'Governo não cuidou, e agora temos que manter legado', diz netocbet full formúltimo indígena Juma morto por covid-19:cbet full form
"É uma faltacbet full formresponsabilidade do governo ter deixado essa doença chegar dentro da aldeia. A terra é distante da cidade, tem muito pouco movimento, a doença jamais chegaria ali", diz à BBC News Brasil Bitaté Uru-eu-wau-wau,cbet full form20 anos, netocbet full formAruká.
'O governo não cuidou, e agora nós temos que manter o legado do meu avô", diz. "Ele continua com a gente, vive com a gente, representa o nosso povo através dos netos e dos futuros netos que vierem."
De acordo com dados da Secretaria Especialcbet full formSaúde Indígena (Sesai)), 571 indígenas morreramcbet full formdecorrência da covid-19. Já a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) contabiliza 970 indígenas mortos pela doença. Segundo o censo do IBGEcbet full form2010, a população indígena no Brasil écbet full form896,9 mil pessoas.
Massacres e mudança
Os Juma são um povo indígena do sul do Estado do Amazonas, na região do Rio Açuã. Eles falam a língua Kagwahiva, uma subfamília linguística dos Tupi-Guarani.
Estima-se que um dia os Juma tenham tido uma populaçãocbet full formmilhares. Segundo nota da Apib, eram 15 mil no início do século 20.
A partir da décadacbet full form1940, começaram a ser atacados por pessoas interessadas nas riquezas da terra indígena. O último massacre documentado foicbet full form1964, quando seringalistas (proprietárioscbet full formseringais)cbet full formTapauá, um município próximo da terra Juma, dizimaram dezenascbet full formhomens Juma, lembra a antropóloga Luciana França, professora do cursocbet full formAntropologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
Depois dos massacres, sobrou um grupo pequeno. A mulhercbet full formAruká morreu após doença, e um irmão morreu por ataquecbet full formonça. Nos anos 1990, eram apenas seis pessoas: Aruká, suas três filhas, e dois outros membros mais velhos do povo. "Estavam isolados e muito fragilizados sabendo do entorno que os havia matado", diz França.
Para a indigenista Ivaneide Bandeira, da Associaçãocbet full formDefesa Etnoambiental Kanindé, a saga do povo Juma é a saga dos povos indígenas da Amazônia. "Uma sagacbet full formmorte", diz.
"Aruká era um símbolocbet full formresistência a todo esse massacre — por armacbet full formfogo, mas também por doenças que são levadas pelo não indígena para dentro das aldeias, que é uma formacbet full formgenocídio e etnocídio cultural", afirma.
Em 1998, a Funai, tendocbet full formlidar com a questãocbet full formum povo isolado, fragilizado e sem perspectivascbet full formcontinuidade após seguidos massacres por não indígenas, transferiu os últimos remanescentes do povo para a aldeia Alto Jamari, na terra indígena Uru-eu-wau-wau,cbet full formRondônia. Não haveria o problemacbet full formlíngua ou costumes bastante diversos entre os povos, já que tinham uma língua semelhante e uma história culturalcbet full formcomum.
Ali, as três filhascbet full formAruká casaram-se como homens Uru-eu-wau-wau. Tiveram filhos e netos.
Mas os Juma eram minoria na aldeia, e Aruká viveu bastante isolado. Passava o dia dentro dentrocbet full formcasa ou sozinho na mata, lembra França, que viveu na aldeia durante um ano. "Mataram o seu povo, depois o mataram socialmente. Era como uma sombra no mundo", diz França.
Segundo Bandeira, da Associaçãocbet full formDefesa Etnoambiental Kanindé, o sonhocbet full formAruká era voltar paracbet full formterra.
Retorno
O retorno à terra Juma, decidida após pedido do Ministério Público Federal no Amazonas, foi feito aos poucos.
Em 2008, França acompanhou Aruká e outros indígenas Juma e Uru-eu-wau-wau a uma expediçãocbet full formvolta à terra Juma, dez anos depoiscbet full formterem se mudado do local.
Para chegar à terra, são cercacbet full formquatro horascbet full formPorto Velho até a margem do rio Açuã. Depois mais uma hora e meiacbet full formbarco.
"Pouco a pouco e não sem alguma dificuldade, eles iam reconhecendo as curvas do rio e relembrando os caminhos por onde passaram. Enquanto desembarcávamos nossas coisas e preparávamos o acampamento, Aruká, sem demora, embrenhou-se na mata como se quisesse ver com os próprios olhos a terra que havia deixado para trás", escreveu Françacbet full formum registro da visita.
"Até a expressão quase sempre tristecbet full formseu rosto parecia mais aliviada."
