Caso Marielle e Anderson: o que se sabe sobre problemas da investigação:betnet com

Ato Amanhecer por Marielle e Anderson na escadaria da Assembleia Legislativa do Riobetnet comJaneiro (Alerj) marca um ano da morte da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes

Crédito, Tomaz Silva/Agência Brasil

Legenda da foto, No diabetnet comque o assassinato completou um ano, houve homenagem e protestos contra o fato do crime ainda não ter sido totalmente solucionado

O Riobetnet comJaneiro é um dos Estados onde menos homicídios são solucionados — apenas 11% deles, segundo estudo do Instituto Sou da Paz. Mas, por ser crime político, a complexidadebetnet comsua investigação vai além dos problemas típicosbetnet comsoluçãobetnet commortes no Rio.

A Polícia Civil, porbetnet comvez, respondeu à reportagem afirmando que não comenta possíveis errosbetnet comgestões passadas e que seu foco é a buscabetnet comnovas provas e linhasbetnet cominvestigação.

"Inclusive, a Polícia Civil destacou um delegado da Delegaciabetnet comHomicídios da Capital (DHC) e uma equipe, que estão exclusivos no caso. Só este ano essa equipe, que trabalha alinhada com o Ministério Público (MP), já realizou maisbetnet com100 diligências", declarou,betnet comnota, a instituição.

Relembre os percalços do caso até aqui e saiba como, na visãobetnet comespecialistasbetnet comsegurança pública, eles dificultam a descoberta da motivação e dos possíveis mandantes do crime — e o que poderia ser feito para o caso avançar.

Fotografiabetnet comMarielle Franco ao ladobetnet comflores embetnet comhomenagem

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Assassinatobetnet comMarielle gerou revolta no país todo

Fragilidades da investigação

Especialistas apontam que as autoridades cometeram erros básicos na investigaçãobetnet comseu primeiro ano, o que prejudicou o trabalho.

Dispensaram testemunhas, por exemplo. Segundo o jornal O Globo, duas pessoas que estavam no local do crime foram orientadas a se afastar e não foram convocadas naquele momento para prestar depoimento. Foram convocadas pela polícia após a publicação da reportagem.

Também houve problemas relativos à coleta e processamentobetnet comimagensbetnet comcâmerasbetnet comsegurança, como o próprio delegado que foi o primeiro responsável pelo caso, Giniton Lages, dissebetnet comdepoimento à Justiça revelado pela Folhabetnet comS.Paulo.

Segundo seu relato,betnet comequipe tinha imagens que mostravam o percurso do carrobetnet comque estavam os executores do crime — mas apenas a partirbetnet comum certo ponto, o bairro do Itanhangá, próximo à Barra da Tijuca.

As imagens não permitiam acompanhar o veículo desse local até o início da orla da Barra da Tijuca.

Meses depois, a polícia recebeu a informação sobrebetnet comonde o carro teria partido, uma região conhecida como Quebra-Mar, que fica justamente no início da orla da Barra da Tijuca. Ao revisitar o material coletado pelas câmeras, os agentes perceberam que havia um empecilho técnico que os impediabetnet comavançar na leitura das imagens.

"Revisitaram o bancobetnet comimagens, reprocessaram a imagem, descobriram que tinha um problema, colocaram numa ferramenta que era capazbetnet comler aquela tecnologia, que era ultrapassada, ela leu e o carro se revelou", disse Lages.

Quando os agentes se deram conta disso, voltaram ao Quebra-Mar e à avenida da orla, onde fica o condomíniobetnet comRonnie Lessa, mas as câmeras não tinham mais as imagens do dia do assassinato.

"Muito provavelmente nós íamos pegar o momentobetnet comque entraram no carro (...) Isso é um fato, não há como negar isso", afirmou.

Na opiniãobetnet comCarolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, que produz relatórios sobre a apuraçãobetnet comhomicídios no Brasil, "existebetnet comfato um padrãobetnet combaixa qualidadebetnet cominvestigação. Mas esses são erros básicos, graves e, pela seriedade e importância do caso, não poderiam acontecer".

