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Acre | 'Resgatei bebê que podia morrerdengue': a situação caótica com enchentes e doenças:
"Tudo o que tem acontecido traz preocupações. São questões humanitárias", diz o promotorJustiça Marco Aurélio Ribeiro, coordenador do Grupo EspecialApoio e Atuação para Prevenção e Resposta a situaçõesemergência ou estadocalamidade devido à ocorrênciaDesastres (GRPD) do Acre.
Na semana passada, o Estado decretou situaçãoemergência nas regiões duramente afetadas pelas enchentes. Nesta segunda-feira (22/02), o governo do Acre aumentou o alerta e decretou estadocalamidade públicadez cidades atingidas pelas cheias dos rios.
Nos últimos dias, muitas famílias tiveramser levadas para alojamentos improvisadosescolas. A medida tomada às pressas pode colaborar para o agravamento da situação da covid-19, porque especialistas apontam que nesses locais é mais complicado seguir medidasdistanciamento social.
Enquanto os leitoscovid-19 estão sobrecarregados no Estado, a busca por atendimentos a casosdengue também aumentou.
As cheias dos rios
As enchentes atingem dez municípios do Estado, incluindo a capital, Rio Branco. Nos últimos dias, o níveláguaalguns rios começou a diminuir. Apesar disso, autoridades ainda demonstram muita preocupação.
Desde a semana passada, cenas como resgatesbarcosruas alagadas e entregamantimentos a moradoresregiões isoladas pelas águas se tornaram comunsdiversas regiões do Estado. Milharescasas ficaram sem energia elétrica.
Na semana passada, o nível do Rio Acre chegou a 15,77 metros na capital, 2 metros acima do níveltransbordamento. Ao menos uma dezenabairros foi atingida.
Neste mês, alguns municípios do Estado, como Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves, chegaram a registrar as piores marcas durante enchentes ao longo das últimas décadas.
Uma das cidades mais atingidas atualmente pelas cheias no Acre é Tarauacá, a cerca400 quilômetrosRio Branco. Autoridades apontam que a enchente atingiu 90% do município. O nível do Rio Tarauacá chegou a abaixar nos últimos dias, mas logo subiu outra vez.
"É o período mais difícil que já passei na corporação até hoje. A enchente bateu recordenúmeropessoas atingidas, que agora estão forasuas casas e tiveram perdas materiais", afirma Simões, que está há seis anos no CorpoBombeirosTarauacá.
Na última sexta-feira (19/02), o CorpoBombeiros registrou que o nível da água na cidade estava a 11,15 metros — o limitetransbordamento é 9,5 metros. "A água nunca havia chegado a um nível nas ruas e casas como o atual. É a maior enchente dos últimos tempos", diz o tenente Corrêa, coordenadorbatalhões da região.
Em 2014, segundo os registros, o nível da água na cidade durante as chuvas atingiu 11,93 metros. "Mas o impacto da enchente atual é bem maior. A medida anterior (para avaliar o nível do rio) era questionável", diz o tenente à BBC News Brasil. "A enchente2021 é considerada a maior do período1995 pra cá."
Em meio ao atual período, os bombeiros precisaram resgatar diversos moradoresTarauacá. Na semana passada, o aluno-cabo Simões ajudou a levar uma idosa81 anos, que não conseguia andar, a uma embarcação para que pudesse ser encaminhada a um abrigo. Ele também levou água potável para alguns moradores que estavam isoladosáreas alagadas e não queriam deixar suas residências.
Um momento que marcou o aluno-cabo nos últimos dias, e foi fotografado e muito compartilhadogrupos da região, foi quando ele resgatou um bebêseus braços. "A mãe da criança era uma adolescente que estavaum localdifícil acesso. O nível da água havia subido muito. A casa da família já havia sido tomada pela água e eles estavam na casaum amigo", diz o integrante do CorpoBombeiros.
Simões relata que a criança havia tido uma convulsão antes do resgate e estava com febre muito alta. "O bebê tinha sintomasdengue", diz. Logo que foi resgatadoum barco, o garoto recebeu atendimento médico. "Se o menino não fosse retirado da enchente naquele momento e recebesse o aparato médico necessário, talvez ele não resistisse", afirma à BBC News Brasil.
