no emprego para cobrir os custos do sepultamentoaposta gol e meioAlan Júlio, enterrado enquantoaposta gol e meiomulher ainda estava hospitalizada.

"É uma perda que não tem explicação. A gente tenta se conformar, mas não tem como explicar essa dor", lamenta Angelo.

Segundo a imprensa baiana informou no dia 17aposta gol e meiomaio, policiaisaposta gol e meiopatrulhamento depararam com um suspeito na área onde mora Jucilene, o que deu início a uma trocaaposta gol e meiotiros.

Em nota à BBC News Brasil, a PM baiana afirmou que as investigações estão sendo conduzidas pela Delegaciaaposta gol e meioHomicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). "É importante salientar que só a partir dos resultados da perícia técnica pode-se determinaraposta gol e meioonde partiram os disparos das armas utilizadas", diz a nota.

Jucilene agora se recuperaaposta gol e meiocasa, "de repouso e muito emotiva", explica o marido. Com o braço operado, ela ainda não consegue segurar as crianças no colo.

O trágico desfecho do caso deixou a famíliaaposta gol e meiosituação ainda mais delicada financeiramente, diante dos gastos com medicamentos para Jucilene, além da alimentação especial e da fisioterapia que seu estadoaposta gol e meiosaúde exige.

"Estamos vivendo bem na cara e na coragem mesmo, com o pessoal nos ajudando como pode", prossegue Angelo.

Em 4aposta gol e meiojunho, menosaposta gol e meioum mês depois do ocorrido com Jucilene, uma história semelhante se desenrolou a 30 minutos dali, tambémaposta gol e meioSalvador. No bairro do Curuzu, duas mulheres foram mortas a tiros durante um confronto entre policiais e criminosos.

Viviane Soares e Maria Céliaaposta gol e meioSantana eram vizinhas e estavam conversando na portaaposta gol e meiocasa quando, segundo relatosaposta gol e meiotestemunhas, foram atingidas por disparos no momentoaposta gol e meioque a polícia perseguia um suspeito na rua onde moravam.

A PM informa que o Comandoaposta gol e meioPoliciamento Especializado da corporação abriu um procedimento para apurar o caso e aguarda a perícia técnica sobreaposta gol e meioonde saíram os tiros que mataram as duas mulheres.

Caso Kathlen e as mortesaposta gol e meiopessoas negras

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Mural pintadoaposta gol e meiohomenagem a Kathlen Romeu, morta no Rio durante ação da PM; ela estava grávidaaposta gol e meio14 semanas e foi atingida enquanto caminhava ao lado da avó

A tragédiaaposta gol e meiomulheres vítimas do fogo cruzadoaposta gol e meioações policiais ganhou os holofotes nacionais na semana passada por conta da morte da jovem carioca Kathlen Romeu, grávidaaposta gol e meio14 semanas que foi vítimaaposta gol e meiouma bala perdida durante um confronto na Zona Norte do Rioaposta gol e meioJaneiro.

"Perdi minha neta desse jeito mais estúpido", desabafou a jornalistas, aos prantos, a avóaposta gol e meioKathlen, diante do Instituto Médico Legal (IML) no Rio. "Uma garota que trabalha, que estuda, formada."

Doze policiais envolvidos na operação foram afastados das ruas enquanto o caso é investigado, segundo a PM fluminense. No dia da operação, a corporação disse que "policiais militares foram atacados a tiros durante patrulhamento" na área onde Kathlen caminhava com a avó. "Após cessarem os disparos, os agentes encontraram uma mulher ferida e a socorreram ao hospital".

Casos recentes como osaposta gol e meioKathlen, Jucilene, Viviane e Maria Célia ocorremaposta gol e meioum país onde pessoas negras, na contramãoaposta gol e meiooutras etnias, morrem cada vez mais.

