Trocacomando da Defesa alimenta dúvidas sobre uso político das Forças Armadas:
Nesta terça (30/03), comandantes das três Forças Armadas — Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) — devem se reunir com Braga Netto, recém-alçado ao comando da Defesa por Bolsonaro. A expectativa é que eles discutam pontosatrito da gestão do presidente na pandemia do novo coronavírus. A conversa deve se concentrar especialmente nas tensões entre o palácio do Planalto e governadores.
De acordo com diferentes analistas, é possível que um ou mais comandantes coloquem seus cargos à disposição, o que traria novos contornos à crise política.
Ainda nas mudanças promovidas na noitesegunda-feira, a Casa Civil passou para o comando do general Luiz Eduardo Ramos, que estava na SecretariaGoverno da Presidência da República. Esse ministério, porvez, será chefiado pela deputada Flávia Arruda (PL-DF), esposa do ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, condenado por corrupção — a nomeação abre espaço para o Centrão no coração do Palácio do Planalto.
Uma fonte com trânsito no Alto Comando das Forças Armadas afirma que o desgaste entre Bolsonaro e o agora ex-ministro Azevedo vemlonga data, principalmente devido à cobrança por parte do presidenteum "maior alinhamento" das Forças Armadas com seu projeto político.
"Azevedo e Silva não se propunha a ser uma correiatransmissão do que queria o presidente", afirmou a fonte.
Dois eventos recentes, no entanto, teriam sido a gota d'água que levaram à demissão do ministro da Defesa. O primeiro teria sido uma entrevista concedida pelo general Paulo Sérgio, chefe do Departamento-Geral do Pessoal do Exército ao jornal Correio Braziliense. Na entrevista, o general disse que o Exército já se prepara para uma terceira onda da covid-19. Bolsonaro teria pedido "a cabeça"do general, algo com que Azevedo e Silva não teria concordado, causando a demissão.
Um crescente isolamento do presidente também teria contribuído com a decisãodemitir Azevedo e Silva. A recente carta dos empresários e economistas com críticas à condução da pandemia e a resistência dentro do Congresso e do Judiciário a políticas do Executivo teriam feito, segundo essa fonte, com que Bolsonaro procurasse algum "respaldo nas Forças Armadas".
"Mais isolado, o presidente quer o apoio da espada, leia-se, do Exército", afirmou essa fonte que, no entanto, disse que tal atitudeBolsonaro pode gerar alguma reação dentro das Forças Armadas.
"Isso vai aprofundar a crise, inclusive com os militares. Isso gera um efeito corporativo,defesa da corporação", disse.
Riscos para democracia?
Com a saídaAzevedo, há a expectativaque o comandante do Exército, Edson Pujol, também peça demissão. Segundo o professor Juliano Cortinhas, do InstitutoRelações Internacionais da UniversidadeBrasília (UnB), ele também é visto como um militar mais moderado etroca seria "ainda mais preocupante que aAzevedo".
Isso porque, no Brasil, o Ministério da Defesa até hoje não assumiufato o controle das Forças Armadas — na prática, são os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que têm hierarquia sobre as tropas.
"Infelizmente, a gente não conseguiu implementar um controle democrático sobre as Forças Armadas do país (após a Ditadura Militar, encerrada1985). Então, a troca do Pujol, caso se concretize, me parece mais relevante nesse sentidoimplementar uma visão menos institucional das Forças Armadas. O Ministério da Defesa não tem esse papel", disse Cortinhas.
A pasta da Defesa foi criada1999 e era tradicionalmente chefiada por ministros civis. Desde o governo Michel Temer (2016-2018), porém, passou a ser comandada por um militar.
A continuidade dessa prática no governo Bolsonaro, assim como a inclusãomilharesmilitaresoutros cargos civis,ministérios a cargossegundo e terceiro escalão, aumentaram as críticas sobre uso político das Forças Armadas.
Para Cortinhas, a trocacomando do Exército por um general mais alinhado a Bolsonaro seria um sinal ruim para democracia, considerando o perfil autoritário do presidente, quetodavida política exaltou a Ditadura Militar.
"Nenhum militar é completamente moderado. Todos que estão nessas posiçõescomando são conservadores, mas muitos deles não querem o envolvimento das Forças Armadasum projeto autoritário. Há outras que aceitariam esse papel", alerta.
"Um presidente autoritário, tendo no Ministério da Defesa, alguém como Braga Netto, por exemplo, que faz parte dessa vertente autoritária, tendo no Exército um comandante que aceita esse tipodiscurso, isso faz com que estejamos dando passou decisivos à quebra institucional e a implementaçãoum regimeexceção no país", disse ainda, sobre a possível troca no comando do Exército.
'Mesmo com Azevedo, institucionalidade estava comprometida'
Emnotademissão, Azevedo destacou seu papelpreservação institucional das Forças Armadas: "Agradeço ao Presidente da República, a quem dediquei total lealdade ao longo desses maisdois anos, a oportunidadeter servido ao País, como MinistroEstado da Defesa. Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituiçõesEstado", dizia o comunicado.
Para Cortinhas, porém, ainda que Azevedo seja visto como mais moderado que outros generais, ele não cumpriu esse papelproteger os militares do uso político.
"Eu interpretei esse trecho da nota mais como retórica porque elefato não manteve essa institucionalidade. Acho que ele foi um ministro da Defesa fraco", criticou.
"Quando o Bolsonaro disse 'minhas Forças Armadas', o 'meu Exército', se ele tivesse realmente mantido essa institucionalidade das Forças Armadas, ele teria feito ali uma declaração aberta e públicaque as Forças Armadas não eram do presidente", reforçou.
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