O aluno-cabo afirma que ficou comovido com o resgate do bebê e tantos outros que fez nos últimos dias.
Segundo Simões, o bebê passa bem, recebeu alta hospitalar e está com a mãeum alojamento para vítimas das enchentes. Assim como eles, milharespessoas tiveramdeixar suas casasrazão dos alagamentos recentes no Estado: alguns conseguiram abrigo com parentes ou amigos, enquanto outros precisaram recorrer a abrigos montados pelo poder público.
O governo do Acre afirma que desde o início das enchentes tem organizado abrigosescolas e tendas para acolher as famílias retiradas das famílias das áreas atingidas. Além disso, o Executivo argumenta que tem distribuído alimentos, produtoshigiene e água potável aos moradores afetados pela situação, alémfazer monitoramento do sistema elétrico das regiões.
Por meio do decretocalamidade pública, o Estado reconheceu a necessidadeajuda financeira do governo federal para enfrentar a situação, como por meioauxílio para prestar assistência humanitária às pessoas atingidas pelo transbordamento dos rios.
Covid-19 e dengue
Para o governo do Acre, a atual situação representa o período mais crítico da história da saúde pública do Estado.
De acordo com o Ministério da Saúde, o Acre, que tem cerca894 mil habitantes, já registrou 54,9 mil casoscovid-19 e 968 mortesdecorrência do coronavírus.
Atualmente, conforme o Ministério Público do Estado, há casospacientes com o coronavírus que aguardam por um leitoUnidadeTerapia Intensiva (UTI).
Na semana passada, o governo do Acre reconheceu a possibilidadea rede pública hospitalar entrarcolapso.
Há 150 leitos clínicos e 80UTI na região da capital, para onde muitos pacientes são encaminhados. Nas outras regiões do Estado, há mais 122 leitos clínicos e 26UTI.
"A taxaocupação dos leitosUTI está sempre acima90% na região da capital, funcionando no limite. Nas últimas duas semanas, sempre há solicitações pendentes. Recentemente, havia 14 pessoas esperando por uma vagaUTI, depois o número caiu para 9. É muito dinâmico, mas sempre está no limite", afirma o promotorJustiça Gláucio Ney Shiroma, que atua na defesa da saúde na Promotoria do Acre.
Já os leitos clínicos para pacientes com a covid-19 na regiãoRio Branco, segundo o promotor, estiveram com ocupação entre 80% e 90% nas últimas semanas. No interior do Estado, segundo o membro do Ministério Público, os númerosocupação são semelhantes.
"É um retrato da redesaúde quase no limite. É um cenário muito preocupante", aponta Shiroma à BBC News Brasil.
A situação preocupa ainda mais diante do cenárioabrigos improvisadosescolas que reúnem milharesdesabrigados na cidade — segundo a Defesa Civil, há cerca2.100 famílias desabrigadastodo o Estado até o momento.
"Os númerosdesabrigados podem aumentar, se a situação não melhorar. Os locaisque esses desabrigados estão sendo colocados (nas escolas) não possuem o distanciamento adequado. Embora possa haver a preocupação para manter o distanciamento, é muito complicado garantir isso (em um local com diversas pessoas vivendocondições atípicas)", declara Shiroma.
"Em 2015, por exemplo, houve uma cheia que levou 15 mil pessoas a teremse abrigar no parqueexposições (em Rio Branco). Se isso acontecer hoje, durante a pandemia, vai ser um cenáriotragédia", explica Glaucio,razão dos riscospropagação da covid-19.
Ainda no cenário da saúde pública, a dengue tem causado bastante preocupação no Acre. Segundo o governo do Estado, neste ano foram registrados quase 1.500 casos confirmados da doença e outros 8.600 suspeitos. E isso aumenta a pressão sobre o sistemasaúde estadual.
O governo do Acre estima que os casosdengue correspondem a 80% dos casos que chegam às UnidadesPronto-Atendimento (UPAs) no período recente.
