A potencial vantagem da CoronaVac contra variantes do coronavírus:

Homem segura embalagem e ampola da vacina produzida pela Sinovac

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Vacina do Instituto Butantan e da farmacêutica chinesa Sinovac pode apresentar vantagem importante contra variantes da África do Sul eManaus

Uso do vírus inteiro na vacina

A chave para a possível vantagem da vacina sino-brasileira está no material genético que ela utiliza.

A CoronaVac contém o vírus inteiro inativado da Sars-CoV-2, enquanto as demais vacinas injetam no organismo humano genes da spike do coronavírus - como é chamada a proteína que age como pontoligação com as células humanas.

Ilustração do coronavírus

Crédito, Science Photo Library

Legenda da foto, CoronaVac contém o vírus inteiro inativado da Sars-CoV-2, enquanto as demais vacinas injetam no organismo humano genes da spike do coronavírus

O problema é que a mutação E484K, que tanto preocupa os cientistas, ocorre exatamente na spike ou seja, no pontoligação entre o vírus e a célula. Esse é o local onde os chamados anticorpos neutralizantes, produzidos pelo sistema imune, se encaixam para impedir a entrada do vírus na célula.

As vacinas que focam na spike apostam na produção desse tipoanticorpo. É o caso da Oxford-AstraZeneca, Moderna, Pfizer e Novavax. Mas, as variantesManaus e África do Sul parecem ser capazescontornar a açãoanticorpos neutralizantes.

"Diferentemente dessas vacinas, a CoronaVac aposta no vírus inteiro inativado, não apenas no gene da spike. Com isso, várias células do sistema imune são ativadas e são produzidos vários outros anticorpos, não só os neutralizantes", explicou à BBC News Brasil a microbiologista Ana Paula Fernandes, pesquisadora do CentroTecnologiaVacinas e Diagnóstico da Universidade FederalMinas Gerais (UFMG).

O virologista Julian Tang, professor da UniversidadeLeicester, no Reino Unido, também avalia que o percentual globaleficácia da CoronaVac pode ser menos afetado pelas variantesManaus e África do Sul.

A vacina sino-brasileira reduz50,38% a ocorrênciasintoma da covid-19, independentemente da gravidade, o que é conhecido como eficácia global. O percentual mínimoeficácia global para uma vacina ser aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é50%. Contra casos leves, a CoronaVac apresenta percentualproteção78% e, contra casos moderados e graves,100%.

Ao não investir tanto na produção do anticorpo neutralizante, a CoronaVac apresentou taxas pioreseficácia para impedir por completo sintomas da covid-19, independentemente da gravidade, já que é justamente esse anticorpo que barra a entrada do vírus na célula. Mas, agora, a opção por utilizar o vírus inteiro na vacina, pode dar à CoronaVac vantagem no combate a variantes com a mutação E484K.

"Ao injetar o vírus inteiro inativado, a CoronaVac induz anticorpos que interagem com todas as outras 20 a 30 proteínas do vírus. Embora esses anticorpos não neutralizem (o vírus), eles reduzem o grauinfecção e a transmissão", disse Tang à BBC News Brasil.

Pesquisador da covid na UniversidadeGuadalajara, México, 3fevereiro2021

Crédito, EPA

Legenda da foto, Na África do Sul, pesquisa preliminar revelou "proteção mínima" da Oxford-AstraZeneca contra casos leves e moderados provocados por variante

Pesquisasandamento

Ainda faltam pesquisas conclusivas sobre a eficácia da CoronaVac e demais vacinas no combate a variantes, mas vários fabricantes já anunciaram que trabalham na produçãonovos imunizantes ou dosesreforço capazesresponder à mutação E484K.

O Instituto Butantan, que fabrica a CoronaVacconjunto com a biofarmacêutica chinesa Sinovac, disse à BBC News Brasil que "realiza estudosrelação à variante identificada no Amazonas, ao mesmo tempoque a Sinovac avalia variantes encontradas na Inglaterra e na África do Sul".

O Butantan destacou, porém, que a CoronaVac deve gerar "uma resposta imune ampla" contra a doença, por ser produzida a partir do vírus inteiro inativado.

As pesquisas mais amplas até o momento foram feitas com as vacinas Novavax e Johnson & Johnson. Uma delas, divulgada29janeiro, mostrou que a eficácia global da Novavax cai95,6%, contra o vírus original, para cerca60%, quando aplicada na África do Sul, onde predomina a variante com mutação E484K.