Polícia Civil fala à imprensa após prisãobetnet comsuspeitos no caso Marielle Franco e Anderson Gomes no Palácio Guanabara, zona sul do Riobetnet comJaneiro

Crédito, Tomaz Silva/Agência Brasil

Legenda da foto, Lessa e Queiroz foram denunciados à Justiça como autores do crime pelo Ministério Público do Riobetnet comJaneiro

Desvios e contradições

Até chegar aos acusados, a investigação sofreu um grande desviobetnet comrota e suspeitabetnet comfraude. Por muitos meses, a principal linhabetnet comapuração buscava verificar se o assassinato teria sido cometido pelo ex-policial Orlando Oliveirabetnet comAraújo, conhecido como Orlandobetnet comCuricica, a mando do vereador Marcello Siciliano (PHS).

Essa linha começou a ser perseguida quando o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira prestou depoimento à Polícia Civil dizendo que teria visto os dois conversando sobre o assassinato e que Orlando teria matado Marielle a mandobetnet comSiciliano.

Ferreirinha, como é conhecido, dizia que o motivo seria que Marielle estaria atrapalhando negócios ilegaisbetnet comSiciliano na zona oeste do Rio, reduto da milícia.

Essa linha não prosperou. Mais tarde, ele admitiu à Polícia Federal que o testemunho era falso, segundo o portal UOL. Ferreira ebetnet comadvogada foram denunciados pelo Ministério Público por obstruçãobetnet comjustiça.

Orlando foi ouvido pelo Ministério Público Federal. Ele negou ter cometido o crime e disse que teria sido pressionado a confessá-lo pela Polícia Civil. Disse também que haveria na corporação um esquemabetnet comcorrupção para impedir que investigaçõesbetnet comhomicídios ligadas ao jogo do bicho e à milícia fossem adiante. Foibetnet comparte com base nisso que a então Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, pediu que a investigação dos mandantes ficasse a cargo da Polícia Federal, algo que foi posteriormente negado pelo Supremo Tribunalbetnet comJustiça, que entendeu que as autoridades estaduais apuraram o caso devidamente.

É consenso entre aqueles que estudam homicídios no Brasil que as investigações costumam se basear muitobetnet comtestemunhos. Ludmila Ribeiro, socióloga da UFMG (Universidade Federalbetnet comMinas Gerais) que coordena pesquisas sobre homicídios, avalia que, mesmo que os investigadores estejam empenhadosbetnet comsolucionar o caso, o envolvimentobetnet compessoas ligadas à polícia no caso torna a corporação vítima dos seus próprios métodos.

"Os autores do crime sabem os métodos investigativos da polícia, portanto parece haver um uso racionalbetnet comtestemunhas para confundir e fazer os investigadores baterem cabeça", diz ela.

Dúvidas sobre depoimentobetnet comporteiro

No finalbetnet comoutubrobetnet com2019, o Jornal Nacional divulgou uma informação que gerou mais tumulto na investigação.

Segundo a TV Globo, um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde morava Ronnie Lessa e onde o presidente Jair Bolsonaro tem casa, teria ditobetnet comdepoimento que, no dia do crime, Élcio Queiroz esteve ali e disse, ao chegar, que iria à casabetnet comnúmero 58, que pertence ao presidente.

Ao receber Élcio na guarita, o porteiro ligou para a casa 58 para confirmar se o visitante poderia entrar, e alguém na residência autorizou a entrada do veículo. Em dois depoimentos à Polícia Civil do Rio, o porteiro disse ter reconhecido a vozbetnet comquem atendeu como sendo a do "Seu Jair", segundo o Jornal Nacional. Jair Bolsonaro estavabetnet comBrasília naquele dia.

O porteiro disse, segundo a reportagem, que acompanhou Élcio pelas câmerasbetnet comsegurança e viu que seu carro tinha ido para a casa 66, onde morava Lessa. Diante disso, ligoubetnet comnovo para a casa 58, e ouviu da pessoa que atendeu que ela sabia para onde Élcio estava indo. Além desse depoimento, o cadernobetnet comregistro da portaria mostra o número da casabetnet comJair Bolsonaro ao lado da placa do carro do visitante.

Segundo o Ministério Público, provas periciais do áudio da chamada da portaria, que mostra, segundo o órgão, que Élcio teria ido para a casabetnet comLessa e teria sido o próprio a autorizarbetnet comentrada. No entanto, entidadesbetnet comperícia questionaram a qualidade técnica desse laudo. O inquérito sobre o depoimento segue sob sigilo.