A BBC News Brasil questionou o Ministério da Saúde sobre as medidas que têm sido tomadas para auxiliar o Acre, mas não obteve respostas até a conclusão desta reportagem.
Em nota enviada à BBC News Brasil após a publicação desta reportagem, o governo do Acre afirma que as chuvas aumentaram acima do esperadorazãocondições climáticas adversas nos últimos meses. Em relação à dengue, diz que as chuvas intensas ajudaram a aumentar os criadouros onde o mosquito se reproduz e também argumenta que a pandemia fez com que açõesprevenção e controle fossem suspensas.
E sobre a covid-19, o governo justifica que a propagação do coronavírus aumentou nos últimos mesesrazão eventos como as eleiçõesnovembro e as festasfimano, que fizeram com que muitas pessoas ignorassem medidasisolamento social.
Crise migratória
Em meio às atuais dificuldades relacionadas às enchentes e à saúde pública, o Acre também enfrenta uma crise migratória na cidadeAssis Brasil, na fronteira com o Peru. Na região, aproximadamente 400 imigrantes, na maioria haitianos, tentam atravessar a fronteira, que está fechada desde março passadorazão da pandemia.
O objetivomuitos desses imigrantes, frustrados com a faltaempregos no Brasil, é migrar para os Estados Unidos. Para isso, precisam fazer o caminho inverso da rota que há uma década serviuentrada para milhares deles no Brasil.
Segundo o jornal FolhaS.Paulo, os haitianos que estão na fronteira planejam fazer um roteiromesesdireção aos EUA, por meioum trajeto perigoso que costuma durar meses e atravessa toda a América Central e o México.
Entre os imigrantes, que estão acampados na fronteira desde 13fevereiro, há mulheres grávidas, homens e muitas crianças. Segundo o governo federal, a maioria viviaSão Paulo, Santa Catarina e RioJaneiro.
O governo do Acre alertou que a situação pode causar um possível aumentocasoscovid-19 na região, que não tem leitosUTI nas proximidades.
Em nota, o Ministério da Cidadania afirma que o secretário nacionalAssistência Social (SNAS), Miguel Ângelo Oliveira, está na regiãoAssis Brasil para avaliar a situação e orientar os gestores públicos. "O objetivo é definir a alocação dos recursos que o estado e os municípios já possuem e, caso necessário, solicitar verba emergencial", diz comunicado da pasta.
De acordo com a PrefeituraAssis Brasil, 150 imigrantes da região estãoabrigos, com o apoio do Ministério da Cidadania. Outros 100 permanecem acampados na fronteira.
"É uma situação que nos traz preocupações. Há muitas pessoas, inclusive crianças, envolvidas", diz o promotorJustiça Marco Aurélio Ribeiro, que acompanha a situação.
Pedidosocorro
A situação, dizem autoridades, pode ficar ainda pior se não houver medidas para acolhimento das famílias vítimas dos alagamentos. Nas redes, muitos moradores da região ou apoiadoresuma campanha "SOS Acre" cobram ajuda intensa do governo federal para o Estado.
O presidente Jair Bolsonaro afirmou que planeja ir ao Acre nesta quarta-feira (24/02) para apoiar a população.
O governo federal afirma que tem acompanhadoperto a situação no Acre. Em nota, argumenta que montará uma coordenação para articular a atuação dos órgãos federais na região para ações como o apoio por meiorecursos para as populações das áreas atingidas pelas enchentes.
Nos próximos dias, a situação no Estado pode piorar. Isso porque a previsão émais chuvas intensas. Segundo o Ministério da Cidadania, a Defesa Civil do Acre considera que o volumechuvas previsto para os próximos dias é alto: cerca100 milímetros, com possibilidadealgumas localidades registrarem até 150 milímetros.
Diante da previsão, autoridades da região permanecemalerta. "Pelo histórico pluvialanos anteriores, até meadosmarço deve haver mais chuvas", diz o promotorJustiça Marco Aurélio Ribeiro. A situação pode fazer com que mais pessoas tenhamdeixar suas casas.
"Tudo o que poderia acontecerruim para agravar a situação (no Estado) está acontecendo. É uma cadeiaeventos nefastos."
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