Já a vacina Johnson & Johnson,dose única, mostrou uma eficácia72% para formas moderadas e graves da covid-19 nos Estados Unidos, 28 dias após a injeção. Na África do Sul, esse percentual caiu para 57% e, na América Latina, para 66%.

Mas não houve casosmortes. Para esse estudo, foram analisados os resultados43,7 mil voluntários.

Mais alarmante foi o resultadouma pesquisa preliminar feita na África do Sul com 2 mil pessoas que revelou "proteção mínima" da Oxford-AstraZeneca contra casos leves e moderados provocados pela variante.

A pesquisa, feita pela UniversidadeWitwatersrand,Joanesburgo, ainda não foi publicada e revisada. Não foi avaliada a eficácia da vacinaOxfordevitar casos graves e mortes, porque o público do estudo era jovem e sem comorbidades.

"As vacinas que podem perder o maior níveleficácia são as focadas numa única porção da proteína spike, que é onde o vírus está mutando. Porque você tem um repertório menoroutros mecanismos para socorrer o seu organismo, já queresposta vai estar focada naquela região da molécula onde o anticorpo encaixa", avalia a microbiologista Ana Paula Fernandes, que também é professora titular da UFMG.

Bombeiro recebe vacina na Califórnia

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Pesquisas apontam que as vacinas continuam apresentando eficácia contra casos graves da covid-19, aqueles que podem resultarinternações e mortes

Proteção alta contra casos graves

Até agora, porém, as pesquisas apontam que as vacinas continuam apresentando eficácia contra casos graves da covid-19, aqueles que podem resultarinternações e mortes.

Mas como é que, mesmo focando exatamente na proteína que sofreu mutação para driblar anticorpos, os imunizantes ainda parecem apresentar grau importanteproteção contra variantes?

"É possível que os anticorpos neutralizantes gerados por essas vacinas continuem conseguindo se ligar (à proteína spike) ainda que com menor afinidade. Então, a imunidade não desaparece", explica Ana Paula Fernandes.

"E o nosso próprio sistema imune não coloca os ovos numa cesta só. Ele responde à vacina apostandooutros tiposanticorpos, não só os neutralizantes, e ativando célulasdefesa do organismo, os linfócitos. Mas a qualidade dessa resposta dependecada organismo."

Essas hipóteses ajudam a explicar por que as vacinas têm eficácia reduzida contra infecções leves e moderadas, mas continuam garantindo proteção para casos graves.

Os anticorpos e linfócitos ajudam a reduzir a concentração e multiplicação do vírus no nosso organismo, garantindo quadros menos graves da doença. Quanto maior a carga viral, maior a possibilidadedesenvolver sintomas mais graves da covid-19.

Mulher com braço tatuado e óculos recebe vacina

Crédito, EPA

Legenda da foto, Pesquisadores defendem que os fabricantes produzam novas vacinas ou dosesreforço adaptadas a variantes

"O que apareceu nesses dados preliminares é que você teve uma queda no percentualpessoas que não tiveram nenhum sintoma. Mas não teve aumento no percentualcasos graves", disse à BBC News Brasil o virologista Felipe Naveca, que participou do primeiro sequenciamento da varianteManaus.

"Se a vacina continua protegendo para as formas graves da doença, essas pessoas continuam protegidas para aquilo que é o mais importante da vacina", completa Naveca, que é pesquisador do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/FioCruz).

Dose adicionalimunizante

Apesarestudos preliminares mostrarem que as vacinas tendem a manter a proteção contra casos graves da covid-19, pesquisadores defendem que os fabricantes produzam novas vacinas ou dosesreforço adaptados a variantes, para reduzir a circulação do vírus e impedir que pessoas vulneráveis desenvolvam a doença.

A Oxford-AstraZeneca anunciou trabalhar numa dose adicionalsua vacina, capazresponder à mutação E484K, e que deve funcionar como reforço às duas doses aplicadas hoje. Outras fabricantes, entre elas Moderna, Pfizer e Novavax, também iniciaram pesquisa para desenvolver novas vacinas ou doses adicionais contra variantes.

"Pessoas que já se vacinaram poderão ter que tomar mais uma dose, quando adaptações das vacinas forem concluídas para proteger contra variantes", disse à BBC News Brasil o virologista Julian Tang, professor da UniversidadeLeicester, no Reino Unido.

"Nessa mesma época no ano passado, tínhamos o vírus que surgiuWuhan, na China. Neste ano, já temos três variantes que causam preocupação. Nesse período do ano que vem, poderemos ter mais variantes. Então, é possível que a vacina tenha que ser atualizada todo ano para acompanhar esse ritmo", avalia.

Línea

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