Mãebetnet comMarielle faz protesto

Crédito, EPA

Legenda da foto, A mãebetnet comMarielle, Marinete Silva (à dir.), ainda clama por Justiça

Mudanças nas equipes

Na Polícia Civil, a investigação já foi chefiada por três delegados diferentes, o que pode também ter atrasado o andamento do caso.

Giniton Lages ficou à frente por cercabetnet comum ano e foi responsável, junto com o Ministério Público, pela prisão dos suspeitosbetnet comcometer o crime. Logo após a denúncia contra os suspeitos, Lages foi substituído por Daniel Rosa, que ficou no cargo por maisbetnet comum ano. À época, o então governador Wilson Witzel disse que ele "encerrou uma fase" e que seria enviado para a Itália para participarbetnet comum programabetnet comintercâmbio sobre a máfia. Em setembrobetnet com2020, Moisés Santana assumiu a investigação.

Para especialistas, essas mudanças devem ocorrer apenas se ficar claro que a pessoa responsável não dá contabetnet comfazer o caso avançar. Do contrário, são desvantajosas, pois a cada troca é preciso que a pessoa responsável se familiarize com os detalhes da investigação para então buscar possíveis caminhosbetnet comapuração.

Segundo Ludmila Ribeiro, da UFMG, que pesquisa homicídios, estudos internacionais dão contabetnet comque a estabilidade da equipe é fator essencial para a soluçãobetnet comhomicídios.

As trocas também preocupam os parentesbetnet comMarielle. No entanto, Marinete Silva, mãebetnet comMarielle, diz que tem conversado com o atual delegado à frente do caso e que sente que ele está comprometido e fazendo um bom trabalho.

No Ministério Público, o caso também trocoubetnet commãos. No início, estava sob a responsabilidadebetnet comHomero das Neves Freitas Filho. Meses depois, foi posto a cargo das promotoras Simone Sibilo e Letícia Emile, que estão ainda à frente do caso.

Ainda no MP,betnet comnovembrobetnet com2019, uma promotora que estava envolvida no caso — Carmen Eliza Bastosbetnet comCarvalho — se afastou depois que a imprensa veiculou postagensbetnet comsuas redes sociaisbetnet comapoio ao presidente Jair Bolsonaro, alémbetnet comuma foto com Rodrigo Amorim, deputado estadual pelo PSL do Rio que quebrou placabetnet comhomenagem à vereadora.

Carmen não participou da investigação, segundo o MP, mas passou a atuar na ação penalbetnet comque Ronnie Lessa e Élcio Queiroz são réus.

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público diz que é vedado aos membros do MP "exercer atividade político-partidária". Ao se afastar, a promotora disse que tinha feito isso voluntariamente por respeito aos pais das vítimas.

Deputado Marcelo Freixo durante sessãobetnet comvotação para presidente da Câmara dos Deputados.

Crédito, Valter Campanato/Agência Brasil

Legenda da foto, Marielle foi assessora do deputado Marcelo Feixo até ser eleitabetnet com2016

Problemasbetnet comcontrolebetnet comarmas e munição

A perícia da Polícia Civil do Rio concluiu que a arma usada no crime foi a submetralhadora HK MP5. Essa arma é usada por algumas forças especiaisbetnet compolícia e pela Polícia Federal. A investigação não apontou até o momento a origem da arma.

A munição usada no crime foi desviada da Polícia Federal, mas ainda não se sabe como isso aconteceu. O lote UZZ18 havia sido vendido à corporaçãobetnet com2006. O lote tinha 1,8 milhãobetnet combalas, muito além do permitido por lei, que é 10 mil. A fiscalização ébetnet comresponsabilidade das Forças Armadas.

Na avaliação das especialistas do Instituto Sou da Paz, um lote do tamanho do que foi usado torna impossível seu rastreamento. Portanto, alémbetnet comexpor o problemabetnet comdesviobetnet comdentro da corporação, o caso mostra também como a faltabetnet commonitoramento traz consequências graves, dizem.

A PF anunciou no mês dos assassinatos que abriria um inquérito para investigar a origem das munições, mas até o momento não divulgou seu resultado.

O que falta?