A taxaaposta gol e meiomortalidadeaposta gol e meionegros e negras brasileiros é quase três vezes maior que a do restante da população,aposta gol e meioproporção ao seu tamanho: enquanto morrem 1,5 não negros a cada 100 mil habitantes, morrem 4,2 negros a cada 100 mil habitantes, segundo o Fórum Brasileiroaposta gol e meioSegurança Pública (FBSP).

Umaaposta gol e meiosuas publicações recentes, o Atlas da Violência 2020, feito junto com o Ipea (Institutoaposta gol e meioPesquisa Econômica Aplicada), aponta que os homicídiosaposta gol e meiopessoas negras cresceram 11,5% na década entre 2008 e 2018, no caminho inverso dos homicídiosaposta gol e meiobrancos, amarelos e indígenas, que caíram 12,9% — as categorias são definidas no estudo.

A disparidade racial foi reforçada pelo Anuário Brasileiroaposta gol e meioSegurança Pública, também do FBSP, que apontou que 74,4% das vítimasaposta gol e meiohomicídioaposta gol e meio2019 eram negros.

"Quando a gente falaaposta gol e meioviolência no Brasil, a desigualdade racial e o racismo vêm à tona", disse à BBC News Brasil Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, ao comentar o caso Kathlen. "E isso é ainda mais exacerbadoaposta gol e meiooperações policiais."

Quase 80% das mortes resultantes dessas operações sãoaposta gol e meionegros, segundo os dados obtidos pelo Fórum a partir da análiseaposta gol e meioboletinsaposta gol e meioocorrênciaaposta gol e meiotodo o país.

'Pobre tem que morrer à bala na portaaposta gol e meiocasa?'

As balas perdidas trocadas durante essas operações "encontram corpos negros", que são maioria da população nas comunidades mais vulneráveis, prosseguiu Bueno.

"É disso que estamos falando quando falamos do racismo estrutural. De uma população excluídaaposta gol e meiouma sérieaposta gol e meiodireitos, historicamente", afirma a diretora do FBSP. "Quando o policial troca tiros (nessas comunidades), está assumindo riscoaposta gol e meiohaver danos colaterais. Será que ele assumiria esse riscoaposta gol e meio(uma área nobre como) Copacabana?"

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A população negra é a maior vítima da violência no Brasil; acima, protesto contra a violênciaaposta gol e meioSão Paulo,aposta gol e meiomaioaposta gol e meio2020

Eliene Assisaposta gol e meioSantana, mãe da baiana Jucilene, diz que acompanhou o casoaposta gol e meioKathlen pela TV e pensou na tragédia vivida poraposta gol e meioprópria filha.

"Nós nos sentimos desamparados. É uma sensaçãoaposta gol e meiovulnerabilidade e impunidade. Como pode acontecer isso? Pobre tem que morrer à bala na porta da própria casa? Parece um pesadelo que bate na portaaposta gol e meiomuitos", lamenta.

"Tem que ter justiça para acabar com essa impunidade e esse despreparo. Os policiais são treinados (para seu trabalho). Mas parece que estão brincandoaposta gol e meiotiro ao alvo."

Eliene diz que, apesar do aperto financeiro, tem ajudado a filha a se recuperar "com muito amor, (algo) que ela temaposta gol e meiograça".

O caso está sendo acompanhado pela Defensoria Pública da Bahia, que recomendou que a família fizesse uma denúncia na Corregedoria da PM. Mesmo antes da conclusão das investigações, a Defensoria quer que o Estado baiano "reconheça o que aconteceu com Jucilene" e pretende pedir uma indenizaçãoaposta gol e meioacordo extrajudicial, explica à BBC News Brasil Lívia Almeida, defensora pública que coordena a área especializadaaposta gol e meioProteção aos Direitos Humanos.

"Não interessa se as balas foram ou não da polícia, o Estado é responsável da mesma forma" pelo ocorrido com Jucilene, opina Almeida, por se trataraposta gol e meiode um desdobramentoaposta gol e meiouma operação da polícia.

