'Governo não cuidou, e agora temos que manter legado', diz netomk betúltimo indígena Juma morto por covid-19:mk bet

Aruká Juma

Crédito, Gabriel Uchida/Kanindé

Legenda da foto, Aruká, último guerreiro do povo Juma, morreu na quarta-feira (17)mk betdecorrência da covid-19

"É uma faltamk betresponsabilidade do governo ter deixado essa doença chegar dentro da aldeia. A terra é distante da cidade, tem muito pouco movimento, a doença jamais chegaria ali", diz à BBC News Brasil Bitaté Uru-eu-wau-wau,mk bet20 anos, netomk betAruká.

'O governo não cuidou, e agora nós temos que manter o legado do meu avô", diz. "Ele continua com a gente, vive com a gente, representa o nosso povo através dos netos e dos futuros netos que vierem."

De acordo com dados da Secretaria Especialmk betSaúde Indígena (Sesai)), 571 indígenas morrerammk betdecorrência da covid-19. Já a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) contabiliza 970 indígenas mortos pela doença. Segundo o censo do IBGEmk bet2010, a população indígena no Brasil émk bet896,9 mil pessoas.

Massacres e mudança

Os Juma são um povo indígena do sul do Estado do Amazonas, na região do Rio Açuã. Eles falam a língua Kagwahiva, uma subfamília linguística dos Tupi-Guarani.

Estima-se que um dia os Juma tenham tido uma populaçãomk betmilhares. Segundo nota da Apib, eram 15 mil no início do século 20.

A partir da décadamk bet1940, começaram a ser atacados por pessoas interessadas nas riquezas da terra indígena. O último massacre documentado foimk bet1964, quando seringalistas (proprietáriosmk betseringais)mk betTapauá, um município próximo da terra Juma, dizimaram dezenasmk bethomens Juma, lembra a antropóloga Luciana França, professora do cursomk betAntropologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

Depois dos massacres, sobrou um grupo pequeno. A mulhermk betAruká morreu após doença, e um irmão morreu por ataquemk betonça. Nos anos 1990, eram apenas seis pessoas: Aruká, suas três filhas, e dois outros membros mais velhos do povo. "Estavam isolados e muito fragilizados sabendo do entorno que os havia matado", diz França.

Para a indigenista Ivaneide Bandeira, da Associaçãomk betDefesa Etnoambiental Kanindé, a saga do povo Juma é a saga dos povos indígenas da Amazônia. "Uma sagamk betmorte", diz.

"Aruká era um símbolomk betresistência a todo esse massacre — por armamk betfogo, mas também por doenças que são levadas pelo não indígena para dentro das aldeias, que é uma formamk betgenocídio e etnocídio cultural", afirma.

Em 1998, a Funai, tendomk betlidar com a questãomk betum povo isolado, fragilizado e sem perspectivasmk betcontinuidade após seguidos massacres por não indígenas, transferiu os últimos remanescentes do povo para a aldeia Alto Jamari, na terra indígena Uru-eu-wau-wau,mk betRondônia. Não haveria o problemamk betlíngua ou costumes bastante diversos entre os povos, já que tinham uma língua semelhante e uma história culturalmk betcomum.

Ali, as três filhasmk betAruká casaram-se como homens Uru-eu-wau-wau. Tiveram filhos e netos.

Mas os Juma eram minoria na aldeia, e Aruká viveu bastante isolado. Passava o dia dentro dentromk betcasa ou sozinho na mata, lembra França, que viveu na aldeia durante um ano. "Mataram o seu povo, depois o mataram socialmente. Era como uma sombra no mundo", diz França.

Segundo Bandeira, da Associaçãomk betDefesa Etnoambiental Kanindé, o sonhomk betAruká era voltar paramk betterra.

Retorno

O retorno à terra Juma, decidida após pedido do Ministério Público Federal no Amazonas, foi feito aos poucos.

Em 2008, França acompanhou Aruká e outros indígenas Juma e Uru-eu-wau-wau a uma expediçãomk betvolta à terra Juma, dez anos depoismk betterem se mudado do local.

Para chegar à terra, são cercamk betquatro horasmk betPorto Velho até a margem do rio Açuã. Depois mais uma hora e meiamk betbarco.

"Pouco a pouco e não sem alguma dificuldade, eles iam reconhecendo as curvas do rio e relembrando os caminhos por onde passaram. Enquanto desembarcávamos nossas coisas e preparávamos o acampamento, Aruká, sem demora, embrenhou-se na mata como se quisesse ver com os próprios olhos a terra que havia deixado para trás", escreveu Françamk betum registro da visita.