A afirmação mais forte que uma autoridade fez até o momento sobre suspeitos da encomenda do crime veio da então procuradora-geral da República Raquel Dodge. Em seus últimos dias no cargo,betnet comsetembrobetnet com2019, Dodge denunciou o político do MDB e conselheiro afastado do Tribunalbetnet comContas do Estado do Riobetnet comJaneiro (TCE/RJ) Domingos Inácio Brazão e outras quatro pessoas por suspeitabetnet comenvolvimento nos homicídios, entre eles, um policial federal aposentado, um policial militar e um delegado federal.

Ela dizia que Brazão teria atuado para plantar a versão do assassinato que dava contabetnet comque o crime teria sido encomendado por Siciliano. Para Dodge, Brazão teria feito isso porque, desde que fora afastado do TCE e preso na Operação Quinto do Ouro, que prendeu integrantes do tribunal sob suspeitabetnet comcorrupção, Brazão "vinha perdendo terrenobetnet comimportantes redutos eleitorais para o vereador (Siciliano)".

A denúncia diz que Brazão tem ligação com as milícias do Rio e seria o verdadeiro mentor do crime. É, diz o texto, "de conhecimento público quebetnet comascensão política se desenvolveu nas últimas décadasbetnet comfranca sinergia com o crescimento das milícias ebetnet comprojeção nesses territórios do crime".

Brazão teria conexão com o grupobetnet commilicianos conhecido como Escritório do Crime, matadoresbetnet comaluguel, e possivelmente envolvidos nos assassinatos.

No entanto, não está claro qual seria a relação entre Brazão e os acusadosbetnet comexecutar o crime, tampouco se sabe qual seria a motivação dele para desejar a morte da vereadora. Uma hipótese é que fosse uma retaliação contra o PSOL, partidobetnet comMarielle, pelo fatobetnet como deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) ter agido, quando era deputado estadual, para impedir a possebetnet comEdson Albertassi, seu correligionário no MDB, como conselheiro do TCE. Brazão nega qualquer envolvimento com o crime.

Freixo presidiu a CPI das Milícias instauradabetnet com2008 na Assembleia Legislativa do Rio e, desde então, passou a receber diversas ameaçasbetnet commorte. O relatório final da investigação pediu o indiciamentobetnet commaisbetnet com200 políticos, policiais, agentes penitenciários, bombeiros e civis. Antesbetnet comser eleita,betnet com2016, Marielle foi assessora do deputado.

Segundo a professora Ludmila Ribeiro, da UFGM, que pesquisa homicídios no Brasil, o que falta para o crime ser solucionado é uma maior coordenação entre investigadores e mudanças que indiquem que o caso é prioritário, como, por exemplo, a criaçãobetnet comforças-tarefa.

Três anos após o crime, o Ministério Público do Rio anunciou, no último dia 4betnet commarço, que criaria uma.

"Para mim, foi tempo demais", diz Agatha Arnaus, que era casada com Anderson Gomes. Anielle Franco, irmãbetnet comMarielle, vê a criação do grupo com bons olhos e diz que confia no trabalho das promotoras à frente do caso.

Natália Pollachi, coordenadorabetnet comprojetos do Sou da Paz, diz que um caminho a ser perseguido pelos investigadores seria o financeiro. Um relatório do Conselhobetnet comControlebetnet comAtividades Financeiras (Coaf) apontou que foi feito um depósitobetnet comR$ 100 mil na contabetnet comRonnie Lessa alguns meses após o crime.

Freixo (PSOL), que acompanha as investigações, não dá detalhes do caso, mas se diz otimista sobre a perspectivabetnet comidentificaçãobetnet commandantes.

"Minha opinião mudou para melhor. O Riobetnet comJaneiro tem uma complexidade grande. O caso mexeu numa estrutura criminosa muito profunda. Foi um tampão que, quando aberto, revelou um esgoto. O crime dela não foi resolvido, mas muita coisa foi atingida. Revelou-se o Riobetnet comJaneiro profundo", diz o deputado.

"Desse Rio, contradições podem gerar informações importantes que façam chegar aos mandantes. Não posso dar detalhes, mas tenho confiançabetnet comque a atual delegacia tem vontade betnet comchegar lá e no trabalho que vem sendo feito."

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