"Isso (indenização) não vai trazeraposta gol e meiovolta o bebê nem a saúde dela (Jucilene)", diz a mãe Eliene. "Mas vai amenizar, vai ajudar ela eaposta gol e meiofamília."

A Comissão dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa da Bahia também terá uma reunião com o Comando Geral da PM nesta quarta-feira (16/06) "para pedir a apuração desses casos e mudanças nesse modus operandi, que tem provocado tantas perdasaposta gol e meiovidas, inclusiveaposta gol e meiocrianças e mulheres negras que nada têm a ver com a criminalidade", afirma à BBC News Brasil a deputada estadual Olivia Santana (PCdoB), presidente da comissão.

Mulheres negras

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Vigília por Kathlen Romeu; mulheres são minoria das vítimasaposta gol e meiomortes violentas, mas disparidade racial se repete entre elas

As mulheresaposta gol e meiogeral representam uma parcela muito inferior à dos homensaposta gol e meiomortes violentas.

No casoaposta gol e meiooperações policiais, por exemplo, elas são 0,8% do totalaposta gol e meiovítimas fatais, segundo o FBSP.

Quando há fatalidades durante operações policiais, não é incomum que surjam acusaçõesaposta gol e meioque os mortos tinham envolvimento com a criminalidade. Esse discurso, no entanto, é postoaposta gol e meioxeque pelos casos como osaposta gol e meioJucilene e das demais mulheres citadas na reportagem, aponta a defensora Lívia Almeida. "São pessoas que não têm a menor chanceaposta gol e meioserem chamadasaposta gol e meiosuspeitas", diz ela.

"E independentementeaposta gol e meiopessoas terem ou não envolvimento (com a criminalidade), é preciso ter o devido processo penal, é preciso ter sentença."

"Lamentavelmente, o racismo é estampado na prática policialaposta gol e meionosso país, não só na Bahia", diz a deputada Santana. "É preciso encarar isso, senão não haverá mudança. Há uma banalização da violência contra os negros, as pessoas mais pobres. (...) Não há penaaposta gol e meiomorte no Brasil, as ela acontece frequentemente na vida da cidadania precarizada da população negra, sem lei, sem processo — só o rito sumário."

E mesmo entre as mulheres as diferenças raciais se repetem, segundo o Anuárioaposta gol e meioSegurança Pública: entre 2008 e 2018, enquanto o númeroaposta gol e meiomulheres não negras assassinadas no país caiu quase 12%, oaposta gol e meionegras subiu pouco maisaposta gol e meio12%.

"O que a gente tem percebido é que o Brasil reduziu um pouco a violência letalaposta gol e meio2018 para cá. Mas esses bons resultados só se traduziram para uma pequena parcela. A população negra está cada vez mais atingida", afirmou Samira Bueno, do FBSP.

Quanto a Angelo, maridoaposta gol e meioJucilene, umaaposta gol e meiosuas queixas é por não ter recebido diretamente nenhuma explicação do governo do Estado da Bahia sobre comoaposta gol e meiomulher foi alvejada e seu bebê, morto, durante uma ação envolvendo a PM.

"Queria ter um posicionamento deles (governoaposta gol e meioRui Costa, PT), porque somos uma família carente, necessitada. Estamos bem desamparados."

Questionada pela BBC News Brasil, a assessoriaaposta gol e meioimprensa do governo afirmou que seu posicionamento no momento é o mesmo da Polícia Militar.

"O que aconteceu com a minha esposa e comigo pode acontecer com outras famílias. Não podemos pagar pelo erro dos outros", afirma Angelo. "Ela (Jucilene) foi alvejada. Foram 3 disparos, perdeu o bebê. E nós estamos passando por esse transtorno todo."

*Colaborou Felipe Souza, da BBC News Brasilaposta gol e meioSão Paulo

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