"Até a expressão quase sempre tristemk betseu rosto parecia mais aliviada."

Para ela, foi "foi muito impressionante ver a transformação do Aruká" no retorno à terra Juma. "Quando foi para terra ele, ele desabrochou", diz ela à BBC News Brasil. "Foi muito emocionante."

Uma das primeiras coisas que Aruká fez foi ir até o local ondemk betesposa estava enterrada. Ali, entoou seu ajapyryty, o choro ritual repletomk betemoção para lembrar e homenagear os mortos, diz ela.

"E na primeira noitemk betque dormimos lá, cada um namk betrede, acampando no mato, foi isso. Um começava a chorar, outro chorava também."

O retorno se consolidou. As filhasmk betAruká, genros e alguns netos também foram viver na terra Juma.

O fotógrafo Gabriel Uchida, que trabalha com os Juma e os Uru-eu-wau-wau desde 2016, lembra como Aruká era forte. "Era um guerreiro. Contava histórias das brigas com os seringueiros,mk betcomo, quando atacaram, o povo Juma fugiu ou atacoumk betvolta."

"Uma vez, ele me levou a um cemitério da aldeia afastado, bem longe. Imagina um senhormk betcercamk bet90 anos caminhar maismk betuma hora no meio do mato, no meiomk betchuva, passando por área alagada. É um exemplomk betcomo ele era forte", diz.

Quando chegou no local onde a esposa estava enterrada, ele não se cansou: cuidou da maloca, tirou gramas, puxou cordamk betcipó, descreve. Apesar da idade, ele tinha bastante autonomia, saía para tomar banho, caçava, fazia tudo sozinho, diz.

Mas ele sempre falava com tristeza sobre como antigamente haviam muitos Juma, e como naquele momento ele era o último. "Ele era forte, firme, mas sentia essa solidão,mk betser só ele e as três filhas. Mas mesmo assim, continuava praticando as coisas todas da cultura dele."

Descendentes

Um dos grandes sonhosmk betAruká era construir uma maloca grande como havia antigamente na terra Juma. Dois anos atrás, o sonho foi realizado.

Bitaté lembra como o avô lhe ensinou a construir a maloca típica do povo Juma. "Ensinou toda a arquitetura, como fazia. Agora eu sei construir a maloca do povo Juma", diz.

Além disso, gostavamk betensinar os netos a caçar e a reconhecer as coisas na mata. Bitaté diz que o avô dava atenção aos netos, ensinando a pesca e a história do povo Juma.

Segundo Bandeira, Aruká "tinha uma preocupação muito grandemk betcontar a história do massacre, contar como eles eram muitos e como foram todos mortosmk betconflito com seringueiros, caçadores e invasores da área dele".

"Queria passar essa coisamk betresistência para os netos e para filhas", relembra.

Cercamk bet20 indígenas viviam na terra, algunsmk betvezmk betquando voltando para a cidade. Para Bandeira, deveria ter havido um cuidado maior do Estado brasileiromk betrelação à covid-19.

"Qualquer um que fosse entrar deveria termk betfazer quarentena e teste antesmk betentrar. Tinha que ser uma exigência. Tem que fazer prevenção e barreiramk betcontrole. É chocante."

Assim como é "chocante", para ela, que depoismk better resistido a massacres e doenças que dizimaram seu povo, o último homem Juma agora tenha perdido a vida por causa do coronavírus.

"Por um lado, sim, ele era o último Juma, e isso é avassalador", diz França, da Ufopa.

"É avassalador que ele tenha morrido primeiro pela mortemk betseu povo, que foi massacrado pelos brancos, depois ter sido transformado num pária socialmente e agora por completa incompetência e incapacidade do Estado brasileiromk betfornecer medidas protetivas a um povo que já tinha sido tão vulnerabilizado por esse próprio estado brasileiro."

Mas os Juma, diz ela, não acabaram. "Os Juma estão lá, sim."

"Os Juma não acabaram, não foram extintos", concorda Bandeira. "Eles permanecem e são símbolomk betresistência."

As três filhasmk betAruká, diz ela, sobreviveram a essa históriamk betmassacres. E tiveram filhos e netos.

"Há netos e netas que tomaram a decisão, que pra mim é surpreendente, e eu não vimk betnenhum outro povo,mk betse autodeterminar Juma-Uru-eu-wau-wau. Tomaram a decisãomk betmanter o povo Juma no nome", conta Bandeira. Além disso, diz ela, há um neto que se autodeterminou só Juma."

"É uma decisão deles enquanto netos e povomk betpermanecer e resistir."

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