Para ela, foi "foi muito impressionante ver a transformação do Aruká" no retorno à terra Juma. "Quando foi para terra ele, ele desabrochou", diz ela à BBC News Brasil. "Foi muito emocionante."
Uma das primeiras coisas que Aruká fez foi ir até o local ondecbet full formesposa estava enterrada. Ali, entoou seu ajapyryty, o choro ritual repletocbet full formemoção para lembrar e homenagear os mortos, diz ela.
"E na primeira noitecbet full formque dormimos lá, cada um nacbet full formrede, acampando no mato, foi isso. Um começava a chorar, outro chorava também."
O retorno se consolidou. As filhascbet full formAruká, genros e alguns netos também foram viver na terra Juma.
O fotógrafo Gabriel Uchida, que trabalha com os Juma e os Uru-eu-wau-wau desde 2016, lembra como Aruká era forte. "Era um guerreiro. Contava histórias das brigas com os seringueiros,cbet full formcomo, quando atacaram, o povo Juma fugiu ou atacoucbet full formvolta."
"Uma vez, ele me levou a um cemitério da aldeia afastado, bem longe. Imagina um senhorcbet full formcercacbet full form90 anos caminhar maiscbet full formuma hora no meio do mato, no meiocbet full formchuva, passando por área alagada. É um exemplocbet full formcomo ele era forte", diz.
Quando chegou no local onde a esposa estava enterrada, ele não se cansou: cuidou da maloca, tirou gramas, puxou cordacbet full formcipó, descreve. Apesar da idade, ele tinha bastante autonomia, saía para tomar banho, caçava, fazia tudo sozinho, diz.
Mas ele sempre falava com tristeza sobre como antigamente haviam muitos Juma, e como naquele momento ele era o último. "Ele era forte, firme, mas sentia essa solidão,cbet full formser só ele e as três filhas. Mas mesmo assim, continuava praticando as coisas todas da cultura dele."
Descendentes
Um dos grandes sonhoscbet full formAruká era construir uma maloca grande como havia antigamente na terra Juma. Dois anos atrás, o sonho foi realizado.
Bitaté lembra como o avô lhe ensinou a construir a maloca típica do povo Juma. "Ensinou toda a arquitetura, como fazia. Agora eu sei construir a maloca do povo Juma", diz.
Além disso, gostavacbet full formensinar os netos a caçar e a reconhecer as coisas na mata. Bitaté diz que o avô dava atenção aos netos, ensinando a pesca e a história do povo Juma.
Segundo Bandeira, Aruká "tinha uma preocupação muito grandecbet full formcontar a história do massacre, contar como eles eram muitos e como foram todos mortoscbet full formconflito com seringueiros, caçadores e invasores da área dele".
"Queria passar essa coisacbet full formresistência para os netos e para filhas", relembra.
Cercacbet full form20 indígenas viviam na terra, algunscbet full formvezcbet full formquando voltando para a cidade. Para Bandeira, deveria ter havido um cuidado maior do Estado brasileirocbet full formrelação à covid-19.
"Qualquer um que fosse entrar deveria tercbet full formfazer quarentena e teste antescbet full formentrar. Tinha que ser uma exigência. Tem que fazer prevenção e barreiracbet full formcontrole. É chocante."
Assim como é "chocante", para ela, que depoiscbet full formter resistido a massacres e doenças que dizimaram seu povo, o último homem Juma agora tenha perdido a vida por causa do coronavírus.
"Por um lado, sim, ele era o último Juma, e isso é avassalador", diz França, da Ufopa.
"É avassalador que ele tenha morrido primeiro pela mortecbet full formseu povo, que foi massacrado pelos brancos, depois ter sido transformado num pária socialmente e agora por completa incompetência e incapacidade do Estado brasileirocbet full formfornecer medidas protetivas a um povo que já tinha sido tão vulnerabilizado por esse próprio estado brasileiro."
Mas os Juma, diz ela, não acabaram. "Os Juma estão lá, sim."
"Os Juma não acabaram, não foram extintos", concorda Bandeira. "Eles permanecem e são símbolocbet full formresistência."
As três filhascbet full formAruká, diz ela, sobreviveram a essa históriacbet full formmassacres. E tiveram filhos e netos.
"Há netos e netas que tomaram a decisão, que pra mim é surpreendente, e eu não vicbet full formnenhum outro povo,cbet full formse autodeterminar Juma-Uru-eu-wau-wau. Tomaram a decisãocbet full formmanter o povo Juma no nome", conta Bandeira. Além disso, diz ela, há um neto que se autodeterminou só Juma."
"É uma decisão deles enquanto netos e povocbet full formpermanecer e resistir."
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